Augusto Cid. “Para cada missão que ia, levava duas tabletes de chocolate no bolso”

Na segunda parte de uma longa e saborosa entrevista, o cartoonista Augusto Cid conta como viveu a Guerra Colonial, desde a viagem para Luanda no Vera Cruz até ao seu regresso, dois anos depois. Recorda também como conheceu Paulo Portas, a quem já aos 12 anos previa um futuro brilhante, e reproduz as conversas com…

Augusto Cid. “Para cada missão que ia, levava duas tabletes de chocolate no bolso”

Como eram as condições no Vera Cruz?

Abaixo de cão. Os graduados tinham os seus camarotes, mas o porão, onde iam os soldados, era um verdadeiro inferno. Ainda fui lá duas vezes e não consegui ir mais, por causa do cheiro a vomitado. Se não acha graça a três beliches, imagine seis beliches uns em cima dos outros.

Seis andares?

Seis andares de beliches. Houve homens que não podiam quase andar dos enjoos, e eram puxados por cordas, não conseguiam sair de outra maneira. O tempo esteve bom, não apanhámos grandes ondulações, mas aquilo mexe-se tudo na mesma.

E o Cid?

Eu tomei umas pastilhas para o enjoo, se calhar por isso é que não enjoei.

Vi fotografias do Vera Cruz e tinha tudo bom aspeto, com salas bonitas…

Essas partes estavam interditas aos soldados. Os graduados viajavam bem. Tínhamos um camarote para dois ou três e a comida era boa. A dos soldados, péssima.

Como foi a despedida em Lisboa?

A saída eram coisas difíceis de imaginar porque o cais enchia-se de gente, milhares de pessoas. As pessoas despediam-se como se os filhos não voltassem. Havia cenas de histerismo, havia de tudo. Um alferes meu amigo estava muito triste quando o barco começou a fazer a manobra para sair de Lisboa. E eu disse-lhe: ‘Não te preocupes, estás com esse ar, vais ver que os dois anos passam depressa’. E ele responde: ‘Não é isso, é que lá em baixo vi passar uma miúda que conheço, e pedi a um polícia: ‘Sr. guarda, pode olhar-me pelas malas, que eu vou falar a uma pessoa amiga?’. Quando voltou, nem malas, nem polícia, nem nada. Ele era de Viana do Castelo e levava aqueles enchidos e outras coisas boas.

E o Cid, o que levava na bagagem?

Na altura lia muito pocket books, coisas inglesas ou americanas. O fardamento tinha um bolso lateral em cada perna, e eu levava sempre um pocket book em cada bolso. Eram as minhas munições literárias.

E comida?

Levei chocolates da Belleville, que era uma coisa que eu adorava – estragou-me os dentes todos, mas pronto… Alimentei-me durante dois anos a Beleville. Ia para uma missão qualquer, levava duas tabletes no bolso. A minha família estava aqui quase falida de comprar Belleville – mas chegavam lá impecáveis. Nem sequer derretidas com o calor. Depois tentei fazer mousse de chocolate lá, pedi uma receita à minha avó, fui ter com o cozinheiro e disse: ‘Tu vais fazer uma mousse de chocolate. É só leres este papel que a minha avó me mandou’. Fez uma coisa intragável, ficou proibido de fazer mousses, para isso eu preferia o chocolate direto.

 

Leia a entrevista completa na edição em papel do SOL deste sábado.