A força da intuição

Uma jovem jornalista, que iniciava os primeiros passos na profissão, perguntou-me um dia como eu decidia os temas a tratar pelo jornal e a própria organização deste.

Respondi-lhe que não havia nenhum tratado sobre isso, caso contrário todos os jornais seguiriam as ‘boas práticas’ e, no limite, seriam todos iguais. Assim, o único caminho possível era cada um confiar na sua intuição.

– Intuição? – surpreendeu-se a jovem jornalista. – E como sabe que ela não o induz em erro?

– Não sei. Simplesmente, ao longo da vida, vamos percebendo se temos ou não as intuições certas. Os que erram muito vão ficando para trás, pois a comunicação social é um setor terrivelmente competitivo…

Percebi que a jornalista tinha ficado convencida com a explicação. Achava provavelmente que o jornalismo era uma ‘ciência’ – e que as decisões dos responsáveis deviam ser tomadas com base em dados ‘científicos’ e não com recurso a uma coisa tão vaga como a ‘intuição’.

Um tempo depois desta conversa, a jovem jornalista foi fazer um pequeno estágio num grande jornal inglês, em que lhe foi proporcionado um encontro com o diretor. E fez-lhe a mesma pergunta:

– Com base em quê toma as suas decisões editoriais?

Perante a sua surpresa, o homem respondeu-lhe:

– Com base na intuição, não há outra maneira.

As grandes descobertas científicas do século XIX provocaram uma revolução no pensamento. Muita gente passou a achar que a ciência podia explicar tudo e resolver tudo. Por contraposição à religião, assente na fé, a ciência baseava-se em princípios e regras inquestionáveis, passiveis de demonstração. Acreditou-se então que não haveria segredos nem limites para a ciência. Tudo seria explicado e poderia ser resolvido de forma científica.

No geral, a ideia estava certa. Mas tinha um pequeno problema: os seres humanos são todos diferentes. Cada ser humano é único. Ao contrário da física, em que as mesmas causas nas mesmas circunstâncias produzem sempre os mesmos efeitos, nas sociedades humanas não é exatamente assim. O fator humano pode introduzir distorções enormes nas relações de causa e efeito. O meu pai dizia muitas vezes que, se Lenine não tivesse passado uma noite inteira a convencer o Comité Central do partido bolchevique, a Revolução Russa provavelmente não teria acontecido. Pelo menos, não teria acontecido daquela maneira e naquela altura.

Hoje sabe-se que a ciência, sendo importantíssima, nunca resolverá nem explicará tudo. Cada novo ser humano transporta dentro de si dados novos, imprevistos. Fazem-se constantemente novas descobertas – e algumas verdades que se julgavam definitivas são postas em causa. Há doenças incuráveis que passam a ter cura mas há novas doenças que surgem.

Ora, é precisamente neste território em que a ciência tem dificuldade em penetrar – como a sociologia, a psicologia e as chamadas ‘ciências sociais’ em geral – que a intuição entra em cena.

Muita gente desconfia da intuição, pois vê-a como uma espécie de adivinhação, parente próxima da bruxaria. Mas a intuição não é nada disso. A intuição não é irracional. Não renega a razão. Simplesmente, vai para além da razão.

Em cada indivíduo, a intuição apoia–se na síntese de toda a informação que ele possui – sejam dados objetivos ou coisas não objetiváveis, experiências passadas, observações mais ou menos sistematizadas da realidade, etc.

É com base nisto que a intuição funciona. A intuição recorre a tudo o que o indivíduo aprendeu, estudou, racionalizou – mas também a todas as experiências por que passou e que não racionalizou, mas que ficaram lá dentro.

A intuição faz uso de toda a sabedoria que o indivíduo acumulou, e que nem sabe que existe dentro de si.

Portanto, quando alguém diz que usou a intuição, não está a falar de qualquer espécie de adivinhação – está simplesmente a dizer que usou todos os seus saberes, tudo o que acumulou ao longo da vida.

Os tecnocratas tendem a desvalorizar e mesmo a menorizar a intuição.

“O que é preciso é tomar decisões com base em dados objetivos”, dizem.

Para isso, encomendam estudos e mais estudos.

Só que isso tem um problema. Os que decidem constantemente com base em estudos acabam por tomar decisões sempre previsíveis, que não inovam. A abertura de novas pistas, de novos caminhos, só é possível através de golpes criativos – e estes não podem basear-se apenas naquilo ‘que já se sabe’. Pelo contrário, têm de ser capazes de antecipar o futuro. E isso só pode fazer-se através da intuição.