Bial aposta na inovação e quer crescer nos EUA

Farmacêutica Bial tem produtos em mais de 50 países e um volume de negócios de 319 milhões de euros, em 2022. António Portela revela os ‘truques’ do sucesso, os desafios enfrentados e os próximos passos na internacionalização.

Quais são, atualmente, os fatores críticos de sucesso da Bial?
AP – Ninguém que trabalhe aqui tem dúvida de que a aposta na investigação e desenvolvimento e depois na internacionalização foi o que nos levou àquilo que somos hoje, com dois medicamentos próprios. Não teríamos dado o salto que demos como companhia, quer em termos de faturação, quer em termos de presença internacional. Continuaríamos, provavelmente, a exportar para alguns países e principal negócio continuaria por Portugal, mas não tínhamos conseguido transformar a empresa numa empresa capaz de desenvolver medicamentos inovadores (nomeadamente, na área das neurociências que é onde nós temos tido mais êxito) e, a partir daí, termos presença própria (ou através de parceiros) nos grandes mercados internacionais como a Europa, os Estados Unidos, o Japão, a China e a Coreia.

Na fasquia alta da internacionalização e dos mercados exigentes onde estão presentes, é já estudado que foi determinante a vossa aposta nas patentes e na inovação em medicamentos inovadores. Quando se apresenta nos mercados internacionais ou junto de universidades, qual é o seu pitch sobre a diferenciação da Bial?
AP – A nossa aposta pela investigação e desenvolvimento de novos medicamentos é uma aposta por medicamentos que sejam diferenciadores e patenteáveis, que tragam uma mais-valia para as pessoas, quer para os profissionais de saúde que os vão utilizar, quer para as pessoas. Ao seguirmos o caminho de criar uma equipa de investigação e desenvolvimento que foi capaz de desenvolver o Zebinix para a epilepsia e o Ongentys para a doença de Parkinson, isso permitiu-nos ter dois medicamentos que têm mais valor acrescentado sobre aquilo que já existia no mercado mundial. A partir daí, estamos preparados para concorrer nos grandes mercados como o europeu, o americano e asiático, com um produto que é único, que é nosso e que está patenteado.

A indústria farmacêutica mundial é altamente competitiva. A Bial sente-se bem ou ainda é olhada com algum estigma por ser portuguesa?
AP – Temos várias perspetivas. Aqui em Portugal, quando olham para nós, olham como uma grande empresa, com uma faturação muito significativa, com um nível de investimento em investigação e desenvolvimento – os últimos dados apontam-nos como a empresa que mais investiu em investigação e desenvolvimento em Portugal: 81 milhões de euros – e, portanto, somos vistos como uma empresa muitíssimo grande.

Quando nos comparamos lá fora, com as empresas com quem nós competimos, nós somos uma pequena e média empresa. As empresas com quem nós competimos, em vez de faturarem 300 milhões, faturam mil milhões ou dois ou três ou quatro mil milhões e é este o grupo das médias empresas. Quando uma média empresa fatura quatro mil milhões, uma empresa que fatura 300 e tal, o que é que vale?

Em relação à capacidade de investimento em investigação e desenvolvimento, por mais que nós estiquemos (e, às vezes, temos esticado até acima de 20% da nossa faturação), não conseguimos competir com uma empresa que fatura mil ou dois mil milhões porque tem uma capacidade maior do que nós temos, mesmo que só invista 15%. Jogamos num campeonato muitíssimo duro, de muitos recursos, e nós temos poucos recursos para competir com essas empresas.

Temos de procurar ser muito eficazes naquilo que fazemos, muito focados, ou seja, não nos podemos andar a dispersar por três ou mais coisas diferentes. E quando fazemos, sermos realmente bons no que fazemos. Eu digo, muitas vezes, isto à nossa equipa: somos poucos e, por isso, temos de ser muito bons. Não podemos ter pessoas medianas. Temos de ter gente muito boa, com muita qualidade, porque esse é um fator de competitividade enorme quando nós estamos a procurar desenvolver tecnologia de ponta num campeonato que tem muitíssimos mais recursos do que nós e que, portanto, poderão falhar mais vezes do que nós.


