Moçambique tenso à espera de Marcelo

O aparato policial montado na véspera pelo Governo, que mobilizou blindados e equipou a capital moçambicana com uma “presença policial musculada”, terá levado à desmobilização de uma “manifestação pacífica” convocada de forma não oficial através das redes sociais online e de mensagens telefónicas.

Moçambique tenso à espera de Marcelo

A cidade de Maputo acordou ontem com uma acalmia que levou o jornal O País a descrever um “cenário diferente do habitual, para uma sexta-feira sem feriado ou tolerância de ponto”. O mesmo jornal explica que os cidadãos “temiam que se repetisse o cenário tenebroso que marcou manifestações passadas”, mas outros meios explicavam a inexistência do protesto com o adiamento da jornada. “É hora de dizer basta! Vamos paralisar o país! Vamos parar durante uma semana inteira”, lê-se num cartaz partilhado online que propõe as datas de 3 a 7 de maio – coincidentes com a visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao país – para uma jornada de protesto contra a dívida, os assassínios e a corrupção.

O primeiro ponto refere-se à descoberta de mais de dois mil milhões de dólares em dívidas contraídas por empresas estatais ocultadas pelo Governo aos parceiros internacionais. Dívida que “devia ter sido partilhada em tempo útil”, como repetiu na quinta-feira o primeiro-ministro Carlos Agostinho do Rosário.

 Como não foi, o país viu o FMI suspender a entrega de uma tranche do empréstimo no valor de 155 milhões de dólares, medida acompanhada dias depois pelo Banco Mundial e pelo Governo britânico, que a justificou com uma “quebra de confiança séria”.

Mas o chefe do Governo também se referiu às manifestações, reforçando a posição anunciada dias antes pela polícia de que não serão tolerados quaisquer protestos não autorizados. E face às convocatórias anónimas que surgem nas redes sociais, Carlos Agostinho do Rosário diz tratarem-se de manobras de diversão do principal partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), cujo braço armado está em conflito com o exército do país desde que o partido se recusou a reconhecer a derrota eleitoral de 2014.

Descoberta vala comum

Fenómeno que pode estar relacionado com uma descoberta macabra anunciada durante a tarde de quinta-feira. Um grupo de camponeses uma vala comum com cerca de 120 corpos na zona 76, posto administrativo de Canda, no interior da Gorongosa, região onde alegadamente o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, se refugiou no início do ano.

Os cadáveres, alguns já em alto estado de decomposição, foram encontrados numa zona onde estava a ser extraída areia para a reabilitação de uma estrada nacional. O local fica próximo de uma mina ilegal de extração de ouro, pouco frequentada devido à escalada de violência na região.

Um dos camponeses que descobriram os corpos disse à agência Lusa que “a vala tem cerca de 120 corpos, uns já em ossadas e outros ainda em decomposição”, acrescentando ainda a suspeita de terem sido descarregados recentemente no local uma vez que havia marcas de manobras de viaturas. Outra testemunha afirmou à Lusa não haver “vestígios militares visíveis”, embora se veicule a hipótese de o caso estar relacionado com a tensão atual que se vive naquela região, com as forças do governo e a ala militar da Renamo a trocarem acusações sobre assassínios e raptos ocorridos na região ao longo dos últimos meses.

Há cerca de duas semanas a Renamo denunciou a morte de 14 membros, dizendo que estes foram executados pelo exército desde o início de 2016. Além das vítimas, o partido denunciou o desaparecimento de outras dezenas de pessoas, incluindo os guarda-costas de Afonso Dhlakama.