Artur Anselmo: “Temos de ‘despiorar’ o Dicionário da Academia”

O Presidente da Academia das Ciências, Artur Anselmo, fala sobre as fragilidades do Dicionário organizado por Malaca Casteleiro e critica o Acordo Ortográfico. “É um absurdo o que nos estão a obrigar a fazer”

O Dicionário da Academia é de 2001. Vão atualizá-lo?

Essa edição precisa de melhorias, por isso estamos a preparar a nova edição, coordenada pela Ana Salgado.

Que tipo de melhorias?

Passaram 15 anos, houve uma grande renovação da língua portuguesa do ponto de vista lexical, uma invasão muito preocupante de estrangeirismos, uns deles aportuguesados, outros mantendo-se na sua forma estrangeira.

A tecnologia aí…

Tem um peso enorme. Eu presido também ao Instituto de Lexicologia e é desse instituto que saem os dicionários, os glossários e o que vejo é que há áreas em que estamos muito avançados. A área da Química, por exemplo. Na Engenharia também. A massa cinzenta do Técnico está toda aqui.

E pontos fracos?

Temos alguns. Na Economia tivemos o desaparecimento do Manuel Jacinto Nunes. Agora temos uma secção de Sociologia e ciências afins, mas é emergente.

Como é preparada a edição de um dicionário?

Por áreas científicas. Não há outro processo. É uma tarefa hercúlea. Reunimos o Instituto de Lexicologia uma vez por mês e a tarefa principal é a preparação da nova edição do dicionário. Neste momento a área da Química está pronta, de A a Z. A área das Ciências da Terra também está pronta. Mas há outras áreas – as Ciências Humanas, por exemplo – em que a revisão vai mais atrasada. A nossa meta é em junho termos os trabalhos prontos para entregar ao editor.

Como se reúnem os vocábulos?

Existe um servidor, da parte informática, que está na Universidade do Minho. E a doutora Ana Salgado, sempre que tem uma alteração, introduz essa alteração. Temos, digamos, o dicionário em base de dados.

Os académicos enviam os vocábulos novos?

Novos há eventualmente um ou outro, mas sobretudo novas versões das definições. Nas nossas reuniões não dizemos melhorar o dicionário. Dizemos ‘despiorar’ o dicionário, que foi uma expressão inventada pelo escritor Tomás de Figueiredo. O próprio Malaca Casteleiro, que foi o cérebro principal da primeira edição, está consciente de que há necessidade de melhorar.

De que havia fragilidades?

Já agora, um bocadinho de história do dicionário. O dicionário era uma velha aspiração. Só se pôde concretizar graças ao apoio financeiro da fundação Calouste Gulbenkian. E o dr. Malaca constituiu uma equipa de pessoas que ele conhecia da Faculdade de Letras ou que lecionavam nas escolas secundárias. Ele tinha muita gente daí. Tirando as áreas de especialidade do Malaca – fonética, morfologia, sintaxe – os académicos não participaram. Já agora abro aqui um parêntesis para dizer que as relações entre académicos pautam-se por uma grande cordialidade.

Mesmo quando discordam?

Por maiores que sejam as divergências no plano científico, nunca perdem as estribeiras. E as nossas reuniões são sempre cordatas. Tivemos recentemente um colóquio que deu muito brado, intitulado ‘Ortografia e Bom Senso’. E reunimos aqui em boa paz, tanto quanto possível, partidários e adversários do Acordo Ortográfico. Correu magnificamente, porque quem entra aqui sente que isto é uma casa em que as pessoas se respeitam. Sempre que as coisas aquecem, a pessoa trava.

Tendo assistido à troca de argumentos, onde se situa em relação ao Acordo Ortográfico?

Mantemos uma posição de independência total. Deixamos os académicos optarem livremente. O que faz a Academia é chamar a atenção do governo. O Acordo não é a Bíblia, pode ser melhorado. Por exemplo: o acento do verbo parar, que se tirou, está a dar uma confusão enorme – ‘ninguém para Portugal’. Não é possível mantermos esta indefinição.

E a sua posição pessoal?

Sou a favor das ortografias nacionais. Entendo que o Brasil tem todo o direito a ter a sua ortografia e não tem de incomodar Portugal e Portugal não tem de sentir-se incomodado pela ortografia brasileira. Falo tanto mais à vontade quanto descendo de uma família brasileira, conheço o Brasil quase como as minhas mãos e se quiser posso arranjar o sotaque do Brasil. Esta minha posição tem sido bem compreendida mesmo pelos brasileiros.

Falou em melhorar o Acordo. Pode dar um exemplo concreto?

Ontem estava a fazer a revisão de um texto que vinha da Imprensa Nacional, com uma transcrição do Alexandre Herculano em que ele escrevia a palavra sumptuoso. Qual não é o meu espanto quando mandam uma prova que diz ‘suntuoso’! Com que direito é que um senhor revisor me passa o sumptuoso do Alexandre Herculano a suntuoso? Parece-me insultuoso! Mas há mais. O caso do ótico. Se pegar no vocabulário da Academia das Ciências tem óptico com o p. Eu vou-lhe mostrar porque isto é uma coisa de uma gravidade sem nome. Aqui tem: ‘óptico – adjetivo, Medicina, oftalmologia. Cf. Ótico’. Depois vai ao ‘ótico’ e em vez de oftalmologia tem ‘ótico – Medicina, otorrino’. Portanto é um absurdo o que nos estão a obrigar a fazer. Quando você recebe a fatura da EPAL vem lá ‘leitura ótica’. Então perguntei para lá se era para fazer a leitura com os ouvidos. Sabe a resposta que me deram por escrito? ‘Depende do contexto’. Estão a gozar com o pagode. Nós portugueses somos assim. No cavaquismo dizia-se ‘o bom aluno da Europa’. Queremos mostrar ser bons alunos, mas estudamos pouco.

Não pode criar alguma barafunda cada um escrever como entende?

Pode, claro. Mas em 1911 também houve aquele período de ambiguidade. Acho que estamos a perder tempo. Quanto antes devíamos fazer uma revisão dos aspetos negativos do Acordo Ortográfico.

E aspetos positivos?

Poucos. Não encontro grandes vantagens.

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