Energia nuclear é solução para França. E em Portugal?

França produz e vende eletricidade à Alemanha a partir de centrais nucleares. Bruxelas e Lisboa apostam nas energias renováveis, mas Espanha mantém centrais na fronteira. É ou não válido apostar no nuclear? Pedro Sampaio Nunes e João Manso Neto trocam argumentos.


“Não há alternativa à energia nuclear”

PEDRO SAMPAIO NUNES

Consultor e ex-secretário de Estado da Ciência

A opção nuclear tem de estar na agenda, independentemente da posição de Macron. Não há alternativa à energia nuclear, se quisermos atingir uma descarbonização limpa. Porquê? Porque as renováveis (que eu defendo e que na minha vida profissional terei sido das pessoas que mais contribuiu para o seu desenvolvimento pelas posições que ocupei) têm duas características que são fatais: intermitência e falta de densidade energética. Ora, a energia nuclear resolve essa situação. A pegada das renováveis (devido à sua falta de densidade energética e a pegada ecológica de materiais que necessita de minerar e que são uma brutalidade) e a situação de intermitência (que obriga a grandes investimentos em redes e armazenamento e em tecnologias que ainda não existem) levam a que o impacto ambiental seja desastroso. Para podermos atingir a política europeia, copiando a falhada energia verde alemã de apostar tudo nas renováveis, isso obriga o país a ser coberto não só de painéis, de eólicas, mas, sobretudo, de redes de transmissão e de transporte para poder levar o recurso ao consumo, o consumo à armazenagem, a armazenagem ao consumo. Isso é dramático do ponto de vista ambiental. Não é sustentável, não é possível, não resolve os problemas e precisa sempre de backup térmico. A energia nuclear resolve isso de uma forma perfeita.

O Japão foi, de facto, um acidente que arrefeceu o renascimento nuclear que estava em curso. Por exemplo, a Itália tinha um programa de atingir 25% da sua eletricidade com o nuclear e congelou; só agora foi outra vez reaberto. O parlamento italiano votou recentemente para voltarem a discutir essa opção. Fukushima matou (não está provado) uma pessoa por radiação, um dos funcionários que apanhou uma dose superior de radiação. Não houve mais nenhuma vítima mortal por radiação. Mas houve milhares de mortos devido ao tremor de terra e ao tsunami.

O risco da radiação é um risco que hoje está muito mais conhecido e é menor. Não há energia mais segura do que a energia nuclear. Se nós fizermos um historial estatístico, esse assunto está muito estudado por uma instituição das Nações Unidas (UNscear, que é a comissão científica para o estudo das radiações atómicas), não há energia mais segura do que a nuclear, considerando Chernobyl e Fukushima. Isso em nada afeta. Fukushima é a prova que nós ,em Portugal, não temos de ter qualquer receio de um acidente por razões sísmicas. O tremor de terra de Fukushima foi dez vezes superior em intensidade ao tremor de terra de 1755 em Lisboa. E, mesmo assim, dos 15 reatores que existiam na zona afetada, só três tiveram avarias e nenhuma foi estrutural. Ao nível da segurança, hoje, esse problema não se coloca.


“Tem de se apostar mais em renovável descentralizada”

JOÃO MANSO NETO

Presidente da Greenvolt

Não estou aqui como representante do não ao nuclear, mas como representante do sim às renováveis, reconhecendo o potencial que têm e os limites que têm. Para mim, é óbvio (e acho que todos concordamos) que as renováveis têm um papel crescente na matriz energética, por várias razões. São ambientalmente favoráveis do ponto de vista de CO2 porque contribuem para a independência energética e por uma razão muito óbvia (de que nos esquecemos muitas vezes): é que são mais baratas. Hoje, o custo da energia renovável é o mais barato de todos, digamos o custo nivelado. Agora também temos a noção de que o país não se pode encher de renováveis, sobretudo de projetos gigantescos porque tem impactos ambientais, na biodiversidade, arqueológicos, históricos, de ruído. A Comissão Europeia diz claramente: porque é que não há mais renováveis, se é tão bom e mais barato? Porque há um problema sério que é o das autorizações. Uma parte é burocracia, que pode ser minimizada. Outra parte é não só falta de rede como uma má utilização da rede, que é uma coisa de que não se fala muito. Isto é, tem de se falar menos em grandes projetos de renováveis e tem de se falar muito mais em renovável descentralizada. Este é um ponto que acho que vale a pena aprofundar.