É por isso que a Bial é das empresas em Portugal que mais aposta em altas qualificações?
AP – Em Portugal, devemos ser das principais empresas (com a nossa dimensão) que tenha o nosso nível de qualificações. Hoje, somos cerca de 850 e mais de 80% das nossas pessoas têm o ensino superior (licenciados) e 9% são doutorados. Temos quase 80 doutorados na empresa, não haverá muitas empresas em Portugal com este número de qualificações. Esta foi uma política que o meu pai seguiu desde há muitos, muitos anos e que nos incutiu sempre em nós todos, dizendo: “Às vezes, não interessa o que pagamos a uma pessoa; o que interessa é o valor que ela traz ao projeto, à organização ou àquilo que está a fazer”.

Aquilo que nós temos procurado fazer é ter pessoas que trazem competências e mais-valias para a organização porque já vêm formadas ou doutoradas ou porque fazem-no enquanto cá estão.

O António representa uma nova geração e herda um legado muito importante do seu pai (Luís Portela). Sente responsabilidade acrescida? Onde é quer chegar? Ou onde gostaria de chegar?
AP
– Não me sinto com responsabilidade acrescida. Os momentos são sempre diferentes. Quando eu penso no início, penso no que ouço o meu pai contar: como é que ele começou, as condições em que começou, no pós-25 de abril, a empresa em más condições, sem investigação e desenvolvimento, sem projetos, num mercado muito nacional… Ele deve ter tido um início muito mais difícil do que aquele que eu tive. Portanto, os momentos são sempre diferentes e é difícil comparar aquele em que nós estamos com os dos outros. Nós vivemos o nosso momento.

Tem sido um caminho em sequência. O meu pai iniciou o caminho, com três eixos que ainda hoje seguimos – qualidade, inovação e internacionalização – e que temos feito crescer. Conseguimos ganhar a aposta da inovação, ter projetos inovadores. A grande questão agora é, por um lado, ter sucesso internacional com esses projetos ou crescer mais internacionalmente, e, por outro lado, ter uma máquina oleada que seja capaz de trazer produtos com cada vez mais valor para os pacientes.

Estejam onde estiverem os pacientes, em qualquer parte do mundo?
AP – Estejam onde estiverem. Como é que nós conseguimos trazer ainda mais valor, hoje que já temos outro nível de competências e de valências na investigação e desenvolvimento? Como é que trazemos ainda mais valor para os doentes? Como é que nós passamos de tratamentos sintomáticos para alterar o curso da doença, para curas? Como é que fazemos esta transição ao trazer muito mais valor para os doentes?

Este é o grande desafio que temos hoje: continuar a crescer internacionalmente e que isso permita financiar este desenvolvimento, subindo o nível de risco (obviamente, um risco controlado) porque nós, quando estamos a ir para terapêuticas mais difíceis e a procurar curas, estamos também a jogar num campeonato bem mais difícil do que o campeonato do tratamento sintomático.

Pela experiência internacional (sua e da família e dos vossos colaboradores), há algum mercado ou país-bandeira a destacar? Por exemplo, o Japão é um mercado muito exigente.
AP – Há e temos alguns marcos internos que ou já conseguimos ou que queremos conseguir. O nosso primeiro grande desafio foi Espanha porque foi o primeiro grande mercado em termos internacionais e custou-nos muitíssimo a construir. Os primeiros oito anos foram de muito sofrimento, muita aprendizagem. Outro dia estava a dar uma aula numa business school e dizia isso mesmo: nós tendemos a contar as coisas boas, os casos de sucesso, mas o que não contamos muitas vezes é que, para termos esses casos de sucesso, batemos com a cabeça na parede, caímos não sei quantas vezes e temos de nos levantar e voltamos a cair e levantamo-nos novamente. Espanha representou para nós o primeiro grande passo em termos de internacionalização e aprendemos muito com Espanha.

Os Estados Unidos, pela dimensão, é um mercado que sempre nos atraiu muito, onde nós hoje estamos presentes através de dois parceiros, mas que temos a ambição de um dia estar também como Bial. Demos um primeiro passo há três anos, comprando uma biotech em Boston (investigação e desenvolvimento apenas), mas é um primeiro passo calculado para termos acesso ao mercado, para estarmos mais perto das escolas médicas e dos grupos de investigação que estão mais avançados em termos de algumas terapêuticas que nós queremos trabalhar.

