O Ministério das Finanças vai ser obrigado a recuar e a dar indicações para que os administradores da Caixa Geral de Depósitos cumpram a lei dos gestores públicos. Mas, neste momento, as Finanças ainda estão em estado de negação – e, na realidade, depois de considerarem na terça-feira que os gestores da Caixa ficavam isentos de entregar as declarações ao Tribunal Constitucional, recusaram ontem novos esclarecimentos.
“Os gestores da Caixa Geral de Depósitos têm de entregar declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional, como resulta da lei geral aplicável aos gestores públicos”, disse ontem ao i o presidente do PS e líder parlamentar do partido, Carlos César.
A Caixa não sabe de nada. Ou, pelo menos, não sabia quando foi contactada pelo i para saber se António Domingues e restante equipa iriam, de facto, cumprir a lei de 1983. “Não sabemos”, respondeu ontem ao i fonte oficial da Caixa quando contactada para saber quais iam ser os próximos passos de António Domingues: entregar a declaração de rendimentos, como diz a lei de 1983 e defende o PS, ou não entregar, invocando o estatuto excecional que as Finanças consideram ser aplicável.
A trapalhada é grande, até porque, segundo a lei de 1983, faltam três dias para expirar o prazo para a nova administração da Caixa cumprir os deveres a que estão obrigados os gestores públicos.
A história foi levantada no domingo por Marques Mendes, no seu comentário na SIC. O comentador e ex-líder do PSD admitia que o facto de os gestores estarem desobrigados de entregar as declarações de rendimentos poderia ser “lapso”. “Ou isto é um lapso e tem de ser corrigido, ou é intencional e é gravíssimo”, disse Marques Mendes.
Na terça-feira, para o Ministério das Finanças, não se tratava de nenhum lapso. A alteração do decreto que permitiu a António Domingues ter um salário “na mediana” do mercado – como justifica o ministro Mário Centeno – também implica que esteja livre das obrigações dos outros gestores públicos, como entregar declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional.
Segundo a versão das Finanças, “a ideia é a Caixa Geral de Depósitos ser tratada como qualquer outro banco e essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público. Está sujeita a um conjunto de regras mais profundo, como estão todos os bancos. Não faz sentido estar sujeita às duas coisas”. As Finanças defenderam na terça-feira que “os corpos dirigentes da Caixa Geral de Depósitos têm de prestar contas ao acionista e aos órgãos de controlo interno” e “estão disponíveis para revelar essa informação ao acionista”.
A questão, como divulgou ontem o “Diário de Notícias”, é que a lei de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos abrange “titulares de órgãos de gestão de empresa participada pelo Estado quando designados por este”. Ora, a Caixa continua a ser um banco público, foi o governo que designou esta administração, logo, qualquer interpretação legal que faça escapar Domingues ao escrutínio público será provavelmente ilegal. É isso que pensa o Partido Socialista, como fica claro nas declarações do líder parlamentar ao i. Mas não se sabe ainda o que pensa o ministro das Finanças, e muito menos o próprio António Domingues – que esteve ontem na Assembleia da República a apresentar cumprimentos institucionais ao presidente Ferro Rodrigues.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recusou-se ontem, durante a sua visita oficial a Havana, a comentar o caso das declarações de rendimentos. Já tinha sido bastante duro em relação aos salários que o governo decidiu pagar aos gestores da Caixa, o dobro do que recebiam os seus antecessores. “O governo devia estar muito atento ao valor fixado, devia atender ao resultado da gestão”, disse o PR, que lembrou “que os bancos privados tinham cortado vencimentos de administradores quando tinham recebido fundos públicos”.