Rangel Logistics aposta em África e no México

Rangel fatura 250 milhões de euros, em nove mercados, e usa 390 mil m2 de área logística para servir 23 mil clientes. Nuno Rangel revela a estratégia de crescimento internacional do grupo de logística e transportes.

A Rangel foi criada em 1980, pelo seu pai, e expandiu-se sob sua liderança. Que etapas destacaria na história deste negócio?
O mais interessante é contar sobre os primeiros anos. O meu pai abriu o nosso primeiro negócio em 1980, como despachante aduaneiro, e ele tinha a convicção de que seria despachante aduaneiro para o resto da vida. E houve um momento em que só tivemos esse negócio, de 1980 a 1988.

Isto só avançou para o que somos hoje porque enfrentámos uma dificuldade quando Portugal entrou na União Europeia e 70% dos nossos despachos eram com a União Europeia. Ou seja, 70% do nosso negócio (circulação de mercadorias) iria desparecer e tínhamos de fazer alguma coisa. Aí, o nosso segundo negócio foi o do transitário terrestre. Sem fronteiras na Europa, as exportações e importações de Portugal para a Europa, por transporte terrestre, iriam aumentar. Foi algo lógico, não há aqui nenhuma ciência.

A segunda empresa nasceu em 1988, oferecendo ao mercado o transporte terrestre rodoviário para toda a Europa e de toda a Europa para Portugal. Esse foi o grande passo. A partir daí, a cada dois ou três anos, fomos criando negócios dentro de Portugal e um grande portfólio de produtos e serviços que oferecemos ao mercado em Portugal.


Mais tarde, a partir de 2007, tivemos a primeira experiência internacional e por aí fomos avançando até aos dias de hoje.

NUNO RANGEL

CEO Rangel Lugistics

E decidiram começar por Angola, onde o Nuno também esteve, logo no início dessa etapa. Foi para Luanda estudar o terreno da internacionalização?
Sim. Comecei a trabalhar com a Rangel a full time em 2004, fomos para Angola em 2005/06 para estudar o mercado e depois avançámos em 2007 com a operação.

Agora, a Rangel está em nove mercados como o México e vários países africanos. Que oportunidades têm encontrado nos mercados internacionais?
Uma empresa começa, normalmente, a internacionalização em duas vertentes: ou é uma internacionalização geográfica (ou seja, começa pelos países próximos, com uma posição geográfica próxima) ou é culturalmente próxima. Na altura, as exportações portuguesas estavam com muita força para Angola e achámos que o mercado mais interessante era Angola e foi por aí que começou.

Depois fizemos, de novo, o caminho da proximidade cultural. Em 2011, abrimos Moçambique; em 2013, abrimos o Brasil; em 2015, abrimos Cabo Verde. O passo seguinte é que foi mais desafiante: sair desta proximidade cultural para países onde as exportações portuguesas e importações desses países também é pouca ou com pouca relevância na ligação a Portugal.

Em 2020, decidimos ir para o México e para a África do Sul, por dois motivos diferentes. O México é uma economia com muito potencial na América Latina e a África do Sul, ao estarmos posicionados em Angola e Moçambique, já tínhamos alguns clientes e já fazíamos transportes da África do Sul para Angola e Moçambique; então, resolvemos que aquele passaria a ser o nosso eixo principal da nossa expansão para África.

Depois de abrirmos na África do Sul, começámos a ter muito sucesso com transportes da África do Sul para a Zâmbia, onde resolvemos abrir em 2021. Em 2022, pelo seu potencial económico, decidimos abrir também na Tanzânia.

Isso obriga a alterar e crescer na vossa estrutura de gestão. Tem diretores por mercado ou por área ou unidade de negócio?
Sim, em Portugal, pelas várias linhas de negócio, temos um diretor para cada uma das áreas. Lá fora, conforme a dimensão dos mercados, temos um diretor para o país ou em alguns casos, como é o caso de Angola, até podemos ter dois diretores; ou seja, um para cada área de negócio quando já chega a uma certa dimensão.

