Motor da economia aquecido pelo turismo estrangeiro

Políticas nacionais pouco contribuíram para o crescimento da economia portuguesa.

Ao contrário do que se tem verificado a nível mundial, a UE, e em especial o destino Sul da Europa têm registado uma recuperação notável dos fluxos turísticos, batendo records sucessivos. Em 2023 este destino deve estar próximo dos 350 milhões de turistas, 19% acima do record registado em 2019. Itália com 100, Espanha com 93 e Portugal com 20 milhões de entradas turísticas, mantendo uma quota de 5,7%.

Estes números revelam não só o efeito cíclico do lockdown da pandemia, mas uma forte aceleração depois de 2016, com uma taxa de crescimento de cerca de 7% entre 2016 e 2019 para as entradas no Sul da Europa (10% para Portugal), contra a tendência de 3,6% desde 2000.

Esta explosão do turismo teve um impacto muito importante na economia destes países, e podemos afirmar que em Portugal passou a ser o motor da sua economia. As estatísticas falam por si. E é difícil encontrar outros fatores que expliquem, embora baixo, o nosso crescimento desde 2016.

As ondas de turismo com destino ao Sul da Europa superam o nível mundial

Segundo a Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas, o número de entrada de turistas, a nível internacional, atingiu o record de 2,4 mil milhões em 2019.[1] A forte quebra devida à pandemia do Covid-19 arrasou a indústria, que se retraiu para uns meros 670 milhões em 2020. A recuperação tem sido rápida a partir de 2022, com taxas de crescimento estimadas de 106 e 26% em 2022 e 2023. Neste ano, o número de turistas deve atingir 80% do de 2019.

A recuperação do turismo na EU, a região que tem de longe o maior fluxo turístico, tem sido mais rápida, estimando-se que atinja 975 milhões em 2023, um novo record, ligeiramente acima de 2019.

E o fluxo turístico para o Sul da Europa ainda recuperou de forma mais intensa. Em 2023 (Quadro 1) deve atingir 352 milhões, cerca de 19% acima do valor record de 2019. Excetuando a França, que não está considerada, a Itália e a Espanha são os dois países com o maior número de turistas, com entradas de cerca de 100 milhões, e quotas de 28 e 26%, respetivamente. Portugal, com 20 milhões, tem uma quota de 5,7%, que está próxima do valor de 2016-2019.

Quadro 1

Fonte: UNWTO, Chegadas internacionais

Fonte: Quadro anterior

Esta evolução apresenta ritmos de crescimento extraordinários. Entre 2016 e 2019 a entrada de turistas em países do Sul da Europa cresceu a um ritmo de 6,9% ao ano. Portugal ultrapassou mesmo este ritmo, crescendo entre 2015 e 2019 a um ritmo de 10% ao ano. Estas taxas representam uma forte aceleração em relação às duas últimas décadas. Para o conjunto de países do Sul da Europa as entradas subiram entre 2000 e 2019 ao ritmo de 3,6% ao ano, e entre 2000 e 2023 a 3,8% ao ano – apesar da pandemia.  

Figura 1

Fonte: UNWTO, statistical database

No período de 2008, da crise financeira, a 2023 (Figura 1), os países que registaram maiores crescimentos foram a Croácia (9% ao ano), Portugal (8,6), seguindo-se a Grécia (8,2) e Turquia (8,2) apesar das convulsões políticas dos governos de Erdogan, Espanha (3,9) e Itália (2,2).

Quais são os países com fluxos turísticos relativamente mais elevados. Uma primeira medida é o rácio entre entradas de turistas e população. Este rácio era de 5,38 para a Croácia, 3,88 para a Grécia, 2,16 para Portugal, 1,61 para Espanha, 1,11 para Itália e 0,64 para a Turquia.

Outro fator que podemos tomar simultaneamente em consideração é a densidade populacional. Neste caso, a maior pressão turística é na Croácia (índice de 393), Grécia (318), Turquia (302), seguidos de Portugal (241), Itália (220) e Espanha (148), embora a Espanha tenha vastas reuniões inabitadas.

Podemos, pois, concluir, que Portugal tem uma pressão turística intermédia, próxima da Itália, e que tem potencial para subir o turismo, se considerarmos os índices atingidos pela Grécia e Croácia. Por outro lado, a sua quota de mercado tem-se mantido quase constante na última década.