Segundo aspeto, é claro, é preciso potência térmica. Agora, é o hidrogénio (de que se fala no futuro) que resulta da eletrólise? É a nuclear, sobretudo a de pequena dimensão, e aí tem de se ver o que Espanha vai fazer? É manter o gás mais uns tempos? Não tenho anátemas contra o nuclear. Agora, o nuclear deve ser posto como sugiro.

A nuclear é a única hipótese? Eu diria que não, mas acho que vale a pena ver. Não esqueçamos de outras coisas. Não esqueçamos as baterias que podem ser um factor mais rápido do que esperávamos. Não dão para armazenar um ano seco, não são para isso, mas tem um efeito mitigador. O hidrogénio, temos de acompanhar, temos de ver o que dá. E depois, se não descarbonizamos a 100%, descarbonizamos a 90% e utilizarmos aquilo que nós na Península temos, que é gás (centrais) com custos fixos totalmente afundados, podem trabalhar poucas horas mas aguentam. Portugal e Espanha, mesmo emitindo poucas horas, a maior parte do diagrama é por renováveis, ninguém morre por causa disso. Acho que não devemos excluir possibilidades.

Portugal assinou uma declaração conjunta com a Alemanha, Luxemburgo, Áustria e Dinamarca, a 11 de novembro de 2021, para excluir a energia nuclear do financiamento europeu e o então ministro do ambiente e ação climática, João Matos Fernandes, afirmou: “A energia nuclear não é segura, não é sustentável e custa muito dinheiro. O financiamento europeu deve direcionar-se para outras opções energéticas.”É assim?

PSN – É uma posição absolutamente ideológica, sem qualquer base científica. Aliás, a União Europeia depois contrariou essa posição, autorizando e rotulando de verde a energia nuclear, o que permite que haja financiamento. Nos próximos anos, nós vamos ver que não há alternativa ao nuclear. Na história da energia, a humanidade foi substituindo formas menos densas de energia por formas mais densas de energia. Por isso, nestes 40 anos, desde Three Mile Island, Chernobyl, Fukushima, ao forte lobby do carvão, ao forte lobby das energias ligadas ao petróleo e mais tarde também às renováveis, a questões de natureza geopolítica, ao forte lobby político na altura da União Soviética (que não queria que houvesse fornecimento de equipamentos nucleares nem independência nuclear do Ocidente), isto é um breve intervalo na história. A energia nuclear vai voltar como o sucedâneo normal da forma que a humanidade conseguiu encontrar para resolver as suas necessidades de energia com uma forma que é segura, é limpa e é competitiva.

Podemos falar das questões da competitividade. Eu não estou aqui contra as renováveis, sou um forte adepto das renováveis e, profissionalmente, estou envolvido somente em projetos renováveis. Só que nós temos de ter uma noção objetiva e científica das coisas. As renováveis só por si não são uma solução, levam-nos para um precipício. É muito fácil ver o que vai acontecer à Península Ibérica: é o que está a acontecer na Califórnia.

JMN – O Pedro está a radicalizar aquilo que ele, no fundo, não pensa, porque senão não seria um ilustre promotor das renováveis. Estamos todos de acordo que as renováveis são mais baratas, ambientalmente favoráveis, não vamos estar a discutir aquilo que não é para discutir. Mas eu sou o primeiro a reconhecer duas coisas: primeiro, os grandes projetos renováveis têm limitações fortes, são demasiado intrusivos. Portanto, a renovável descentralizada tem um papel gigantesco e basta ter os olhos abertos…

–António Vidigal, especialista e amigo de ambos, alertou para um estudo do operador do sistema francês (RTE) sobre o futuro energético em 2050 com seis cenários: um deles é 100% a energia renovável e outro até ao máximo de energia nuclear. Na sua opinião, pode haver um mix de nuclear e de renováveis?

