Afinal, o que quer José sócrates?

Sócrates apresenta hoje o seu livro no Porto. A ideia é manter a chama acesa para um eventual regresso. Mas só depois de o processo na justiça estar resolvido. É, pelo menos, o que acham os socialistas que continuam ao lado do ex-primeiro-ministro.  

Afinal, o que quer José sócrates?

José Sócrates apresenta hoje, no Porto, o livro O Dom Profano – considerações sobre o carisma. A iniciativa é só mais uma das muitas aparições públicas do ex-primeiro-ministro, que continua com uma agenda preenchida, inclusive com a participação em iniciativas promovidas pelo PS que têm gerado controvérsia dentro do partido. É impossível não olhar para o frenesim em que anda o ex-primeiro-ministro sem colocar uma pergunta: Sócrates quer regressar à política? 

A reposta não é simples, mas José Junqueiro, um dos socialistas que continua a conviver com o ex-líder do PS, está convencido que «ele nunca equacionou um regresso». Para o ex-governante, Sócrates «faz um exercício ativo da cidadania» e «está a fazer a atividade normal de qualquer cidadão. Neste momento é um pensador e um cidadão que reflete sobre as coisas que acontecem no país. Não vejo mais do que isso». O ex-deputado socialista sublinha ao SOL que «nenhum gesto dele deu a entender a intenção de um regresso à política partidária». 

José Sócrates está incompatibilizado com a direção do PS, mas tem um contacto permanente com alguns socialistas. «Está cheio de energia”, garante um ex-dirigente, que mantém um contacto regular com o ex-líder socialista. Daí a regressar à política vai um passo de gigante. «Ele é um homem é inteligente. Não é tolo. Sabe que tem um problema para resolver», garante ao SOL um ex-membro dos governos de José Sócrates. 

O problema para resolver é o caso judicial em que está envolvido. Faz esta semana dois anos que foi detido no aeroporto de Lisboa, quando regressava de Paris, por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Sócrates tem alimentado a teoria da cabala e relaciona a sua detenção com o objetivo de o liquidar politicamente. «A intenção era retirar-me do espaço público, calar-me como voz pública e impedir-me – porque era o que pensavam – que me candidatasse a Presidente da República», disse o ex-líder do PS, numa iniciativa promovida pelo PS de Vila Nova de Famalicão, há cerca de um mês. 

Manter a chama acesa até ao desfecho do processo

O périplo de Sócrates pelo país não vai parar. O objectivo, garante um socialista, é «manter a chama acesa» até ao desfecho do processo em que está envolvido. «É evidente que o desfecho do processo é que vai condicionar o seu futuro na vida política activa. Ele não quer é perder a voz», diz este socialista. Se «as coisas correrem bem e ficar tudo em águas de bacalhau ele é um homem livre e pode regressar», conclui. 

Certo é que Sócrates nunca fechou a porta a um eventual regresso e faz questão de convidar para os eventos que organiza figuras de primeira linha do Partido Socialista. Na apresentação do livro sobre o carisma, em Lisboa, estiveram Sérgio Sousa Pinto – um dos socialistas mais críticos da estratégia desenhada por António Costa e que foi apresentar a obra -, mas também membros deste governo como Capoulas Santos, ministro da Agricultura, e Marcos Perestrello, secretário de Estado da Defesa e líder da Federação de Lisboa do PS. Na primeira fila não passou despercebida a presença dos ex-ministros socialistas António Vitorino, Maria de Belém, Pedro Silva Pereira e Mário Lino.

«Uma parte do PS está com ele», diz António Campos

Não é inocentemente que Sócrates reúne gente com peso no PS. A ideia é provar que não está sozinho, apesar do distanciamento da direcção do PS que desde cedo separou as águas e nunca alinhou na teoria da cabala. «As relação com Costa continuam tensas. Ninguém da direção do PS tem liberdade para se aproximar», diz um socialista próximo de Sócrates. Mas, acrescenta, «ele não está sozinho». 