O mercado japonês foi um marco também importante por ser tudo tão diferente daquilo que nós fazemos e com uma extrema dependência do nosso parceiro. Porque nós não percebemos a língua, não percebemos a parte regulamentar, não temos capacidade, não dominamos nada disso. O nível de confiança com o nosso parceiro é muito grande. Temos contratos assinados, mas isso serve até certo ponto. Tem de haver um nível de confiança muito grande com o parceiro quando operamos num mercado onde aquilo que nós percebemos é relativamente pouco. Felizmente, as coisas têm corrido muito bem e temos tido êxito no mercado japonês.

Além de Espanha, a Europa é o mercado natural?
AP
– Sim, foi o mercado natural para nós. Curiosamente, depois de Espanha, tínhamos a ideia de começar por mercados mais pequenos, mas, depois de perceber o que tínhamos feito em Espanha e o potencial que os mercados grandes têm, acabámos por inverter a nossa estratégia e apostar nos mercados grandes.

A seguir a Espanha, os mercados onde entrámos foram Alemanha, Inglaterra, Itália, França, Suíça e Áustria. Também estamos a ir a alguns mais pequenos, mas a nossa grande aposta tem sido nos grandes mercados. Todos difíceis, mas uns mais difíceis do que outros.

A nossa entrada na Alemanha, dos mercados europeus, foi talvez aquela onde eu mais senti (e voltando à sua questão anterior de como éramos vistos): “uma empresa portuguesa farmacêutica de inovação? Como?” Temos de provar mais. Não encaixa bem no estereótipo que existe sobre Portugal. Tem, por isso, dado mais trabalho construir a nossa marca e aquilo que nós temos nesses mercados, nomeadamente o alemão.

Essa capacidade de risco faz parte da cultura da empresa? Estou a olhar para um mural com várias palavras que são decerto muito importantes para si… que palavra escolheria?
AP
– Assim de repente, uma é paixão porque nada disto se fez sem haver um drive, uma paixão por construir, por ir e chegar mais além; e a outra é curiosidade. Quando passo nos nossos laboratórios e falo com os nossos cientistas, nós para termos uma molécula no mercado sintetizamos 10 a 15 mil moléculas. Isto é, o nível de resiliência, de curiosidade, de persistência da nossa equipa tem de ser absolutamente extraordinário para começarem, baterem e andarem, quando a maior parte daquilo que fazemos vai para o lixo. Até lá chegarmos, tem de haver muita paixão por aquilo que se faz, mas tem de haver também um nível de curiosidade muito grande para conseguirmos chegar a algum sítio

À minha maneira

AP – O António é casado, tem três filhos, 48 anos. Adora nadar, adora água. Quanto ao meu estilo de liderança (é sempre difícil definirmo-nos a nós próprios; é mais fácil os outros definirem-nos), procuro ser muito inclusivo na forma de liderar a equipa, colaboração, inspirar as pessoas a chegar mais longe, a desafiar os “nãos”, o “não consigo”, o “não somos capazes” e o “não dá”. Sou aparentemente tranquilo, mas acho que tenho um nível de energia cá dentro bastante grande.

Qual é o produto que o faz correr ou faz acordar com um sorriso e dizer “vou trabalhar hoje de manhã porque vou fazer algo mais”?
AP – Aquilo que nós fazemos tem um impacto extraordinário na vida das pessoas. Não deixamos de ser um negócio que tem de ser rentável e gerar resultados, mas chegar ao fim do ano e vermos a quantidade de vidas que nós impactamos (estamos a falar de milhões de pessoas que tomam os nossos medicamentos), isso é o que nos anima. Temos casos extraordinários de médicos, pacientes, cuidadores, que partilham connosco o que os nossos medicamentos fizeram por eles. E isso são coisas que nos fazem levantar e nos fazem correr.

Por último, o respeito por quem cá passou, por quem montou e criou a Bial, seja o meu bisavô, o meu avô, o meu pai e os milhares de pessoas que passaram por aqui e criaram o que nós somos hoje. Hoje, somos 850, mas já passaram milhares de pessoas ao longo destes quase 100 anos existência e que deixaram muito de si aqui e, por isso, nós somos aquilo que somos hoje. Há muitas razões para vir de manhã.