JMN – As renováveis são o principal elemento de alteração da forma de produção. Segundo, e desculpe voltar atrás, além dos grandes projetos intrusivos, se utilizar o que já está humanizado para utilizar para renováveis, o potencial é enorme; basta ter os olhos abertos. Por exemplo, aterra em Lisboa ou em Madrid e veja o potencial de espaços que não são intrusivos e que poderiam ter renováveis em cima. Pensemos no conceito de comunidades de energia. As renováveis vão ter um peso enorme. Estamos de acordo. Agora, não têm firmeza. Portanto, como é que se vai dar a firmeza e a flexibilidade ao sistema? Quais são as soluções? A nuclear é uma? Eu, por princípio, não deito fora ideias, embora reconhecendo que a nuclear tem problemas de segurança, estatisticamente não tem, mas é muito difícil convencerem-me. Sobretudo as nucleares de menor dimensão, ver como funcionam, saber os preços e o custo.

“O Estado tem o maior património imobiliário de todos e não tem feito nada!”

PSN– Estou de acordo com muito daquilo que diz João Manso Neto. Renováveis, sim, mas com nuclear necessariamente porque não há outra alternativa. Estou envolvido na promoção das energias renováveis, mas estou muito preocupado com a sua sustentabilidade e a rentabilidade desses investimentos. Porquê? Nós estamos aqui metidos numa situação que as pessoas não têm bem a noção, uma situação muito crítica porque estamos numa ilha energética, em que Portugal e Espanha apostaram no mesmo mix energético (cavalgada das renováveis e diminuição da parte térmica) e não temos interligações com os nossos vizinhos. Neste momento, a interligação que temos é de cerca de 1,3 gigawatts com Marrocos e temos 2,6 com França. Em 2030, vamos ter no máximo 6,3.

Ora, nós estamos a prever instalar 115 gigawatts de eólica e de solar. E não há maiores investimentos, a não ser bombagem na hídrica. Isto é uma equação que não fecha. O consumo de ponta, aquilo que se consome no máximo entre os dois países, é 55 gigawatts. O consumo de vazio anda nos 20 gigawatts. Onde é que nós vamos meter, quando houver calor, quando houver sol, quando houver vento, onde é que nós vamos meter os 70 gigawatts que sobram? Vai para deslastre, vai-se perder.

Nós temos cada vez mais, na Península Ibérica, dias em que temos (nas horas de sol) o mercado a zero. Quem é que vai remunerar os investimentos que vão ser feitos? Esse mercado a zero deriva porque há excesso, a energia sobrante que não temos onde colocar. Isto é na parte económica. Na parte de segurança, com os 20 gigawatts que nós temos à noite, em noites calmas, de onde é que vem a eletricidade? Para haver uma matriz com tudo renovável, é absolutamente essencial que as interligações funcionem bem nos dois sentidos porque nós vamos ter de exportar muita eletricidade e vamos ter de importar muita eletricidade quando não há recurso.

– João Manso Neto tem defendido o autoconsumo e a geração distribuída de energia. De que forma essa pode ser uma solução para projetos de grande dimensão ou para outras opções?

JMN – São um complemento. Admitiria que, em 2030, 25% do consumo de eletricidade da Europa pudesse ser daí. Não é uma coisinha engraçada, sexy, não é; é estruturante. Portugal tem uma excelente legislação e uma má execução. Neste momento, podíamos estar muito à frente porque a legislação é boa, é avançada e fomos dos primeiros a transpor a directiva.

Para o país ganhar dinheiro, numa perspetiva win-win, devia ser muito mais agressivo nisto. Para começar, o Estado tem o maior património imobiliário de todos e não tem feito nada! Tudo o que tem sido feito é o setor privado. E bem. Poupa na fatura elétrica, nem precisa de financiamento, o setor privado não precisa de subsídios.

Agora passemos à questão térmica… Portugal tomou, no início do século, uma decisão sábia que foi não investir demasiado no solar, quando o preço do solar era 16 euros e tal por megawatt.

