A conteceu uma coisa extraordinária esta semana: a nossa direita e parte da nossa esquerda descobriu que Mariana Mortágua é, para além de ser militante e alta dirigente do Bloco de Esquerda, defende o programa do partido! Apesar do PCP continuar a ver o Bloco – como faz esta semana nas teses ao congresso – como um partido que «cultiva uma agenda e um posicionamento assentes num verbalismo que não altera o seu carácter social-democratizante» não é verdade que assim seja. O Bloco de Esquerda não é social-democrata. Pode não usar os conhecidos slogans do PCP com a mesma insistência mas é contra o capitalismo.
Como este é um país pequeno e divertido, o mundo esteve para acabar porque Mariana Mortágua fez uma declaração contra o capitalismo. É verdade que o PS não costumava convidar para as suas reuniões e ‘rentrées’ dirigentes do Bloco de Esquerda a expressar o seu pensamento. O efeito ‘geringonça’ teve destas coisas: o Bloco de Esquerda passou a ser convidado de casa dos socialistas. Para os socialistas que continuam de olhos postos no comício da Alameda Afonso Henriques, isto é o equivalente a um choque de placas tectónicas.
Mas qual foi o pecado de Mariana na rentrée do PS? Um desafio, se calhar, até um bocado social-democratizante, como diria o PCP. Mortágua desafiou o PS a encontrar alternativas ao capitalismo, uma coisa que todos os partidos sociais-democratas costumavam ter no seu programa. A social-democracia é, em si, uma ideia alternativa ao capitalismo. Ou foi, no passado, antes dos partidos socialistas e sociais-democratas se terem convertido à doutrina liberal, como é visível na União Europeia dos dias de hoje. Todas as declarações sobre a possível mudança da União Europeia conduziram, até hoje, a que tudo ficasse na mesma. Vigora, na realidade, a política do partido único.
Então o que disse Mariana? «Cabe ao PS pensar sobre o que representa o capitalismo e até onde está disposto a ir para constituir uma alternativa global ao sistema capitalista». A frase, vá lá, só surpreende quem vive noutro planeta.
É suposto que os socialistas estejam todos contentes com o capitalismo existente? No programa do Bloco, a alternativa ao capitalismo sempre esteve. Era estranho que Mariana Mortágua fosse a uma festa do PS congratular-se com os sapos que tem que engolir ao apoiar um Governo empenhado em cumprir o défice imposto por Bruxelas (o que ontem se revelou estar a correr bem) com todos os problemas de austeridade associados. Logo, a ser cúmplice, tal como o PCP, com aquela política de partido único que tanto condenam.
A notícia não é Mariana Mortágua ser do Bloco de Esquerda. A notícia tem um ano e é o Bloco de Esquerda apoiar uma solução de governo que “cumpre escrupulosamente os compromissos europeus”. O generalizado espanto pelo Bloco ser contra o capitalismo dá um espectáculo de puro divertimento.
Diretora-executiva adjunta