O impacto do turismo nos Países do Sul da Europa

O turismo é hoje o motor do crescimento em pelo menos três países do Sul da Europa: Croácia, Portugal e Espanha, conforme se demonstra na Figura 2, onde tem um peso superior a cerca de 7%, em termos de impacto imediato no total do Valor Acrescentado Bruto destes países, com a Itália no limiar do grupo.

Figura 2

O Quadro 2 reúne os principais indicadores da importância do turismo nas 6 economias do Sul da Europa aqui consideradas. As receitas turísticas atingiam 94,5 e 82,7 mil milhões de Euros na Itália e Espanha, respetivamente, em 2019, ocupando 2,1 e 2,7 milhões de pessoas, o que revela a enorme importância desta atividade nos países desta região. A seguir a Turquia arrecadou receitas de 41 mil milhões de Euros, seguindo-se Grécia e Portugal com 20.6 e 18,2 mil milhões de Euros, empregando 564 e 560 mil trabalhadores. A Croácia tem os menores valores com 10,5 mil milhões de Euros e 290 mil trabalhadores.

A contribuição do turismo para o PIB direta e indireta atinge um máximo de 19,5% na Croácia, e entre 12 e 13% na Itália, Espanha, Grécia e Portugal. Na Turquia, que é uma economia de elevada dimensão, a contribuição é de 8,7%. Quanto ao emprego, o peso dos empregos no setor em relação ao total, variam entre 17% na Croácia e 8,1% na Turquia.

Quadro 2
Indicadores do turismo para países do Sul da Europa

É interessante fazer comparações de produtividade aparente, embora a qualidade das estimativas não seja a ideal. Se medirmos as receitas de turismo geradas por trabalhador verificamos que cada trabalhador na Itália gera 44 mil Euros, seguindo-se a Croácia e Grécia com 36 mil, Portugal com 32,5 mil, Espanha com 30,8, confirmando o turismo de massas típico da Costa del Sol, e a Turquia, onde os preços e salários são mais baixos, com 18 mil Euros.

Se calcularmos o rácio do PIB gerado por trabalhador, Portugal aparece numa situação novamente intermédia, com um rácio que significa que a produtividade no setor é cerca de 20% superior à média na economia, maior do que em Espanha, que está na Itália este rácio atinge o máximo de 47%, e a Grécia tem o valor mais baixo, com 83% da média da economia.

Em conclusão, Portugal, país com uma dimensão intermédia, tem já um peso intermédio do setor turístico, em comparação com os restantes países da Europa do Sul, com uma produtividade também intermédia de entre este conjunto de países. Existe, pois, ainda uma margem significativa para aumentar a produtividade do setor turístico e para expandir a sua contribuição para o PIB. Também, ao contrário do que se afirma, esta indústria já não é um setor de baixos preços ou de baixa produtividade, nem caiu no erro do turismo de massas, pelo menos quando comparado com os nossos vizinhos.

O impacto na economia portuguesa: como o turismo se tornou no motor da nossa economia

As exportações de turismo multiplicaram-se 2,8 vezes entre 2000 e 2023 (Quadro 3), descontando a inflação, atingindo o valor estimado de 25,9 mil milhões de Euros em 2023, o que representa uma taxa de crescimento médio de 4,5% ao ano, enquanto o PIB apenas cresceu 1,5% ao ano, pelo que o seu peso no PIB subiu de 4,5 para 10,2% (Quadro 4). Contudo, existem dois períodos distintos neste intervalo, com as exportações de turismo a subiram apenas ao ritmo de 0,4% ao ano, a preços constantes, entre 2000 e 2010, e 7, 3% entre 2010 e 2023.

A sua contribuição para o PIB, direta e indireta, segundo as estimativas do INE, subiu de 7 para 16%, no mesmo período, representando 41,5 mil milhões de Euros em 2023. Mas claramente que a explosão do turismo se deu a partir de 2010. Se considerarmos o período de 2010 a 2023, a taxa média anual de crescimento do “PIB turístico” foi de 6,7%, enquanto o PIB cresceu 0,98%.  Em termos médios, representa uma contribuição de 82% para o crescimento do país nos últimos 13 anos, o que representa a quase totalidade do crescimento da economia – por isso se pode designar o turismo como o motor do crescimento português atual.

