A mudança na gestão do programa Compete 2020, o maior repositório de fundos europeus destinados às empresas, continua a dar que falar. Depois de o Governo ter decidido substituir Rui Vinhas da Silva sem que houvesse um despacho de exoneração, escolheu para o lugar o antigo vogal Jaime Andrez, um gestor já condenado pelo Tribunal de Contas (TdC) por infrações financeiras na gestão de outro organismo público.
Jaime Andrez é licenciado e doutorado em economia e foi presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 2003 a 2005, com uma remuneração anual líquida de cerca de 52 mil euros.
De acordo com um acórdão do Tribunal de Contas de 2013, que analisa um recurso interposto por Andrez a uma sanção anterior, o INPI procedeu indevidamente ao pagamento de prémios durante o mandato do gestor.
Apesar de a legislação em vigor na altura prever inibições neste tipo de valorizações remuneratórias, a gestão de Andrez aprovou primeiro listas de progressão de carreira e depois uma lista dos prémios de desempenho relativos aos anos de 2002 e 2003, Assim, 71 trabalhadores do INPI receberam prémios «no valor global de 21.775 e de 25.695», segundo o acórdão.
Foram ainda aprovados pagamentos aos membros da Comissão de Fiscalização, em 2003, no valor de 5.828 euros. Sendo que o mesmo aconteceu em 2004 e depois no mês de junho de 2005, mas desta vez no montante de 2.914,36 euros.
Em sua defesa Jaime Andrez, Maria Leonor Trindade e José Serrão garantiram que estes pagamentos apenas foram feitos porque estavam «convictos de que tal atuação era conforme com a lei». Mas no entender do TdC, «o mínimo que se exigia dos Recorrentes é que, caso não se sentissem aptos a tomar uma decisão consistente, se munissem previamente de informações/pareceres para tal efeito». O organismo de fiscalização entendeu que «é, pois, manifesto que agiram de forma censurável».
Obras a menos
Além de prémios, a gestão foi também censurada pelo TdC devido ao pagamento de obras que nunca foram realizados devido a falhas de medição no projeto. A este respeito pode ler-se que «em matéria de pagamentos feitos por trabalhos da empreitada não realizados, alega o Recorrente que não houve atuação culposa e que, em consequência da conversão em multa da responsabilidade financeira reintegratória, a mesma passou a ter natureza sancionatória e, logo, deve o procedimento ser declarado extinto por prescrição».
No entanto, no entender do TdC, deviam ter sido confirmadas as medições que foram avançadas pelo arquiteto responsável pelo projeto. E, por isso, consideram que «ao não o terem feito, e ao terem autorizado os referidos pagamentos sem mais, não procederam com o cuidado a que, segundo as circunstancias concretas, estavam obrigados e de que eram capazes».
Sendo que foi ainda considerado que «os Recorrentes não agiram com o cuidado exigível ao não se certificarem por escrito que as medições tinham sido efetivamente controladas por quem era suposto representar o INPI, o Arq.º José Rosa, ficando-se pela mera convicção de que assim tinha acontecido».
Em causa estavam obras nas instalações da sede do INPI, no Campo das Cebolas. Mas «o desvio verificado entre o montante inicialmente previsto e o valor final dos trabalhos alertou a equipa de auditoria». E a verdade é que, de acordo com o acórdão, «conclui-se que foram pagos trabalhos não realizados no valor de 59.005,18, correspondentes a 39% dos trabalhos sujeitos a verificação/medição e a 17% do total faturado e pago ao empreiteiro».
O processo que o Ministério da Economia enviou para a Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração Pública (Cresap), ao que tudo indica, ocultava esta informação. Segundo o Correio da Manhã, o organismo de João Bilhim admite que a informação tinha de constar do processo «porque é pertinente saber o que foi feito no itinerário profissional e pessoal da personalidade em avaliação para prever a probabilidade de esse perfil se adequar ao perfil do cargo em estudo». Além disso, a instituição admite que, caso esta informação fizesse parte do processo, nunca poderia deixar de ser analisada na avaliação que foi feita.
Dança de cadeiras em tribunal
A substituição de Rui Vinhas da Silva por Jaime Andrez no Compete foi conhecida pelo ex-gestor através da comunicação social, e Vinhas da Silva ainda hoje espera pelo despacho de exoneração. Quando soube da decisão, o professor universitário recusou deixar o cargo até que o ministro da Economia o demitisse formalmente. Mas o SOL sabe que, apesar de continuar à espera do despacho ministerial, Rui Vinhas da Silva foi impedido de entrar no edifício. E o caso está agora entregue ao advogados.
Esta não foi a única situação a gerar polémica no que toca à substituição de gestores públicos. Ainda no que respeita ao Compete, o ex-vogal Francisco Sousa Soares, que foi demitido com Vinhas, considera o processo «inacreditável».
Como o SOL já noticiou, o gestor acusou o Governo de fazer um «saneamento político», num email enviado na altura da saída. Além de ter sabido da demissão através de um telefonema de Manuel Heitor, um ministro que não tem a tutela deste organismo, o que o governante lhe disse era taxativo: «Incumbiram-me de lhe telefonar para lhe transmitir que estava demitido! Razões não há, até porque fez um trabalho excelente, mas sabe como é: o seu lugar é importante» – lê-se no email a que o SOL teve acesso.
A decisão tomada pelo atual Governo acabou por gerar tanta polémica e descontentamento que desde o início que foi posta em cima da mesa a possibilidade de levar o caso a tribunal. Principalmente, porque o Estatuto do Gestor Público estabelece que, quando a dissolução das equipas de gestão acontece por mera conveniência, pode haver lugar a uma indemnização. Se estiverem há mais de um ano em funções, têm direito a uma compensação.