Maltratar quem pode trazer a solução

O principal problema da habitação é a reduzida oferta de novas casas no mercado. Portugal precisa de investidores.

Há muito que os economistas sabem que a existência de instituições robustas que protejam os direitos de propriedade são um determinante importante do crescimento de longo prazo. Pelo menos, desde o famoso “o desenvolvimento do mundo ocidental “de Douglass North, inicialmente publicado há 50 anos.

Simplificadamente, a principal razão prende-se com a provisão dos incentivos adequados à acumulação de capital físico e de capital humano. Por outro lado, o bom funcionamento dos mercados, mormente os financeiros, é essencial a uma correta afetação do capital disponível na economia, que ajudará ao robustecimento do crescimento por via da redução do atrito produzido pelos custos de transação e reduzirá o potencial de ganhos de arbitragem inerentes à existência de assimetria de informação, por via da sua mitigação. Estes princípios são verdadeiros para o conjunto da economia e para os vários setores que a constituem.

Acontece, porém, que sempre os direitos de propriedade são devidamente respeitados e o seu papel no desenvolvimento tende a ser ignorado. Portugal é caso paradigmático, nomeadamente no que respeita aos direitos de propriedade de agentes nacionais. Depois de décadas de condicionamento do mercado de arrendamento, Portugal voltou a impor restrições à liberdade de transação neste mercado, primeiro ao mudar a regra de ajustamento anual de preços, estabelecendo 2% como aumento para 2023, quando o aumento do mecanismo legal de correção era mais do dobro desse valor, e, com o pacote habitação, estende essa restrição para o futuro, para boa parte dos contratos de arrendamento habitacional.

Num país com carência de oferta de arrendamento (e de nova construção para venda) determina-se que são os senhorios a financiar os inquilinos, expropriando parte da remuneração expectável dos primeiros, partindo de dois pressupostos errados: que cabe aos primeiros substituir-se ao Estado na solução dos problemas dos inquilinos mais pobres e, pior, que os inquilinos têm todos incapacidade em cumprir o que a lei estipulava. Sejam estes abastados, ricos, institucionais ou até os maiores grupos económicos do país.

Acresce ainda que, querer congelar as rendas futuras, mesmo quando estamos a falar de contratos antigos e há muito desfasados da realidade do mercado, é uma forma supletiva de expropriação. Ou seja, ao resolver o problema dos inquilinos mais pobres com uma regra que largamente extravasa o seu universo, por via de expropriação generalizada, não só se despende mais que o necessário para a resolução do propósito original, como se beneficiam muitos agentes que não precisavam e agrava-se um problema estrutural.

Que Portugal tem um grave problema de acesso à habitação e que devem existir políticas públicas para o efeito é uma verdade incontestável. Só que essas políticas devem ser dirigidas para resolver as causas daquele e não tornar ainda mais ineficaz o contributo do mercado de arrendamento para a resolução do problema mais geral. Até porque o principal problema é um problema de oferta de novas casas no mercado (não confundir com casas novas) e é aí que não se vislumbram novas medidas para além do compromisso compreensível e necessário de maior produção pública, promovida pelo governo ou pelas autarquias.

A nova oferta caiu desde 2013 para cerca de um quarto da média das décadas anteriores, o que não pode deixar de ter um contributo determinante na atual situação de escassez com a correspondente subida de preços, quer no mercado de aquisição de habitação quer no mercado de arrendamento.

Ultrapassar esta escassez implica, entre outras coisas, a criação de um ambiente que estimule os investidores privados, nacionais e estrangeiros, o que pressupõe o respeito pelos direitos de propriedade e a estabilidade do enquadramento legal. O oposto do que se tem feito. Suprimir ou condicionar segmentos da procura (nomeadamente externa) não será suficiente, dada a acumulação de procura não satisfeita nos últimos anos. Para tal, precisamos de investidores e estes só atuarão se estiverem confiantes de que não serão, também eles, alvo de alguma espécie de expropriação no futuro.

António Nogueira Leite
Economista e professor universitário