“Não nos podemos iludir. Vamos ter um ano de 2024 difícil”, avisa ministro da Economia

O ministro da Economia defende a aposta no hidrogénio e lítio (baterias) e admite cenário de recessão técnica.

Veja o vídeo completo no Youtube da Euronews:

Esta é uma edição especial de entrevista ao ministro da Economia, na véspera de uma nova Web Summit, envolta em polémica. Senhor ministro, a reputação de Portugal pode ter sido abalada pelas palavras de Paddy Cosgrave? Sim ou não?
António Costa Silva — Creio que não. A Web Summit é um grande acontecimento tecnológico, é o maior acontecimento tecnológico mundial, não é um acontecimento geopolítico. Os comentários geopolíticos estão completamente fora da Web Summit. É evidente que teve alguma repercussão, mas, pelo nível de mobilização de participantes, investidores e oradores, vai ser um evento de grande sucesso para o país, como sempre.


— Quanto ao ecossistema empreendedor português, tem havido investimento na área de I&D (investigação e desenvolvimento), mas também surgem algumas críticas, até porque, por exemplo, há três anos que não nascem unicórnios de raiz portuguesa. O ecossistema português empreendedor e das startups está bem, neste momento? Sim ou não?
ACS — Está bem, sim. Nós não podemos decretar o surgimento de unicórnios! O que me interessa aqui é a saúde do ecossistema. Nós temos hoje 4600 startups no país, mais de 100 incubadoras e uma capacidade de atração de investimento muito grande, sobretudo das sociedades de capital de risco.
Há 7 ou 8 anos, atraíamos cerca de 50 milhões por ano. Hoje, estamos a atrair em média 1200 milhões; em 2021 atraíamos cerca de 1500 milhões. É um ecossistema que está cada vez mais pujante e está a trabalhar em setores e áreas que vão proporcionar novos unicórnios, nomeadamente na área das ciências da saúde, tecnologias, biotecnologias, economia do mar, e no desenvolvimento de novas soluções para uma economia mais sustentável.

— Portugal continua a ser atrativo para investidores estrangeiros? Se sim, porquê ter acabado com o regime especial de não residentes? Terá sido uma precipitação?
ACS — Sim, mas a questão do regime especial para não-residentes foi uma decisão coletiva que o Governo tomou e o Governo é coeso. Queria só chamar a atenção que há exceção para tudo o que é investigação, trabalhadores qualificados, e, portanto, há excecionalidades aí.
Espero que isso abranja também as startups para mantermos a vitalidade deste sistema, mas o facto mais importante é que todo este conjunto de desenvolvimentos proporciona um sistema muito eficiente em termos de inovação e de atração de investimento direto estrangeiro.
Portugal, em 2022, foi o sexto país no espaço da União Europeia a atrair mais investimento direto estrangeiro. Foram cerca de 2,4 mil milhões de euros. Passámos da oitava posição para a sexta e muito deste investimento, se se analisar a tipologia, 66% é exatamente para as tecnologias de informação e comunicação para a produção de software.
É um segmento que está a crescer muito, mesmo em termos de exportações, pois 23% é para o estabelecimento de unidades industriais. Quando analisamos a fonte dos investidores internacionais, 19% são dos Estados Unidos, depois temos 15% do Reino Unido, 15% da Suíça, 15% dos países nórdicos e 13% da Alemanha.
As empresas internacionais que nos procuram hoje já não é com o paradigma anterior, para estabelecer call centers ou centros administrativos; é para estabelecer parcerias tecnológicas e de engenharia. E porquê? Porque somos o terceiro país da União Europeia que mais engenheiros forma por ano e engenheiros de alta qualidade.


—Esses, pelo menos, não têm emigrado, ainda ficam por cá…
ACS — Sim, perdemos alguns. Outro aspecto muito interessante de se analisar, e para mim fundamental, é a mudança da nossa força de trabalho. Estamos a 20 mil pessoas de chegar aos 5 milhões de pessoas a trabalhar em Portugal, isto nas últimas décadas, e, destes, cerca de 34%, 1,7 milhões, têm formação superior.
Quando se analisa os jovens, são cerca de 500 mil. Depois compara, por exemplo, com 2019, e conseguimos aumentar 84 mil jovens. Estamos a formar à volta de 48 mil por ano. Portanto, há alguns que perdemos, mas conseguimos fixar outros.
Temos de desenvolver um sistema cada vez mais competitivo, sobretudo com a valorização salarial, com as profissões qualificadas e recordo que o Orçamento de Estado tem uma medida muito clara para as empresas que contratam quadros qualificados. Esses quadros pagam IRS a 20% por 10 anos e as empresas deduzem as despesas associadas à contratação de profissionais qualificados.


