Uma oportunidade perdida?

O último unicórnio coroado há dois anos. Vivemos numa apatia do ecossistema português.

Estamos em Novembro de 2021 e o último unicórnio português é coroado. Dois anos depois, parece que nos passaram com um tractor por cima, tal é a apatia do ecossistema português. Menos rondas, menos investimentos, menos startups, menos regimes SIFIDE e RNH, menos interesse. Após anos de luta para criar o ecossistema empreendedor português, recuso acreditar que tenhamos ficado por aqui.

Falta-nos ambição, pensar a longo prazo, sonhar, acreditar. E quem empreende tem de acreditar. Acreditar que o seu produto resolve desafios do mercado, beneficiando a sociedade e trazendo valor a Portugal.

Assim, proponho uma receita para restaurar a fé no ecossistema e direccionar uma nova estratégia:

1- Identificar um líder, capaz de orientar, seja a nível governamental ou na política nacional, a estratégia do ecossistema. Precisamos de um líder forte e ambicioso, nos moldes de um novo João Vasconcelos, disposto a aprender, compreender diferentes actores e conseguir ter poder para seguir com uma visão clara.

2- Portugal precisa de uma estratégia a longo prazo, com foco em uma ou duas áreas específicas, projetando um período mínimo de 10 anos. Como me disse a José de Mello há uns anos quando lhes fui apresentar um projecto de longo prazo “Longo prazo para nós é uma geração”. Pois, é isso que precisamos, de pensar a longo-prazo, a uma geração para criar valor e estar na linha da frente em diversos domínios.
Precisamos de um novo Mariano Gago que defina uma visão para áreas centrais, como Energia e Hidrogénio, o Mar, Inteligência Artificial, ou outras, visando criar valor nestas indústrias a longo prazo. Apostar em tudo aleatoriamente, mudar constantemente de ideias a cada 4 anos, é insustentável e não beneficia ninguém.

3- Apostar em áreas específicas implica uma integração da academia e da indústria, nessas áreas, exigindo investimentos em I&D e inovação para impulsionar avanços tecnológicos e competitividade nestes sectores.
Temos universidade de topo que formam pouco, mas excelente talento, e grandes empresas com maior potencial de crescimento. Mas para o fazer, precisamos de romper com a subsídio-dependência dos fundos comunitários onde avançamos somente quando financiados.
Devemos agir de forma mais ágil, criar um ambiente favorável ao risco e a investimentos, visando gerar maior valor para a nossa indústria. Dessa forma, poderemos competir a nível global com universidades e empresas internacionais, ao invés de nos envolvermos em disputas internas.

4- Faz falta um evento que represente o nosso ecossistema. A Web Summit é interessante, mas sendo um evento internacional em Lisboa, não nos representa. Embora ofereça visibilidade, um evento focado em Portugal onde investidores nacionais e estrangeiros possam cruzar possíveis investimentos em startups nacionais seria muito mais benéfico. Com uma fracção do que já se investe faz-se muito e terá certamente maiores resultados a nível nacional. Um exemplo é o programa MIT-Portugal que forma centenas de estudantes portugueses para o futuro numa das mais prestigiadas universidades americanas com um impacto brutal para o futuro do nosso país com um custo de 8M€/ano, bem mais baixo que os 17M€/ano que gastamos no evento de novembro.

No filme Philadelphia, o Tom Hanks vira-se para Denzel Washington e pergunta-lhe o que são 1000 advogados acorrentados no fundo do mar. Tom responde-lhe: “a good start”.
Estou certo que faltam ingredientes nesta receita, mas é “a good start”.

Ricardo Marvão
Co-fundador da Beta-i, uma consultora de inovação colaborativa