Muitos socialistas distanciaram-se de Sócrates à medida que foram sendo conhecidos os pormenores do processo judicial. O convite feito pelo Departamento Federativo das Mulheres Socialistas de Lisboa da FAUL criou mal-estar no PS. Ana Gomes deu voz aos que pensam que a imagem do ex-líder é «extremamente danosa para o PS e para o país, e tem de ser o PS o primeiro a reconhecê-lo e não o contrário». Sócrates não deixou sem resposta os que o querem ver longe do partido: «devem ter estado distraídos, porque participei em imensos eventos do PS por todo o país nos últimos dois anos».

«É um tipo que não desiste. Não tem traumas»

O ex-primeiro-ministro recusa afastar-se da ribalta. «É um tipo que não desiste. Não tem traumas, nem feitio, para desistir», diz ao SOL António Campos, que desde o início do processo esteve ao lado de Sócrates. O histórico socialista está mesmo convencido de que Sócrates pode sair mais forte quando vir o processo resolvido. «Ele pode sair como um perseguido. Isso só lhe dá força. Se a acusação for trinta e um de boca isso só lhe dá força». Para o histórico socialista, Sócrates «já ganhou uma parte da batalha», porque «ao fim de dois anos ainda não conseguiram fazer nenhuma acusação com credibilidade, a não ser o julgamento público». 

Campos garante que «há uma parte do PS que não aceita esta situação». José Junqueiro também realça que «são muitos os militantes do PS que vão à apresentação dos seus livros. Socialistas que estão no Governo. Outros que não estão. Gente que não é do PS». 

A presença de Sócrates em eventos do PS motivou uma tomada de posição pública dos ex-deputados e ex-dirigentes Henrique Neto, Joaquim Ventura Leite e Rómulo Machado. Estes socialistas pediram o afastamento de Sócrates de iniciativas do partido até ao desfecho do caso judicial. Ao SOL, Henrique Neto, que integrou a Comissão Política nos tempos de António Guterres, lamenta que esse «afastamento» nunca tenha acontecido, porque «o PS e a sua direção não desconhecem que isso é prejudicial ao partido, mas mesmo assim continuam a ter essa atitude». Para o militante socialista «isto só revela que muitos dos dirigentes atuais do PS estão comprometidos com o José Sócrates e não apenas com ele, mas também com a própria ligação a esses interesses promíscuos entre a política e os negócios.»

PS dividido sobre comportamento de Sócrates

Certo é que Sócrates continua a gerar polémica dentro do PS e o que se sabe sobre o comportamento do ex-primeiro-ministro gera diversas opiniões. A deputada socialista Isabel Moreira, em entrevista ao SOL, reconheceu que, «evidentemente que as coisas que José Sócrates já admitiu são eticamente condenáveis. Teve um comportamento que, para mim, é eticamente condenável do ponto de vista daquilo que deve ser a conduta de um primeiro-ministro. Fosse José Sócrates ou outro primeiro-ministro qualquer». 

A constitucionalista respondia à pergunta sobre se não acha condenável que o ex-primeiro-ministro tenha recebido dinheiro de um construtor civil e foi criticada por socialistas como João Paulo Pedrosa ou Renato Sampaio por ter assumido esta posição. «Nunca entrei em nenhum lugar que não fosse por eleição e vontade dos militantes da minha distrital e não nas quotas do secretário-geral. A covardia da insídia é que é um comportamento eticamente condenável», escreveu o deputado e ex-líder da Federação do PS do Porto, Renato Sampaio. Confrontada com a mesma questão, Edite Estrela defendeu, em entrevista ao i, em maio, que «pedir dinheiro emprestado com intenção de pagar não é crime e não é condenável».

Longe vão os tempos em que Sócrates era uma figura consensual dentro do partido, apesar do próprio garantir que não conseguiram afastá-lo do «coração dos socialistas». Ao mesmo tempo que prometeu só abandonar a política «quando quiser e não quando outros pretenderem uma espécie de ostracismo cívico». Como diz António Campos, «a política é um vicio e quando se apanha não se perde». Basta saber se Sócrates tem condições para regressar ao lugar em que já foi feliz.