Suicídio em direto

Na terça-feira, André Ventura fez exatamente o contrário do que era racional e lógico: encostou Montenegro à parede. Quis vergá-lo, obrigá-lo a negociar. Ora, essa atitude só poderia ter o resultado que teve: fechar a porta a qualquer entendimento futuro.

Tencionava dedicar este artigo ao novo Governo, mas os acontecimentos de terça-feira no Parlamento obrigaram-me a mudar de planos. O Governo fica para a semana.
 Em texto anterior, escrevi que André Ventura tinha no próximo ano e meio a sua prova dos nove: ou se afirmava definitivamente como uma solução de poder, ou se descredibilizava.
 Ora, bastou um dia para isso ficar esclarecido.

Na primeira sessão da nova Assembleia da República, qual era o interesse de André Ventura?

Era apresentar-se com uma postura responsável, razoável, construtiva, desmentindo aqueles que o acusavam de ser um político arruaceiro e pouco ou nada confiável, apenas interessado na chicana e no bota-abaixo.

Era mostrar que o seu partido podia constituir um parceiro credível para uma futura plataforma de Governo.

Na última terça-feira, porém, Ventura fez tudo exatamente ao contrário: o Chega comportou-se como um elefante na sala, boicotando um ato politicamente tão inócuo como a eleição de um presidente da Assembleia da República – e confirmando tudo o que os seus detratores diziam dele.

Ventura alegou que o PSD estava a tentar ‘espezinhar’ o Chega, sendo obrigado a reagir.

Ora, ele estava farto de saber que, a partir do momento em que Luís Montenegro disse «não é não», não podia voltar com a palavra atrás.

Concordando-se ou não com aquela afirmação (e eu levantei muitas dúvidas), ela foi feita e Montenegro não podia dar o dito por não dito.

Era, pois, um dado do problema – e Ventura tinha de agir em função dele.

Se queria um entendimento com o PSD, não podia tentar encurralar Montenegro, encostá-lo à parede, criando uma situação que acabaria forçosamente em rutura.

Ora, na terça-feira, o que fez André Ventura?

Tentou vergar Montenegro e obrigá-lo a negociar pessoalmente.
 Quis mostrar que tinha a faca e o queijo na mão – e que o PSD não tinha outra saída senão ceder.

Essa atitude só poderia ter o resultado que teve: estragar a relação entre os dois partidos e fechar a porta a qualquer entendimento futuro.

Ficou claro que PSD e Chega nunca se irão entender.

O diálogo entre eles ficou comprometido para sempre.

Pode dizer-se que o PSD também teve uma responsabilidade na situação, pois só devia ter avançado com a candidatura de Aguiar-Branco depois de ter falado com todos os grupos parlamentares e de ter a eleição garantida.

É verdade.

O PSD foi inábil.

Mas cabia ao Chega ser adulto, mostrar o tal lado responsável, assobiar para o ar e viabilizar a eleição.

Ninguém o criticaria por isso, antes pelo contrário.

André Ventura não necessitava de fazer o papel de radical: já conquistou à sua direita os votos que tinha para conquistar, agora precisava de ganhar apoios à sua esquerda, entre os moderados.

Mas não: fez-se de duro; ou melhor, fez uma birra.

Dizem alguns que isso agradou aos seus apoiantes.

Acredito que tenha agradado aos indefetíveis, aos que querem confusões, conflitos, instabilidade; mas tenho a certeza que não agradou ao milhão de eleitores que votaram nele.

Ventura traiu as esperanças de muitos daqueles que pensavam existir no Parlamento uma maioria de direita.

Ficou claro que não há.

Posto entre um candidato do PSD e outro do PS, o Chega absteve-se.

Podendo sair por cima, votando no candidato vencedor e dando um sinal de que a esquerda está em clara minoria no Parlamento e no país, fez o contrário – saiu por baixo.

E no discurso final disse o impensável: repetiu o que o líder do PS tinha dito, afirmando que o PSD não poderá contar com ele para muleta do Governo.

Quer isso dizer que este Governo tem os dias contados.
 Com a esquerda numa atitude hostil, e o diálogo à direita cortado, não terá condições para governar.

O milhão de votos que Ventura teve em 10 de Março subiu-lhe à cabeça – e acha que pode fazer tudo o que lhe der na real gana.

Julgo que está redondamente enganado.

Ventura teve a oportunidade de surgir como um político construtivo, responsável, capaz de construir consensos – e confirmou a sua natureza de homem brigão e pouco confiável.

A realidade política mudou, mas ele manteve a mesma atitude. E agora não há meio de voltar atrás: não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. 

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt