Finanças Públicas para o Desenvolvimento e Crescimento

O “consenso orçamental” permite a verdadeira escolha: que tipo de Estado queremos?

Desde 2000 que a discussão económica em Portugal tem estado demasiado centrada nos temas do défice orçamental e da dívida pública, e menos, como devia, no crescimento económico, na reforma do Estado e na eficiência da despesa pública. As Finanças Públicas são apenas um instrumento das políticas públicas. Contas públicas equilibradas do ponto de vista estrutural e uma dívida pública baixa é uma condição necessária, mas não suficiente, para um desenvolvimento económico e social sustentável.

O equilíbrio estrutural das contas públicas significa que, em períodos de expansão económica, a política orçamental deve ser orientada para superavits orçamentais nominais (aproveitando o efeito do ciclo económico nos estabilizadores automáticos – aumento da receita fiscal e redução do desemprego). Em períodos de recessão, a margem orçamental deve ser usada (novamente) numa política orçamental contra-cíclica (com estímulos orçamentais e deixando os estabilizadores automáticos funcionarem). Para isso, é preciso que, em períodos de crescimento económico, a divida pública se reduza (e tenha um valor baixo em percentagem do PIB), para que depois, em períodos de recessão, haja margem na dívida pública para acomodar uma política orçamental expansionista (contra-cíclica).

Basta pensar no choque da Covid-19. Portugal foi um dos países que menos estímulos orçamentais usou no apoio às famílias e às empresas. E muito do que o país gastou foi financiado pela União Europeia. Sem o apoio Europeu, o esforço orçamental de Portugal teria sido próximo de zero. E porquê? Portugal entrou na crise da Covid com uma dívida pública em torno dos 120% do PIB, a terceira mais elevada da zona Euro. Esse valor muito elevado de dívida pública significou uma restrição orçamental ativa que impediu um maior apoio público às famílias e empresas no período da pandemia.

Assim, é fundamental fazer a Reforma da Administração Financeira do Estado, por forma a criar regras para uma Política Orçamental que siga esta orientação. Mas, sobretudo, dotar o Estado de uma gestão financeira, patrimonial e de Recursos Humanos moderna, tornando a despesa pública mais eficiente. Tenho defendido, desde há muito tempo, a necessidade de se criar um “consenso orçamental” por forma a garantir que as Finanças Públicas deixem de ser o principal tema de discussão e de preocupação.

Para além da dívida pública e da Política Orçamental contra-cíclica, o “consenso orçamental” impacta também na equidade intergeracional. Ao acumular défices e dívida pública, o que estamos a fazer é a deixar mais impostos e encargos para as gerações futuras (ou eventualmente para a nossa própria geração) pagarem mais à frente. Ora, com um saldo orçamental equilibrado, a despesa teria de ser toda financiada com recursos gerados no presente, e não com recursos a serem gerados no futuro. Só um “consenso orçamental”, que defenda Finanças Públicas equilibradas, permite fazer a verdadeira escolha que se impõe numa democracia: que tipo de Estado queremos?

O “consenso orçamental” não é um debate monolítico sobre Economia e sobre as funções do Estado. Pelo contrário, é exatamente esse consenso que nos permite fazer escolhas enquanto sociedade. Se a maioria da sociedade portuguesa optar por um modelo de mais Estado, muito bem, teremos então de ter uma carga fiscal mais elevada. O que não podemos é querer ter a despesa e deixar parte dela para as próximas gerações pagarem (até porque as grandes obras públicas, cuja utilização dura décadas, estão em grande medida feitas). Se, pelo contrário, a maioria da sociedade desejar impostos mais baixos, teremos de adequar a despesa pública a essa decisão.

A escolha de modelo de Estado não invalida (quer do lado de quem defende um Estado mais interventivo e com maior peso da despesa pública, quer do lado de quem defende menos despesa) que se procure que o Estado, nas suas funções e na prestação de serviços aos cidadãos, seja o mais eficiente possível. É necessário mudar o paradigma. Esta mudança e reforma deve servir para proteger e melhorar o nosso Estado Social. É condição inequívoca que nenhum português, por motivos de ordem económica, pode deixar de ter acesso aos cuidados de saúde, à educação e a uma existência digna. Adicionalmente, temos de manter os instrumentos de correção das desigualdades sociais.

Mas é também necessário que os organismos e entidades públicas sejam dotados de uma maior capacidade de gestão financeira, orçamental e patrimonial. A organização do setor público não depende da sua dimensão e atuação. As decisões políticas sobre os bens e serviços aos quais o Estado garante acesso, ou sobre quais as falhas de mercado a regular, estão numa esfera diferente das decisões relativas ao modelo de governo das entidades encarregadas do fornecimento desses bens e serviços ou das tarefas de regulação.

Creio que é possível que no Terreiro do Paço seja desenvolvida uma política que, dando prioridade à consolidação orçamental estrutural e à redução da dívida pública, contribua para uma maior competitividade da economia e um crescimento económico mais sustentável e robusto.

Um Ministro das Finanças pode ser “amigo” do desenvolvimento através das seguintes políticas (e com o estatuto de normalmente ser o nº2 do Governo, o que não acontece neste Executivo): uma reforma do Estado e uma melhoria substancial da eficiência da despesa pública, com maior transparência orçamental; um sistema fiscal competitivo, moderno, simples, estável e com baixa tributação de trabalho e empresas; um programa de investimento público que crie valor acrescentado e potencie a competitividade da economia Portuguesa; uma reestruturação das empresas pública e do parque imobiliário do Estado.

No Terreiro do Paço tem de haver uma política de consolidação orçamental estrutural. Essa consolidação estrutural passa por reformar os serviços públicos e contribuir com políticas públicas para aumentar a competitividade da economia e o seu potencial de crescimento.