Ricardo Kendall: “Estamos há 4 anos a aguardar licenças de câmaras”

Ricardo Kendall aposta agora na Metropolitan Livings, depois de vender a Smart Studios por 200M€, em 2022, considerada a “operação do ano”.

Veja o vídeo completo no canal de Youtube da Euronews (em português):

Estamos em Lisboa, nas Laranjeiras, num novo investimento da Metropolitan Living. Depois de muitos investimentos em diversas áreas, o turismo é o novo negócio?
Ricardo Kendall — É o nosso novo negócio. A ideia é construir uma rede de pequenos hotéis, mini-hotéis, sem muitos serviços. O objetivo é ter um hotel de duas estrelas que tenha um serviço de quatro estrelas, ou seja, que os clientes sejam apaparicados e bem tratados e que saiam de lá com uma sensação de expectativa superada.
A ideia é fazermos cerca de 500. Tenho aqui um híbrido entre hotel e service-apartment porque todos os apartamentos-quartos têm kitchenette e, neste momento, temos já dois hotéis a funcionar. Este nas Laranjeiras vai estar pronto em novembro e depois temos mais dois em pipeline, o que faz 105 apartamentos, para já. A ideia é chegar aos 500, não sei se vamos conseguir. Se fizermos 300, já será fantástico.

– Está a investir numa conjuntura em que todo o setor do imobiliário está caríssimo, designadamente em Lisboa. É um risco assumido?
RK – É verdade, mas o que nos levou a investir neste setor, depois de vendermos a Smart Studios, foi que (espera-se) há dados internacionais fortes de que, nos próximos anos, até 2035, haja um aumento enorme do turismo. Como?
Há uma série de países, nomeadamente China, Taiwan e Índia, que perfazem mais três mil milhões de pessoas, em que a classe média está a crescer muito, está a aumentar muito, e essa classe média vai começar a viajar. Portanto, isso vai trazer um boom enorme ao turismo ao nível mundial e espero que também Portugal beneficie um pouco disso.

– Vamos recuar uns 20 e tal anos porque a sua primeira grande aposta como empresário, como investidor foi na Midas, que nada tem que ver com este negócio do turismo. Isso foi no início do século…
RK — Em 2000. Eu tirei, primeiro, um curso médio de Engenharia Mecânica Automóvel, em Inglaterra; depois é que fiz a especialização em Gestão na Católica. Trabalhei seis anos na banca e numa companhia de seguros e, a seguir, em 2000, após seis anos a tentar trazer a Midas que era a líder mundial da reparação rápida, para Portugal, eles ligaram-me e disseram: “olha, queremos ir para Portugal e queremos ir contigo”. Avancei com um sócio, um amigo meu, e depois cresceu muito. Chegámos às 60 oficinas próprias, não fazíamos franchising e, nesses 15 anos em que chegámos a líderes nacionais, reparávamos 300.000 carros/ano.
Também comprámos a Blue Classic que transformámos em Mr. Blue, que ainda hoje existe, é uma rede de lojas com muito sucesso. A Acessorize, a Inglot, tínhamos uma série de negócios…

– E empregava largas centenas de pessoas?
RK — Mais de 700 pessoas porque tínhamos, quando eu vendi, em março 2015, 60 oficinas próprias e 60 lojas próprias, lojas de centro comercial maioritariamente, e, portanto, tinha muita gente por turnos. Tínhamos 720 pessoas. Foi um negócio muito interessante, numa altura interessante, e depois vendi, em 2015.

– A seguir, fez um investimento na Smart Studios, num modelo de pequenos apartamentos. Qual era a filosofia do negócio que, entretanto, já vendeu, no ano passado?
RK — A filosofia do negócio era residência de estudantes misturada com o living. Basicamente, fazíamos pequeníssimos apartamentos, estamos a falar de cerca de 18-20 metros quadrados, com uma casa de banho e uma kitchenette lá dentro, e foi um sucesso. Foi incrível!
Foi um pouco como a Midas, uma pedrada no charco e, praticamente, não havia nada em 2015,.Fomos pioneiros e, portanto, aquilo cresceu muito rapidamente. Todos os business plans que tinha eram superados em termos de rendas e de rapidez de ocupação, com taxas de ocupação sempre nos 98-99%.
Só não tínhamos 100% porque havia os gaps, saíam uns e passados dois, três dias, entravam outros. E foi um sucesso. Crescemos até aos 2070 apartamentos e vendemos a Smart Studios, em julho do ano passado.

– O Ricardo Kendall vendeu a Smart Studios a um fundo canadiano e foi um dos maiores negócios de 2022?
RK– Sim, foi à Round Hill Capital e CPPIB que é um fundo de pensões canadiano.

– Já não é segredo dizer o valor do negócio…
RK – O valor da venda foi 200 milhões de euros e incluía uma série de coisas, dívida também, mas foi considerada a “operação do ano”, no ano passado. Agora continuamos a crescer e a fazer coisas e a trabalhar.