Mais do que um transportador, quer ser ou já é um player internacional na logística?
Temos sempre essa questão do que é ser um player internacional, mas já estamos nalguns mercados com alguma presença. A verdade é que nós hoje somos um grupo multifacetado que oferece diversos tipos de serviços dentro da área de transporte e logística para todo o mundo e de todo o mundo para os países onde estamos presentes.

Para esta nova dimensão, ajudou a parceria de anos com a FEDex?
A FEDex é um parceiro numa área de negócio. Nós estamos no transporte expresso internacional e tivemos a oportunidade de um acordo com eles para Angola, Moçambique, Cabo Verde e, recentemente, ganhámos também a Tanzânia. Em Portugal, nessa mesma área de negócio do transporte expresso, aí temos uma empresa em conjunto com os Correos de Espanha.

Em Portugal, a Rangel funciona também dentro das próprias empresas como, por exemplo, a AutoEuropa. Qual é a vantagem dessa estratégia?
Nós temos várias linhas de negócio: a área do transporte aéreo e marítimo internacional; a área aduaneira; a área do transporte rodoviário internacional; e a logística contratual. Dentro da logística contratual, temos três grandes áreas: uma é a logística farmacêutica; outra é uma logística convencional, onde nós armazenamos em espaços nas nossas plataformas multiclientes e depois fazemos toda a preparação logística e a distribuição; e depois temos a área industrial. Aí gerimos operações logísticas dentro de indústrias como a AutoEuropa, Tabaqueira, SuperBock ou a Bosch. Temos operações dedicadas exclusivas para essas indústrias.

Quase 9 milhões de envios, 250 milhões de receita e área logística cada vez maior. Qual o número de que mais se orgulha, sob sua liderança?
Os números são sempre uma forma de nos medirmos e orgulhamo-nos desses números. Hoje temos uma gestão de quase 400 mil metros quadrados de armazéns e os números de que falou de faturação e de envios são importantes. Temos ainda uma presença (market share) muito forte em Portugal e esperamos que, no futuro, possamos ter ainda maior presença internacional, fazendo crescer nos países onde estamos e abrir em novos países.

Estamos numa unidade da Rangel, no Montijo, dedicada à área farmacêutica que foi muito importante no período da pandemia de covid-19 (que a Organização Mundial de Saúde diz ter acabado). Isso foi um desafio enorme, mas também uma boa oportunidade de negócio?
Eu não diria que foi assim tão boa oportunidade de negócio porque, na realidade, todos sofremos e é preciso ter essa consciência. Na operação farmacêutica, houve dois momentos. Um foi o primeiro mês da covid e esta plataforma trabalhou como nunca porque nós expedimos daqui, por exemplo, muitas unidades de paracetamol.

Muita gente foi às farmácias e, daqueles medicamentos que eram tomados de forma recorrente, as pessoas decidiram fazer stock em casa. Por isso, no primeiro mês, isto teve um movimento muito grande. Tivemos um trabalho super difícil porque tivemos de separar as equipas em cores e segregar muito bem as equipas porque, se tivéssemos aqui um foco de covid, podíamos ter de abrandar ou até parar a operação e isso causaria um impacto enorme. Esta é uma plataforma que, no ano passado, já expediu quase 150 milhões de medicamentos, ou seja, teria um impacto muito forte, tivemos muito cuidado e isso custou-nos muito para trabalhar nesse período inicial.

Depois, nos meses seguintes, e porque as pessoas compraram muito no primeiro mês, houve uma redução; houve menos medicamentos a saírem daqui nos meses seguintes e as pessoas foram menos ao médico. Logo, houve menos receita de medicamentos e nós tivemos menos volume. Portanto, houve dois momentos. Depois, claro, mais à frente, tivemos a distribuição da vacina – não foi pelo negócio em si, mas mais pela visibilidade. Foi muito importante estarmos nessa missão.

Já vimos, logo de manhã, uma carrinha vossa a transportar medicamentos, sempre com cuidados redobrados de armazenagem em frio. Isso é vital para o negócio com a indústria farmacêutica?
É essencial. São critérios muito rigorosos e negociados. Isto é um negócio que só começámos em 2009 e hoje tem grande dimensão. Temos vindo a fazer um trabalho bem feito e isso tem muito a ver com o rigor das operações, um nível de serviço muito elevado e depois toda a transparência dos nossos sistemas de informação, em que o cliente consegue ter uma visibilidade, a todo o tempo, de tudo o que fazemos.