Sim, conseguimos

Qual a maior adversidade que enfrentou e como é que superou?
AP
– A entrada da troika em Portugal foi muitíssimo dura para a Bial. Estávamos a fazer investimentos grandes em termos de investigação e desenvolvimento e tivemos os nossos preços cortados em 30%. Trinta por cento da nossa margem desapareceu de um dia para o outro, o que levou a termos de tomar medidas drásticas para mantermos a organização a funcionar sem beliscarmos os nossos projetos de investigação – que eram esses que nos iriam dar o salto. O risco que corremos nessa altura foi muito elevado, mas conseguimos gerir.

Tivemos a morte de um voluntário saudável num ensaio clínico em França, há uns anos, e foi um momento muito delicado de gerir. E talvez a covid. Diria que estes três momentos foram os mais duros. Na covid, tivemos de pensar como é que fazemos, como é que gerimos, pois precisávamos de continuar a funcionar, manter as pessoas seguras, tendo sempre 120 pessoas na empresa. Que saibamos, nos primeiros nove meses, não tivemos um único caso de transmissão interna. As pessoas deram tudo de si na empresa e fizeram a organização responder; os nossos medicamentos nunca faltaram no mercado.

Portugal 2043: “Temos de fazer um esforço e dar o salto”

Enquanto cidadão, como gostaria de ver o país dentro de 20 anos, sendo o Estado-nação mais antigo da Europa com fronteiras definidas?
AP
– É uma pergunta difícil de responder. O nosso chairman António Horta Osório disse que Portugal é um país que não tem ambição suficiente. Eu olho para Portugal e temos um país absolutamente fantástico, um povo fantástico na sua forma de ser, acolhedora, tranquila, que não se mete em conflitos, com uma postura muitíssimo equilibrada face a outros povos, mas acho que nos falta um nível de ambição bastante maior.

Se não formos capazes de pormos mais ambição naquilo que fazemos, de querermos que as nossas empresas sejam maiores – ou, como já ouvi o António Rios de Amorim dizer, que as nossas pequenas empresas queiram ser médias, que as médias queiram ser grandes e as grandes queiram ser muito grandes, multinacionais; se não tivermos este nível de ambição, vamos estar mais ou menos na mesma, neste rame-rame, meio pobrezitos. Agora, se realmente pusermos ambição, com a qualidade que temos, diferente do que tínhamos há 20 anos, em que tínhamos um nível de educação muito baixo no país… Hoje estamos a formar uma geração absolutamente extraordinária. Às vezes, critica-se o facto de quererem ir lá para fora, mas isso não me faz tanta confusão. Se formos capazes de ter projetos e empresas capazes de atrair as pessoas a voltarem para cá, até é bom que vão, ganhem mundo e cresçam e depois possam voltar.
Para dar um exemplo, nos últimos três ou quatro anos, fomos buscar 15 portugueses lá fora, ou seja, portugueses que fizeram a sua formação aqui, saíram para fazer carreira, mas estavam disponíveis para voltar para cá. E voltam, se houver projeto e uma base salarial importante. Se formos capazes de ter esse nível de ambição coletiva, aproveitar algumas das características que temos, mas também construir, trabalhar e não estar sempre demasiado dependentes de fundos… temos de explorar, ir lá fora, construir o nosso caminho nos outros países (e temos hoje mais gente preparada para fazer isso), só depende de ter essa ambição.

As competências já as temos vindo a adquirir; está muito mais no nosso sentimento coletivo aquilo que queremos ser ou não. Se queremos continuar a ser um povo simpático, acolhedor, mas que vive de baixos salários porque também não trabalha muito para ter mais do que isso; ou se estamos dispostos a fazer um esforço e a dar o salto. Olhamos para outros países e vemos que deram esses saltos qualitativos porque se aplicaram e porque aplicaram o seu esforço em novas tecnologias, novos produtos, novos serviços que sejam vendáveis à escala global.

E como vê a empresa dentro de 20 anos?
AP
– Gostava muito que continuássemos a ser capazes de investir em investigação e desenvolvimento, a trazer medicamentos ainda mais inovadores. O que custou muito foi criar a nossa equipa de investigação e desenvolvimento. Hoje, temos uma equipa com muita competência. Temos 25 nacionalidades, gente que veio de muitos sítios e que está disposta a juntar-se a este grupo para continuar. Temos de ter alguma sorte pelo caminho, mas, se fizermos as coisas com empenho, paixão, dedicação, competência (como temos feito até hoje), vamos continuar a inovar, trazer medicamentos que façam a diferença na vida das pessoas. Talvez façam ainda mais diferença do que aqueles que fazem hoje.