Guerra aberta entre Apple e Comissão Europeia

Em causa está o pagamento de cerca de 13 mil milhões em impostos. Apple e Irlanda vão recorrer da decisão, mas EUA dizem que medida pode afetar parceria com a Europa

Está aberta a guerra entre a Comissão Europeia e a Apple. A primeira declarou ilegais os benefícios fiscais dados à empresa norte-americana na Irlanda e determinou o pagamento de cerca de 13 mil milhões de euros de impostos em atraso. Trata-se da multa mais alta alguma vez aplicada a um processo deste género na Europa, mas para a Apple representa menos de um ano de lucros, já que, no ano passado, a empresa apresentou ganhos na ordem dos 16 mil milhões de euros (cerca de 18 mil milhões de dólares). A decisão foi anunciada esta terça–feira de manhã e diz que Bruxelas concluiu o processo de investigação, iniciado em 2014, à empresa norte-americana.

A investigação durou cerca de três anos e deixava antever a aplicação de uma multa milionária, depois de a Comissão Europeia ter decidido estudar a rede de fuga aos impostos de que estava acusada a empresa criada por Steve Jobs. De acordo com a comissão, o gigante tecnológico americano reduziu artificialmente os impostos que pagou usando para isso um esquema de divisão de lucros com uma empresa fantasma a que chamava empresa-sede, mas que a comissária europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, garante não ter instalações, trabalhadores ou atividade. O esquema foi possível devido a dois acordos com as autoridades irlandesas que datam de 1991 e de 2003, mas Bruxelas só pode exigir que a empresa devolva o benefício indevido sem multas e, no máximo, 10 anos para trás.

“A investigação da Comissão concluiu que a Irlanda concedeu vantagens fiscais ilegais à Apple, o que permitiu a esta pagar substancialmente menos impostos do que outras empresas ao longo de muitos anos”, disse Margrethe Vestager.

De acordo com a responsável, este “tratamento seletivo” possibilitou à Apple pagar uma taxa efetiva de imposto sobre as sociedades relativamente aos seus lucros europeus que baixou de 1% em 2003 para 0,005% em 2014. 

Recurso As reações não se fizeram esperar. A Apple ameaça recorrer da decisão, um caminho que será seguido também pela Irlanda. Michael Noonan já fez saber que “discorda profundamente” desta decisão. “A Irlanda não faz acordos com contribuintes”, diz o governo, e garante que esta decisão não está relacionada com o facto de este país praticar uma taxa de IRC de 12,5% – medida essa que tem causado distúrbios entre as mais variadas autoridades europeias e a Irlanda por causa das práticas fiscais agressivas a favor de grandes empresas.
Recorde-se que, no ranking do Banco Mundial, a Irlanda é o 17.o em 189 países (e o sétimo a nível europeu) onde é mais fácil realizar negócios. Já em relação à tributação ocupa o sexto lugar da tabela a nível global.
O governante, além de defender que não existem ilegalidades, diz também que é necessário combater essa ideia para que o país consiga manter a atratividade, de forma a cativar empresas multinacionais como a Apple e o Google.

Já a empresa tecnológica acusa a Comissão Europeia de estar a tentar “reescrever a história da Apple na Europa, ignorando a legislação fiscal na Irlanda e atropelando o sistema fiscal internacional pelo caminho”. 

A Apple diz mesmo que o caso diz respeito apenas ao país que recebe os impostos que a Apple paga, e não quanto paga a Apple, e que este processo “vai ter um impacto profundo e negativo no investimento e na criação de emprego na Europa”.

De acordo com a empresa tecnológica, a lei é cumprida e paga todos os impostos que deve, independentemente do local onde está a operar. “Vamos recorrer da decisão e estamos confiantes de que será revertida.”

Relação com a UE tremida Também o Departamento do Tesouro norte-americano se envolveu nesta questão e alerta para os riscos que a decisão pode ter, uma vez que ameaça “o espírito de parceria económica” entre Estados Unidos e União Europeia.

“As ações da comissão podem prejudicar os investimentos estrangeiros, o clima de negócios na Europa e o importante espírito de parceria entre os Estados Unidos e a União Europeia”, afirmou o porta-voz do Departamento do Tesouro. 

Apesar de não querer comentar casos específicos, o Tesouro norte-americano afirma que “está desiludido por a comissão estar a agir de modo unilateral, à margem dos importantes progressos alcançados conjuntamente pelos Estados Unidos, União Europeia e a comunidade internacional para combater a evasão fiscal”, indica o comunicado norte-americano.

O Departamento do Tesouro chama ainda a atenção para o facto de os impostos retroativos por parte da comissão serem “injustos, contrários aos princípios legais estabelecidos, e colocam em causa as regras fiscais dos Estados-membros”. 
A verdade é que este não é o primeiro caso em que Bruxelas tem o mesmo entendimento por suspeitas de concessão de vantagens a multinacionais. Exemplo disso foi o aconteceu com a rede de cafetarias Starbucks na Holanda e com o braço financeiro da Fiat no Luxemburgo.