– Mas, sendo um negócio tão interessante, poderia ter continuado ou entendeu que estava mesmo na altura de vender?
RK – Poderia ter continuado. A renda média tem vindo a aumentar desde que nós vendemos, há um ano e pouco para cá. Só que cresceu tanto e ficou tão grande que não fazia sentido nenhum eu e os meus sócios termos 2000 apartamentos.

À minha maneira

Ricardo Kendall tem 53 anos e quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas. É um investidor/empreendedor com negócios em áreas distintas, cujo percurso foi reconhecido com a venda da Smart Studios por 200 milhões de euros, em 2022.

Quem é o Ricardo do ponto de vista pessoal, mas também no seu estilo de gestão e de liderança?
RK — É difícil falar de nós próprios, mas digo muitas vezes que, acima de tudo, sou um doer. Eu gosto de fazer e, se é necessário fazer qualquer coisa, faço; não tenho nenhum problema.
Adoro uma regra que é muito americana, mas que se chama os 80/20. Prefiro fazer várias coisas a 80%, não são perfeitas, mas são feitas, do que tentar almejar os 100% e depois não fazer quase nada. Portanto, uso imenso a regra dos 80/20.
As empresas são as pessoas, para mim, as pessoas estarem satisfeitas é o mais importante. Uso uma componente variável fortíssima nos ordenados, às vezes mais do que 50%, e tento que as minhas equipas estejam satisfeitas e sejam trabalhadoras.
Esta nova empresa, a Metropolitan Living, a empresa em si, a denominação social, é Only Ten, que era por só querermos ter 10 [pessoas] .
Os 8 são muito bons, fazem o trabalho que lhes pedimos e com qualidade, mas o 10 é diferente. É a pessoa que quase não tem de se lhe dizer o que tem de fazer. O 10 toma a iniciativa e faz com a mesma qualidade do 8, mas faz, cria e anda para a frente. A nossa ideia é só ter 10 [pessoas] nesta empresa.

Sim, conseguimos

Quais foram as principais adversidades e como é que superou esses obstáculos?
RK — Com os recursos humanos, que é o mais importante numa empresa, naturalmente que tivemos alguns dissabores e problemas. Acabei de ler um livro maravilhoso que se chama What it Takes, de Stephen Schwarzman, que foi o homem que fez a Blackstone, em que ele diz uma coisa muito engraçada: dá tanto trabalho uma grande empresa com uma empresa pequena. Isto é totalmente verdade, ou seja, quando já temos uma empresa muito grande, já temos pessoas em que delegamos e que fazem uma grande parte do nosso trabalho e nós podemos estar em cima a definir estratégias, a gerir, a fazer uma série de coisas. Quando é pequena, às vezes, temos de andar nós a fazer pequenas coisas.
Portanto, recursos humanos, tivemos alguns problemas, naturalmente. Até as equipas estarem estabilizadas, é um tema difícil.
Na Smart Studios e na Metropolitan, tivemos um problema enorme com as câmaras que praticamente estão paradas e que demoram. Temos um projeto agora que está há quatro anos para ser licenciado.

Portugal 2043: “Temos de reter talento”

Como empresário e também como cidadão, como é que gostaria que o país estivesse em 2043, quando fizer 900 anos como Estado-nação mais antigo da Europa? O que gostaria que mudasse?
RK — Acho que temos um problema de justiça muito grande. Temos, mais uma vez, um problema de burocracia muito grande e um problema demográfico enorme. Os estudos dizem que, não em 2043, mas em 2050, nós, portugueses, vamos ser sete milhões. Somos 10,5 neste momento, julgo que sem contar com os imigrantes.
Isto é o pior que nos pode acontecer e, naturalmente, que se percebe porquê. Acho que devia haver políticas e desenvolver-se um esforço enorme para captar pessoas e para as reter cá e também para aumentar a taxa de natalidade. Diria que estes são os três maiores problemas que me ocorrem.

– Como empresário, acabou de referir o aspecto da burocracia do Estado. Gostaria que alguma coisa mudasse? Vinte anos dá para mudar alguma coisa?
RK — Sim, acho que a instabilidade fiscal é enorme. Vemos agora com este Mais Habitação, acabarem com os Golden Visa, acabarem com o alojamento local. Portanto, há aqui uma instabilidade muito grande e que é muito prejudicial para quem investe. Ouço todos os dias pessoas e investidores estrangeiros (eu tenho um grupo estrangeiro como sócio) a dizerem que não querem investir em Portugal, enquanto isto não acalmar e as coisas não ficarem mais claras. Acho que aí também deveria haver algum esforço.

— Tem quatro filhos. Como é que os imagina dentro de 20 anos?
RK — Há um deles que está, curiosamente, a fazer um negócio que é quase uma réplica deste nosso. Outro, trabalha num Family Office e as duas mais novas estão a estudar, uma Comunicação Social, em Navarra, e a outra pequenina tem nove anos, mas já mostra algum nerve de que vai ser um furacão.
Ao princípio, tentei que os dois mais velhos trabalhassem comigo, que é uma coisa que os livros dizem para não fazer. Acho que foi um erro. Espero que eles consigam singrar e, acima tudo, ser felizes.