Estamos junto a um equipamento inovador, junto ao entreposto frigorífico. Durante a pandemia, que mais-valia de inovação trouxe?
Este é um sistema de inovação que criámos porque nós antes fazíamos uma distribuição do frio (câmara de frio de 2 a 8 graus centígrados) em caixas, a que chamamos uma solução passiva. Essas caixas não eram reutilizáveis e, além do custo, tinham um impacto ambiental forte. Estivemos a estudar uma solução fácil para criar, em vez de um sistema passivo, um sistema ativo como é o caso do ekooler. Ou seja, são equipamentos que mantêm a temperatura de 2 a 8 graus e que vão dentro das viaturas de distribuição e já não precisamos das caixas passivas.

Para simplificar, é um frigorífico ambulante para medicamentos?
É um frigorífico ambulante, com características de segurança e de controlo de temperatura. Sabemos, a todo o tempo, a temperatura que está aqui dentro, online, a cada minuto. Na realidade, isto veio também trazer não só uma eficiência operacional e de custos como, e mais importante, uma eficiência ambiental muito grande. Para ter uma ideia, no consumo que nós tínhamos de CO2 na solução anterior, hoje um ano do sistema anterior representa seis anos do novo sistema, o que significa uma poupança de CO2 bastante grande. Acabou por ser uma solução perfeita.

À minha maneira

↑ Nuno Rangel, 44 anos, divide-se entre Porto, Póvoa de Santa Iria, Montijo, África, México e feiras e reuniões por todo o mundo

Quem é o Nuno Rangel, ao nível pessoal ou familiar e no estilo de liderança?
Tenho 44 anos de idade, nasci no Porto, sou casado, tenho duas filhas. Em termos de liderança, dou muita importância às pessoas e, neste caso, à escolha das pessoas. Ou seja, é um dos trabalhos principais que faço: conhecer muito bem as pessoas, não só as internas como externas do mercado, para poder identificar quando surgem as oportunidades quem seria a pessoa ideal para gerir essa oportunidade.

Quanto mais crescemos e mais pessoas temos, isto cada vez é mais importante. Envolvo-me muito, não só em relação às pessoas que reportam a mim diretamente, mas escolhendo pessoas para as nossas equipas. Já identifiquei pessoas que estavam disponíveis naquele momento e eu não tinha um projeto específico para lhes dar, mas disse-lhes “vem porque o projeto vai aparecer” porque a pessoa tem qualidades.

Sou muito de ouvir, muito mais de ouvir do que falar. Para quem não me conhece muito bem, às vezes até fica surpreendido porque eu estou nas reuniões mais para ouvir do que para falar porque sei o peso que as palavras de um CEO têm. Se dou a minha opinião logo muito no início, posso estar a influenciar e condicionar as pessoas e isso não me interessa. O que eu quero é que as pessoas me digam o que acham e depois poder tomar a melhor decisão. No fim, posso ser eu a ter de tomar a decisão, mas eu quero que vocês me digam o que sentem para eu poder tomar a melhor decisão. Essas decisões são certas e outras vezes não. Naquele momento, com a informação toda que tínhamos, fomos capazes de tomar a melhor decisão.

Sim, conseguimos

Sabemos que nem tudo são rosas nos negócios. Quais foram os maiores desafios que enfrentou? A pandemia e provar que é capaz na sucessão familiar?
Obviamente, há sempre desafios e dificuldades. A questão da sucessão não a senti como uma dificuldade, mas como um desafio que teria de ser ultrapassável.

A sucessão nas empresas familiares é algo que me diz muito e eu gostava de, no futuro, poder contribuir com a minha experiência para ajudar outras pessoas a fazerem sucessões familiares com sucesso. A nossa geração já passou por várias crises e eu já era executivo quando foi a crise de 2008 e depois a de 2011 que foi bastante forte em Portugal. Depois vivi outras como a de Angola em 2015 e, mais recentemente, a da covid. As que estão mais próximas são aquelas que nós mais sentimos.