Quadro 3

Fonte: INE, Contas Satélite do Turismo (2000-2019) e estimativas do autor (2020-2023)

Entre 2000 e 2023 o número de trabalhadores no setor cresceu de 349 para 607 mil, passando de 7 para 12,4% do total do emprego. Entre 2015 e 2023 expandiu-se à taxa anual de 5,4%. Como o PIB induzido na economia se expandiu à taxa de 9%, a produtividade expandiu-se à taxa de 3,4% bastante acima da média da economia.

Ao contrário do que por vezes se afirma, as remunerações totais, considerando trabalho a tempo equivalente, no setor turístico não se afastam substancialmente da média da economia. Segundo o INE, em 2019, as remunerações médias no turismo atingiam 96% da média da economia: ou seja, um trabalhador do setor auferia por ano em média 22 343 Euros.

Quadro 4

Fonte: Quadro anterior

Os quatro subsetores que empregavam mais pessoas dedicadas às atividades turísticas, em 2019, eram os restaurantes (148 mil), hotéis e similares (104 mil), transportes (66 mil), e atividades de recreação e lazer (31 mil).

Oferta turística por tipo de alojamento

Tem havido uma forte pressão política contra o alojamento local, devido ao possível impacto que tem na subtração de oferta de arrendamentos a longo prazo e, por conseguinte, na subida das rendas deste segmento habitacional. O Quadro 5 mostra a divisão das dormidas de turistas por tipo de alojamento. O alojamento local representava em 2022, 14% da oferta total, continuando os hotéis e similares a ter uma quota de 82%. Considerando um preço médio de dormida de 40-50 Euros por pessoa, o alojamento local já gerava cerca de 408-510 milhões de Euros em 2019.

Quadro 5

Fonte: Pordata

É evidente que o problema da pressão sobre o mercado de arrendamento a mais longo prazo, afetando as populações locais, só se põe nos grandes centros urbanos, dados os níveis de concentração urbanística. Em termos de políticas habitacionais devem ser tratados de forma descentralizada. Mas estes custos sociais têm de ser contrabalançados com os investimentos em recuperação urbanística e os rendimentos adicionais que os proprietários auferem seja pela alienação dos imóveis, seja pela sua exploração. Os estudos que existem sobre a matéria são parciais e muitas vezes enviesados.

Quando iniciamos este estudo tínhamos a ideia de que o turismo estava a desempenhar um papel importante no crescimento da economia portuguesa, mas é para nós uma surpresa, baseando-nos nas estimativas do INE para a Conta Satélite do Turismo, que a quase totalidade do crescimento da nossa economia entre 2010 e 2023 tinha sido devido à expansão do turismo estrangeiro em Portugal, com uma contribuição estimada de 80% do total.

Esta conclusão é arrasadora para as políticas económicas em Portugal, na medida em que o crescimento é quase todo devido a fatores externos: a enorme onda turística que alastrou pelo Sul da Europa, pelo que as políticas nacionais pouco contribuíram para o crescimento da economia. Primeiro, entre 2011 e 2015, o programa de ajustamento ao sobre-endividamento da economia portuguesa, teve necessariamente um efeito contracionista. Porém, seria de esperar que os governos seguintes, aproveitando a fase expansionista, tomassem políticas estruturais que fizessem acelerar o crescimento: ora esta hipótese é negada pelo facto de a maioria do parco crescimento tenha sido exógeno, e determinado pela onda turística. Portugal perdeu mais uma década e meia, para poder melhorar o bem-estar da sua população.

Mas agora põe-se outra questão crucial: qual o potencial de procura e oferta do fluxo turístico para, por exemplo, os próximos 5 anos? Por vezes afirma-se que a atual onda turística é devida ao facto de as pessoas que sofreram com o lockdown e as restrições a viagens durante 2020 e 2021 com o Covid estariam agora a procurar repor as necessidades de “férias ao sol” ou similares.

Ora, se tomarmos a retração turística com referência ao pico de 2019, e com o fluxo turístico para o Sul da Europa a crescer a 7% ao ano, este efeito esgota-se em 2026. A médio prazo, a taxa de crescimento deverá baixar para os 4 a 5%, caso não haja nenhuma crise na Europa. Assim, em 2028, e considerando que Portugal mantém a sua quota de mercado, a procura turística deverá atingir entre 25,8 e 27 milhões entradas de turistas. Se se concretizar, o turismo continuará a ser o motor do nosso crescimento. Já para o final da década começará a ser mais grave a questão da capacidade do aeroporto de Lisboa.