Força aérea pode acabar com ‘negócio dos incêndios’

O regresso da Força Aérea ao combate aos incêndios tem gerado controvérsia dentro do Governo. Enquanto a ministra da Administração Interna invoca a falta de capacidade deste ramo das Forças Armadas, o ministro da Defesa considera «inevitável» que a Força Aérea adquira os meios em falta para voltar ao ativo.

A Força Aérea tem ou não tem capacidade para o combate aos fogos? A Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) começa por tirar as teimas. «Neste momento, as Forças Armadas não têm meios nem capacidade para fazer o combate aos incêndios, ponto final». No entanto, António Mota, presidente da Associação, garante que, a partir do momento que se desse um reforço de meios e de formação, estavam reunidas as condições para voltar a ver as Forças Armadas a combater fogos.

«Tem pilotos, tem meios, aeródromos, pistas, pessoal de manutenção, mecânicos», declara ao SOL, sem descartar a necessidade de um investimento extra. Citando um relatório pedido ainda pelo anterior Governo e que foi recentemente tornado público, seria preciso um investimento de 65 milhões de euros em meios, divididos entre a aquisição de sete helicópteros monomotores no valor de 17,5 milhões de euros e seis helicópteros médios bimotores no valor de 48 milhões de euros. «Tendo em conta que Portugal gasta anualmente mil milhões de euros com os incêndios, parece-me que a longo prazo seria vantajoso», lembra António Mota.

Atualizações necessárias

Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna, lembrou esta semana que os pilotos da Força Aérea «não sabem combater fogos», opinião justificada pela especificidade dos aviões usados para esse efeito. António Mota não deixa de dar razão à governante – «voar com um avião em cima de um incêndio não é o mesmo que fazer um transporte de bombeiros daqui para a Madeira» – mas garante que, com a formação certa, rapidamente terão pilotos aptos para essa função. Aliás, o presidente da AOFA lembra que «só oficialmente» é que a Força Aérea não tem pilotos para operar em meios de combate, isto porque a maioria dos profissionais que o faz atualmente são ex-pilotos desse ramo das Forças Armadas. «Há alguns pilotos no ativo e que têm qualificação para operar as aeronaves, mas como não é uma missão que esteja oficialmente atribuída às Forças Armadas, não podem dizer que têm pilotos formados para o combate aos incêndios». 

Negócio para privados

«Os pilotos da Força Aérea são pilotos o ano todo, não é só no Verão», lembra o tenente-coronel, como forma de justificar a vontade de voltar a ver estes profissionais de novo a combater incêndios. Para o responsável, não faz sentido os portugueses pagarem a empresas privadas, quando há meios para o fazer.

António Mota lembra o final dos anos 90 como o ponto de viragem no que diz respeito ao combate aos incêndios. «Aproveitou-se o facto de ser necessário o reforço dos meios aéreos de combate a incêndios para que se optasse pelo seu aluguer pontual», explica. Uma «opção política» e «interesses financeiros» levaram ao afastamento da Força Aérea deste trabalho. «Estávamos na altura do boom das PPPs [parcerias público-privadas]. O ambiente era propício», acrescenta.

Sem querer alimentar polémicas, António Mota garante que o facto de a Força Aérea assumir parte do combate aos fogos em Portugal iria acabar com algumas «suspeitas» em relação ao ‘negócio dos incêndios’. «Não é à toa que grande parte das ignições acontece à noite e em locais estratégicos de quem sabe que vai provocar um grande fogo», refere. Para o tenente-coronel, o assumir do controlo por parte das Forças Armadas acabaria com essas polémicas, até porque «a Força Aérea, sendo de todos os portugueses e não uma entidade privada, não tem interesse em que haja incêndios».

Internet como arma

A polémica em torno das funções da Força Aérea teve início com a publicação no Facebook de um texto assinado por um coronel que critica aquilo que chama de «negócio» que envolve o plano de combate aos incêndios. João Marquito lembrou que «quando esse combate passou a ser um ‘negócio’ arrumaram-se os C-130, os kit MAFFS para os equiparem ficaram a apodrecer, os bombeiros exaustos, os meios de substituição não aparecem e… o flagelo continua». O coronel refere ainda que foi opção do MAI «manter o atual estado das coisas, com várias entidades, várias frotas, cada uma no seu ‘interesse’ e custos acumulados para todos, incluindo contratação dentro e fora do país».

A luta pelo regresso da Força Aérea ao trabalho de combate aos incêndios continua na internet, desta vez através da criação de uma petição online que conta já com quase 32 mil assinaturas. «As Forças Aéreas de Espanha, Grécia, Croácia e até mesmo de Marrocos estão envolvidas diretamente no combate aos incêndios há décadas», sublinha o documento.