Temos de reconhecer o problema e acho que o país não está a reconhecer. Isto precisa mesmo de potência térmica? É preciso? Temos de começar a estudar alternativas e temos mesmos de fazê-lo sem anátemas. Vejo, além do nuclear (que, para mim, se calhar, não é o mais favorável), que é de manter o gás, há o hidrogénio, as baterias e depois descentralizar para ter mais renováveis.

“Com o PSOE no governo, as centrais nucleares vão acabar”

Há uma central aqui o lado em Espanha, no Tejo. Isso não o preocupa?

JMN – Isso é uma variável importante. Com o PSOE no governo, as nucleares vão acabar. Com o PP no governo, volta o nuclear ou, pelo menos, mantêm o nuclear. Não fecha e aí, se calhar, a reflexão é diferente. Eu reconheço que é preciso potência térmica. Agora, qual é a melhor? É a nuclear? Vamos ver. É flexível? Não parece. Mas vamos ver, sobretudo as pequenas. No programa eleitoral francês dos últimos 10 anos, o Hollande chegou lá, ganhou as eleições e isto, em 2030, passa para 50%. É um disparate! Mas depois o Macron chega lá e diz: não é em 2030, é em 2035 passa para 50%, no primeiro mandato. No segundo mandato, já diz que temos de estudar. O que eu acho que temos de estudar é se nós conseguimos descarbonizar completamente só com renováveis? Sim ou não? Se calhar não.

Então, onde é que vamos buscar a potência térmica? Vamos contar com o que os espanhóis fizerem para jogar com a interligação? É uma opção. Vamos manter mais uns anos as centrais a gás? Vamos ver o que dá, como evolui. Primeiro, vamos reconhecer o problema. Segundo, acompanhar as várias soluções, o nuclear também, mas também o hidrogénio, ou se vamos apostar mais na flexibilidade da procura. Este é o meu ponto de vista. Não coloco o nuclear versus renováveis. Renováveis, sim. Nuclear, não. Mas, não diria não a nada sem estudar. Sobretudo quando parece que se está a caminhar para uma nova geração de nuclear, diria, mais adequada.

“Estamos a querer copiar a Alemanha e vamos espetar-nos!”

A política energética em Portugal, nos últimos anos, merece-lhe uma nota positiva? Sim ou não?
PSN – Totalmente negativa porque atua de uma forma ideológica em que excluiu uma opção que a maioria dos países está a considerar. Isso faz com que nós não tenhamos, neste momento, todas as possibilidades de poder encarar as opções e seguir os melhores exemplos como a Suécia, a Finlândia e a Coreia do Sul que conjugam renováveis com nuclear e têm os melhores desempenhos em termos de competitividade de preços, ambiental e segurança de abastecimento. Nós estamos a querer copiar a Alemanha, esse desastre que foi a energie-verte. É evidente que vamos espetar-nos! Como lia há pouco tempo, num artigo do The Telegraph, esta política é a política de se atirar de um avião sem paraquedas e esperar que, enquanto há descida, venham fabricar e entregar o paraquedas que são as baterias, o armazenamento, as soluções que não existem… mas estamos a investir na construção de cada vez mais renováveis, que têm estes problemas intrínsecos. Nós temos de olhar para a Califórnia que resolveu fazer esta política antes de nós e está a encontrar agora esses problemas. Investiram, entre 2015 e 2023, 123% mais no solar e investiram 36.000% mais em baterias. Como resultado, têm 1700% mais de energia perdida. Isto, em termos económicos, é um desastre.

JMN – Gostaria só de referir a questão da política económica dos governos. Nem tudo funciona, mas há coisas positivas. O leilão solar foi inteligente. O facto de Portugal ter sido um dos primeiros países a transpor a legislação sobre descentralizar foram medidas bem tomadas; agora há que executar. Estes tipos de questões que são menos sexy, digamos assim, é preciso encontrar um complemento para as renováveis, no meu ponto de vista, este deve ser o grande título desta conversa. Temos de estudar isto, reconhecer que há um problema e temos de estudar todas as alternativas para o mesmo.