Da Galp à CGD: o exemplo dos governantes e a falta de decoro

Mário Centeno e Caldeira Cabral não só não tomaram a iniciativa de vir a público clarificar a situação nos respetivos ministérios como se limitam a responder aos jornalistas que os questionam que «não há nada a acrescentar sobre esse assunto»

Já passaram mais de 15 dias sobre a revelação do caso dos três secretários de Estado que, apesar de superintenderem a áreas de decisão que contendem com assuntos da Galp, não viram qualquer problema em ir a França a expensas da petrolífera ver jogos da Seleção nacional de futebol durante o Europeu. São eles, recorde-se, os secretários de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, o dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, e o da Indústria, João Vasconcelos.

Perante o ‘bruáá’ que se levantou, e apesar de existir já uma lei muito clara que rege os governantes (a par do bom senso que, à partida, devem ter), o Governo apressou-se a prometer a elaboração de «um código de conduta». Até hoje, por outro lado, e honra lhe seja feita, apenas um dos três ministros que tutelam estes governantes – Augusto Santos Silva, nos Negócios Estrangeiros – esclareceu desde logo que, de futuro, será ele a decidir os dossiês da Galp que surgirem na Secretaria de Estado da Internacionalização.

Apesar do seu exemplo, os colegas das Finanças e Economia, Mário Centeno e Caldeira Cabral, não só não tomaram a iniciativa de vir a público clarificar a situação nos respetivos ministérios como se limitam a responder aos jornalistas que os questionam que «não há nada a acrescentar sobre esse assunto». Recorde-se que só o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tutela um serviço, a Autoridade Tributária, que tem pendente um diferendo de impostos com a Galp de pelo menos 100 milhões de euros. Lá teremos de esperar pelo inquérito entretanto aberto pela Procuradoria-Geral da República para perceber a verdadeira dimensão deste caso e ver que explicações serão dadas pelos secretários de Estado, bem como as razões de tão inocente convite futebolístico que serão apresentadas pela Galp.

Da Administração Interna vem mais um exemplo de falta de sentido de Estado. Depois de uma semana alucinante que começou com Constança Urbano de Sousa na festa da revista Flash! enquanto os fogos consumiam largos hectares do país, prosseguiu com ar de enterro na Proteção Civil onde foi forçada a ir pelo primeiro-ministro e acabou em despique com o ministro da Defesa – Azeredo Lopes defendendo que a Força Aérea deve ter competência no combate aos fogos e ela dizendo que não –, a ministra veio prometer avançar em tribunal com inúteis pedidos de indemnização contra os incendiários (para pagar os custos do combate!…) e estudar novas medidas para controlar os movimentos de condenados e suspeitos de fogo posto. 

Além de entrar na esfera de competências da sua colega da Justiça e de nem ter feito um mea culpa por ter andado desaparecida, a ministra parece não ler os relatórios das polícias: os incendiários são por regra pessoas desempregadas ou de escassos rendimentos, com problemas de álcool ou de psiquiatria.

O processo de nomeação da nova administração da CGD é outro caso. Que até permite ao Governo receber lições do Banco Central Europeu (BCE) sobre a lei portuguesa. Além de lembrar que está estabelecida a entrada de mulheres na gestão da Caixa (pormenor que o Executivo esqueceu) e que uma pessoa não deve acumular as funções de chairman e CEO ao mesmo tempo, o BCE chumbou oito dos 19 nomes que tinham sido convidados e propostos pelas Finanças para a administração da CGD. Por razões muito simples: incompatibilidades várias, casos de falta de experiência bancária e outros que estão à frente de empresas financiadas pela CGD ou que concorrem com outras que o são. «Vamos alinhar o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras com a diretiva europeia nessa matéria e isso resolve grande parte do problema», desdramatizou o secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Mourinho Félix.

E são estes os exemplos, nos dias que correm, que vêm da parte dos nossos governantes. Falhámos? Muda-se a lei e assunto arrumado. O decoro fica algures, perdido pelo caminho. Talvez não seja má ideia promover umas ações de formação profissional nesta matéria aos nossos governantes – seguindo o exemplo do BCE que exigiu isso mesmo a alguns dos administradores da CGD a quem deu luz verde… com cartão amarelo.