Marcelo é igual a Soares

Sem a ‘troika’ não tínhamos ‘geringonça’. A violência da presença externa no país foi de tal ordem que motivou uma resposta igualmente extrema. Não é normal um país endividar-se ao ponto da falência, não é normal um país ter os credores dentro de portas, não é normal ter estrangeiros a ordenar mudanças, por mais justas…

O ajustamento – ou a troika – são tão anormais como um cancro num corpo aparentemente saudável. Ninguém está à espera, ninguém o deseja, causa sofrimento e fatalmente acarreta consequências.  

Entre nós, abriu portas ao entendimento das esquerdas, que era dado como impossível. O PS era um partido moderado, central, europeísta e pró-Nato. O PCP e o BE eram radicais, anti-Europa e anti-Nato.

Este entendimento das esquerdas só foi possível pelo caldo de cultura criado pela presença da troika. Mas já que aconteceu, temos de lhe dar o valor que tem e o valor é o de uma revolução copérnica: o Sol não anda à volta da Terra, é a Terra que anda em volta do Sol. 

A Terra, embora pareça plana e imóvel, é redonda e move-se. O que significa que aqueles 20% de eleitores que o PCP e o BE valiam – e só lhes serviam para serem uma espécie de ‘grilo falante’, de boa consciência do regime – passaram a estar disponíveis para governar, para indicar administradores para empresas públicas, juízes para o Tribunal Constitucional. E não é para governar em tempo de vacas gordas: é para governar a fazer austeridade, cortes e cativações, na saúde e na educação. 

Causa choque, pavor e espanto e muita gente nos partidos, especialmente no PSD e CDS, tem dificuldade em adaptar-se aos novos tempos, ao novo posicionamento, ao novo universo. Temos de convir que é compreensível. Uma pessoa deita-se a pensar que está no centro do universo e levanta-se a dar conta da sua pequenez.

Acresce a isto o papel de Marcelo Rebelo de Sousa. Este Presidente da República está a fazer o mandato que Soares fez. Entra no eleitorado à direita e à esquerda, é popular entre elites e povo, ungido pelos media, bem-visto pela cultura, pelos patrões e sindicatos, solto, afável, carismático, versátil, brincalhão. 

‘Fixe’ como Soares foi, Marcelo Rebelo de Sousa ocupa o palco todo com António Costa, numa reedição do duelo Soares-Cavaco. Lembram-se da negra vida que tiveram os secretários gerais do PS nos mandatos presidenciais de Soares? Ninguém conseguia fazer-lhe frente, menos ainda ultrapassá-lo em mediatismo e popularidade.

Passos Coelho tem o caminho das pedras adiante. Tem tido alguns passos em falso, como o do anúncio da chegada do diabo em setembro e ter-se fiado demasiado na convicção de que este Governo ia falhar. Porém, as dificuldades de Passos Coelho são as dificuldades de qualquer futuro líder do PSD. O sistema político português mudou completamente e o Presidente da República quer o palco só para si nos próximos nove anos. 

No PSD, dar um ‘chega para lá’ a Passos Coelho vai ser difícil; mas dar um ‘chega para lá’ a Marcelo vai ser ainda mais difícil.