Em busca do nosso desígnio coletivo

Portugal enquanto entidade colectiva parece acomodado, desistido, mesmo anestesiado.

Fiquei impressionado com o ensaio/artigo de Abel Mateus num dos últimos Amanhã.pt. Nesse ensaio, Abel Mateus apresenta em quadros detalhados as evoluções comparativas para diversos períodos do crescimento médio do PIB potencial dos 27 Países da União a que acrescenta a evolução do nível de convergência.

Os números falam por si. E os resultados não podiam ser mais desanimadores. Portugal entre 2000 e 2024 ocupa o antepenúltimo lugar do “ranking” do crescimento médio com um valor de 0.9% de crescimento médio anual do PIB potencial. Atrás de nós, neste quarto de século só a Grécia e a Itália. E ao nível da convergência a situação não é mais positiva estando o nosso PIB/per capita a 79,8% da média Europeia enquanto em 2000 o mesmo indicador estava a 85,2% dessa mesma média.

Se quisermos comparar a nossa performance no período com os 6 países da nossa dimensão (entre 9 e 12 milhões de residentes) reparamos que o nosso crescimento potencial se situa a metade da média simples dos restantes (mesmo incluído a Grécia).

Ainda que o sucesso de um País não se possa medir exclusivamente pelo seu grau de competitividade internacional, não será certamente um bom presságio que o 11º País em população da União seja hoje o 19º no indicador de convergência do PIB/per capita em PPP. E que em breve possa ser o 21º.

O que parece indesmentível é que o nosso percurso colectivo em termos de crescimento durante um quarto deste século é, em termos relativos na Europa, pouco mais que desastroso. Atendendo aos Fundos transferidos da própria União, à aparente evolução das capacidades humanas instaladas e ao enquadramento estável do nosso posicionamento geoestratégico, estes factos deveriam ter merecido uma longa lista de comentários, uma sensação colectiva de desagrado.

Desenganem-se. O reconhecimento de um quarto de século de fraca performance colectiva não mereceu mais do que referências secundárias. A medição do insucesso nem muito interessa, nem mesmo ensina. Portugal enquanto entidade colectiva parece acomodado, parece desistido, parece mesmo anestesiado.

Ora, quando um colectivo, seja empresa, família ou Estado, entra em modo de resignação, tal se deve geralmente à falta de objectivos comuns, à falta de sentido de propósito ou de forma mais vulgar à falta de desígnio. E se pensarmos alto, talvez seja esse uma das mais graves omissões que enfrentamos. Não temos nós mais e melhores academias? Não temos nós mais e melhor conhecimento? Não temos nós mais e melhores infraestruturas? Então onde reside esta fraca produtividade, esta incapacidade de competir em mercados mais amplos?

Mas se refletirmos bem, Portugal apostou tudo na sua inserção Europeia. Obteve para isso um consenso interno notável, garantiu meios financeiros relevantes, arriscou-se na primeira linha da integração, nomeadamente numa corajosa adesão ao Euro. Para isso apostou tudo no objectivo da MÉDIA. Conseguir a convergência com a média europeia foi o mote. Garantir um nível de vida em média com os congéneres europeus era o desígnio. Este quarto de século demonstra o falhanço rotundo desse objectivo. Os factos comprovam-no.

Só que talvez Portugal não seja dotado para a mediana. Talvez estar na média não nos satisfaça colectivamente. E quando nos aproximamos dos 900 anos de história colectiva, quando olhamos o nosso passado, tudo parece indicar que o que nos motiva é a diferença, o que nos preserva é a originalidade.

Assim foi na forma como apostamos no mar, assim foi quando nos cruzamos na multiculturalidade, assim foi quando nos sacrificamos na diáspora, assim é quando competimos fora do nosso conforto. Portugal parece não caber em si próprio. Portugal é europeu, mas não se consegue resumir à Europa.

Assegurar e consensualizar um desígnio não é fácil em democracia. As opiniões são muitas, as convicções são demais, os consensos difíceis de conseguir. Depois, um desígnio não traz resultados imediatos, exige consistência, perseverança, coragem continuada. Mas um País como o nosso, à beira dos 900 anos de história tem o dever de procurar o que o distingue até porque as razões pelas quais um País existe não são as mesmas pelas quais um País se preserva.

E ao fim de um quarto de século relativamente desperdiçado já é altura de procurar objetivos comuns suscetíveis de nos afastar deste fado da Média. Mesmo que para isso seja preciso um outro quarto do século. Por que tal como uma família, ou uma empresa, também um País não sobrevive sem um Propósito.

Economista e Presidente do Conselho de Administração da Fundação Batalha de Aljubarrota

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