Nós, seres humanos, temos a capacidade de nos regenerarmos, de esquecermos rapidamente os momentos difíceis, mas, obviamente, ainda está muito na minha memória uma crise em que estivemos muito sozinhos, muito fechados… Ter de decidir assuntos importantes ao telefone ou ao computador, sem estar presente com as pessoas, acho que essa parte foi mais difícil.

Portugal 2043: “Desejo um aumento forte das exportações”

Que ideia tem para o país, como cidadão, nos próximos 20 anos?
Nós somos uma pequeníssima parte da influência da equação para poder tornar o nosso país melhor. Eu queria estar num país mais moderno e com muito mais desenvolvimento económico e social. Temos de desenvolver mais as nossas empresas e as nossas empresas têm de apostar muito mais nas exportações, têm de se tornar empresas maiores e, se possível, empresas globais.

O caminho que temos feito no turismo tem dado efeitos e espero que continue a dar para Portugal continuar a ter um peso importante na área do turismo. Mas também gostaria muito que tivéssemos um aumento forte das exportações. Temos vindo a dar passos interessantes, mas as exportações representam cerca de 50% do PIB e, comparando isso com alguns outros países, ainda não estamos lá. Se daqui a 20 anos, no mínimo, tivéssemos 75% das exportações com peso no PIB, seria já um caminho interessante.

Há temas essenciais que vamos ter de resolver nos próximos 20 anos como a questão do envelhecimento da nossa população. Temos de ser capazes de reter os jovens que cá temos dentro, ser capazes de tentar que os portugueses que saíram possam um dia voltar e, ao mesmo tempo, temos de gerir muito bem a imigração porque vamos precisar dessas pessoas mais jovens, caso contrário vamos ter muita dificuldade com as pensões, com a saúde. Precisamos de mais gente ativa a trabalhar para sustentar toda a população portuguesa que está a envelhecer.

Por último, tocar na parte da educação. Temos capacidade de ter boas escolas, boas universidades, pois formamos muito boas pessoas, em todas as áreas, como engenheiros, arquitetos, as nossas universidades formam bem as pessoas. Vemos isso porque muitas dessas pessoas estão a emigrar para outros países, essencialmente na Europa, e também muitas multinacionais vêm para aqui criar centros de serviços e usar recursos humanos portugueses porque veem neles qualidade. Mas, para isso, é preciso continuar a investir na educação e nos professores. A educação é chave em qualquer país. Se nós tivermos muito melhor educação, teremos certamente um país muito melhor.

Dentro de 20 anos, como gostaria que estivesse o seu setor?
O nosso setor está num momento de viragem e vai ter mudanças muito fortes, perante tendências que não há forma de parar. Uma delas é a sustentabilidade, a energia mais verde. O transporte, nomeadamente o rodoviário, tem hoje um impacto enorme no efeito-estufa e isso vai ter de ser resolvido. Vamos ter de recorrer a fontes de energia mais sustentáveis para podermos gerir os transportes nacionais e internacionais rodoviários. Vai haver muito mais automação e robotização e com mais tecnologias. A logística vai ser muito mais digital, com introdução da inteligência artificial e machine learning. Vamos ter muitos processos que vão estar completamente diferentes, mas isso vai obrigar-nos a mudanças em termos de recursos humanos. Teremos de requalificar e de qualificar os nossos recursos humanos porque, para alguns deles, as tarefas que fazem hoje não vão ser necessárias. Acredito que há aqui um processo grande de mudança no nosso setor.

E qual o maior desafio para a sua empresa?
Nós, hoje, competimos em Portugal (muitas vezes, chamam-nos local hero) com as maiores multinacionais do mundo, empresas gigantes que estão em muitos países, a maior parte delas de origem americana, alemã e agora asiática. A nossa missão é competir com essas empresas, não só em Portugal como noutros países, como é o nosso caso. Isso claramente é um desafio: adaptarmo-nos a todas estas realidades de mudanças no setor e podermos crescer, quem sabe podermos tornar-nos uma empresa internacional e mais global do que somos hoje.