Se José António Saraiva fosse meu diretor

Se José António Saraiva fosse diretor deste jornal, eu teria ido ao seu gabinete com o livro nas mãos e informado que, para mim, a vida pessoal dos políticos é isso mesmo: pessoal.

Meu caro João Lemos Esteves,

Venho por este meio perguntar-lhe: não tem vergonha?

Farto-me de rir com os seus títulos, acho-o um tipo de trato cordial e tem uma análise política, vá, criativa.

Eu não escrevo sobre José António Saraiva porque não conheço José António Saraiva e porque é o homem que fundou o projeto jornalístico com o qual colaboro. A liberdade que José António Saraiva tem de escrever os livros que quiser – e arcar com as consequências legais e profissionais disso mesmo – é a mesma liberdade que eu espero para escrever o que quiser, e arcar com as consequências disso mesmo.

Se José António Saraiva fosse diretor deste jornal, eu, como membro desta redação, poderia acreditar que revelar conversas privadas com políticos – que são fontes do nosso trabalho – não seria a melhor estratégia ou opção. Se José António Saraiva fosse diretor deste jornal, eu teria ido direitinho ao seu gabinete com o dito livro nas mãos e informado que, para mim, a vida pessoal dos políticos é isso mesmo: pessoal. Que nós, sociedade, só temos alguma coisa a ver com isso se o político como nosso representante surgir publicamente acompanhado pelo cônjuge. Que não se usa o filho morto de alguém para expor a vida privada do filho vivo. Que não se utiliza jornalismo para atacar a família de figuras públicas.

Como colunista, tenho apenas a dizer que é grave se Passos Coelho – protocolar e institucionalista – vá mesmo apresentar uma obra sobre alegados segredos de alguém que liderou um governo com ele. Não há honra nenhuma em manter a presença se, ainda por cima, nem sabia do seu conteúdo ao aceitar o convite. Honra seria assumir que errou e voltar atrás. 

O João, pelos vistos, discorda. E tem todo o direito a fazê-lo. E eu tenho todo o direito a responder-lhe pela repulsa que tive em ler o que o João escreveu neste jornal. O João afirma que “diplomatas estrangeiros e técnicos do FMI leem regularmente as crónicas de José António Saraiva” e que deseja que ele “seja eterno”. Afirme à vontade. É irrelevante para o resto do mundo a inundação em graxa a que o João se sujeita.

O que não é irrelevante é o João defender que José António Saraiva “relata apenas uma conversa tida com o irmão” de Paulo Portas porque, meu caro, Miguel Portas faleceu e não está cá para confirmar ou desmentir a afirmação, logo o suposto relato ganha presunção de veracidade. De outro modo, teria sido escrito para quê?

Continua o João: “dizer, toda a gente diz o que lhe aprouver; ser efetivamente, é outra coisa bem diferente”. Pois, de facto, dizer toda a gente diz o que lhe aprouver, por isso é que um livro sobre o que as pessoas dizem não devia fazer apreciações sobre o que as pessoas são. Mas ainda bem que concordamos, pelo menos, que o que se diz é “bem diferente” do que aquilo que uma pessoa possa “ser efetivamente”. E ainda bem que concordamos que a vida privada “de Paulo Portas é com Paulo Portas”; estranho é o João concluir isso depois de escrever uma crónica em que manda palpites concretamente sobre esse assunto.

Acerca desta sua defesa de José António Saraiva, o João poderá responder-me que “não se morde a mão que nos dá de comer”, mas, meu caro, também não era preciso lambê-la com tamanho empenho.

 

Cumprimentos,