Papéis trocados

Passos Coelho poderia passar a ser ‘outra pessoa’ pelo facto de transitar do Governo para a oposição? Acho que seria ridículo se o tentasse. 

O PS diz frequentemente que Pedro Passos Coelho ainda não percebeu que já não é primeiro-ministro. 
E no PSD também há quem pense o mesmo – o que leva os socialistas a insistirem no tema, tentando abrir brechas no campo adversário.

De facto, Passos Coelho tem uma pose, uma discrição nos gestos e uma contenção verbal mais próprias de um primeiro-ministro do que de um líder da oposição. 

Mas poderia ser de outra maneira?

Passos Coelho poderia passar a ser ‘outra pessoa’ pelo facto de transitar do Governo para a oposição?

Acho que seria ridículo se o tentasse. 

A questão está em saber se isso será bom ou mau para o PSD.
 
Como sempre  discordei da oposição feita aos gritos, com os líderes a aparecerem todos os dias nas televisões, parecendo constantemente em campanha eleitoral, prefiro este registo.

Acresce que não estamos em vésperas de eleições – e, se o líder da oposição fizesse aparições diárias, rapidamente esgotaria a imagem e o discurso.

Passos Coelho é muito conhecido, pelo que não precisa de aumentar a notoriedade.

Pelo contrário: só ganhará em manter-se um pouco na sombra. 

Até porque o pior inimigo deste Governo nunca será a oposição mas sim os números – e, claro está, Bruxelas.
Nesta perspetiva, o líder do PSD até poderá ‘fazer de morto’, como dizia Guterres. 

Mas, se é verdade que Passos Coelho aparenta muitas vezes ser o chefe do Governo e não o líder da oposição, António Costa está no extremo oposto: parece frequentemente ser o líder da oposição e não o chefe do Governo.
No Parlamento, Costa leva mais tempo a atacar o PSD do que a defender o seu Executivo. 

E tem uma postura, uma colocação de voz e uma agressividade mais consentâneas com um oposicionista do que com um governante.

Acusa Passos Coelho de continuar «voltado para o passado», o que não deixa de ser inusual, pois os primeiros-ministros não fazem habitualmente juízos sobre os líderes de outros partidos. 
E aparece em público com uma frequência também pouco habitual, aproveitando todas as oportunidades para fazer propaganda (até a reposição dos feriados foi pretexto para uma cerimónia, com o descerramento de uma lápide!).

É certo que António Costa tem, neste aspeto, um problema bicudo para resolver: a competição com Marcelo Rebelo de Sousa.

Marcelo é um hiperativo e é notícia de manhã, à tarde e à noite, por isto ou por aquilo.

Ocupa toda a cena mediática e rivaliza com Deus: é omnipresente e omnisciente, ou seja, está em toda parte e sabe tudo sobre tudo.

E mesmo quando elogia o Governo causa algum embaraço na esquerda – pois transmite uma ideia de ‘paternalismo’ que coloca o Governo numa posição subalterna, de dependência.  

Assim, Costa acha que não pode ficar atrás de Marcelo.

E, ou aparece ao seu lado, parecendo às vezes ‘o emplastro’, ou se desdobra em iniciativas para não deixar de aparecer.

Mas a faceta onde António Costa mais se revela é na relação com Bruxelas.

Aí, ele é ao mesmo tempo líder da oposição e chefe do Governo.

Cá dentro, usa Bruxelas como ‘inimigo externo’ para espicaçar o nacionalismo dos portugueses e piscar o olho ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista.

Embora noutro estilo, Costa fala de Bruxelas como Alberto João Jardim falava de Lisboa – apresentando a Comissão Europeia como um ‘poder colonial’ apostado em prejudicar os portugueses. 

Sempre que se diz que a Comissão Europeia vai obrigar o Governo português a apresentar medidas adicionais, António Costa vocifera em Lisboa: «Não haverá nenhum Plano B!».

Em Bruxelas, porém, Costa demarca-se da extrema-esquerda, mostrando-se empenhado em cumprir as metas europeias. 

António Costa veste um fato para se encontrar com Jerónimo e Catarina Martins – e outro para dialogar com os eurocratas.

Esta duplicidade durará enquanto os números o permitirem.

Depois, terá de escolher entre uns e outros. 

E, aí, Catarina Martins – que já se desiludiu com François Hollande e Alexis Tsipras – terá a sua terceira desilusão. 

Tsipras, quando teve de optar, cedeu a Bruxelas e rompeu com Varoufakis.

Por que haverá António Costa de ser diferente? 

P.S. – A propósito das sanções, há muita areia no ar a atrapalhar a visão. A questão parece-me relativamente simples: legalmente, as sanções têm que ver com o défice de 2015 (nem poderia ser de outro modo); mas, substancialmente, são um aviso a este Governo. É como se a Comissão Europeia dissesse: ‘Se vocês não cumprirem, estão tramados’.