– O PIB [Produto Interno Bruto] contraíu 0,2%, no terceiro trimestre. Se o quarto trimestre for também negativo, mesmo que seja mínimo, formalmente estaremos em recessão técnica. E isto está a acontecer devido a uma quebra das exportações. Está preocupado?
ACS — Sim, claro que estou preocupado. Tudo o que sejam sinais da economia, devemos preocupar-nos. No entanto, há vários fatores que são fundamentais para termos em atenção. Exatamente há um ano, discutíamos a possibilidade de o país entrar em recessão. Recordo que, em outubro do ano passado, a inflação atingiu os 10% e havia prognósticos muito negativos e muito sombrios sobre a economia portuguesa. O que aconteceu?
Desenvolvemos, ao nível do Governo, políticas muito importantes. Desde logo, o pacote de 1600 milhões de apoio às empresas, 2400 milhões de apoio às famílias, depois o pacote grande dos combustíveis e a redução do ISP na proporção da redução do IVA que foi um pacote de 1500 milhões. E o que resultou, com a resiliência das empresas portuguesas? Tivemos o maior crescimento da economia desde 1987, 6,8% do PIB, e tivemos uma contribuição significativa das exportações. O ano passado, pela primeira vez, chegaram a 50% do produto [interno bruto], nunca tinha acontecido antes. E atenção que não é só turismo; o setor metalomecânico veio à frente, fabricação de máquinas e equipamentos com 23 mil milhões de euros de receitas, depois o turismo com 21,1.
Atenção ao nosso grande setor da indústria de componentes, que é muito inovador e muito competitivo, que trabalha para a indústria automóvel. Não há hoje um carro no espaço europeu que circule sem componentes produzidas em Portugal. E, portanto, o dinamismo do setor exportador é crucial. Agora, o que se passa?
Temos 70% das exportações que vão para o mercado europeu e, como se sabe, temos há quatro meses consecutivos a queda da produção industrial na Alemanha e temos recessão em vários países europeus e abrandamento. O problema fulcral é a diversificação das exportações. Felizmente, temos cerca de 53 mil empresas no país, que é a nossa galáxia de ouro das indústrias exportadoras que exportam para 100 ou mais países do mundo. Não só para a Europa.
Isso pode ser, eventualmente, um fator que pondere sobre o caráter sombrio, digamos, dos prognósticos que existem. No entanto, também queria fazer notar que, apesar de haver essa contração, o PIB cresceu no terceiro trimestre 1,9% em termos homólogos. Apesar de tudo, continuamos a crescer. E depois há outros indicadores que estão em contraciclo com a contração.
Por exemplo, nós temos as vendas de cimento que cresceram 6%, o índice de produção da construção cresceu 6%, o volume de negócios em todo o sistema de serviços também cresceu e no comércio a retalho há uma ligeira contração.
Agora, não podemos iludir-nos. Nós vamos ter um ano difícil de 2024, por toda a degradação que há na envolvente externa. As duas guerras que temos, a pressão sobre os custos da energia e dos bens alimentares que vai continuar, toda a incerteza que pode afetar o investimento e outras variáveis que são cruciais para o desempenho da economia.


— Mas, dado o abrandamento das exportações e a quebra do poder de compra das famílias, a solução de política pública passaria por mais investimento público e com apoio do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]? Sim ou não?
ACS — Sim, penso que sim. Aliás, a doutora Teodora Cardoso, que foi uma das nossas mais brilhantes economistas, explicou há muitos anos que a política económica do país não é só o orçamento de Estado; é muito mais do que o orçamento de Estado. O orçamento de Estado tem políticas muito importantes para este ciclo, nomeadamente tudo aquilo que tem que ver com a valorização dos rendimentos e dos salários das pessoas; é um pacote de 5 mil milhões de euros.
Desde os aumentos para a administração pública, para os pensionistas e também a redução transversal do IRS para as classes médias, estes pacotes combinados são cerca de 5 mil milhões de euros para fortalecer o rendimento das pessoas e os fatores importantes neste ciclo. Isto está combinado com outras medidas, que são de estímulo ao investimento das empresas, ao reforço dos capitais próprios e ao investimento na inovação, como há pouco referenciei.
Além dessas medidas, não podemos esquecer que estamos a executar o programa de recuperação e resiliência e aí, na reprogramação do PRR, com o grande pacote das agendas mobilizadoras, que é o pacote mais transformador e mais inovador que temos ao nível da economia portuguesa, passamos de 930 milhões para cerca de 2,7 mil milhões de euros de investimento público e, no global, com investimento privado, vai chegar aos 8 mil milhões de euros.
E o que é que temos aí? Temos as alavancas que podem propiciar a transformação da economia. Se olhar para o setor da indústria metalomecânica, o que eles estão a fazer no âmbito das agendas mobilizadoras é usar todas estas tecnologias digitais, introduzi-las massivamente no chão de fábrica, desde a robotização avançada, a virtualização, a impressão tridimensional e melhorando muito a eficiência e a capacidade da operação das empresas.
A indústria têxtil, por exemplo, tem uma agenda mobilizadora que é a Nau Verde, em que está a olhar para a eficiência da utilização dos recursos da água e já está a introduzir fibras de fios reciclados, que são muito importantes porque é a economia circular a funcionar numa indústria que até aqui não tinha. Depois, estão a usar a inteligência artificial para desenvolver o que eles chamam uma tecidoteca, uma biblioteca de tecidos, para mapear as tendências do mercado internacional para a próxima estação e estão a reconfigurar as cadeias produtivas para responder a essa procura. Isto são movimentos muito importantes.
Há outros setores como o da saúde. Sou das pessoas que acreditam que Portugal pode ser uma fábrica de medicamentos da Europa. Temos investigação clínica de ponta, temos capacidade para criar as substâncias ativas de um medicamento, síntese industrial, fertilização industrial e, portanto, tudo isso está hoje também corporizado na vitalidade do setor farmacêutico.
No primeiro trimestre deste ano, as exportações de produtos farmacêuticos do país aumentaram 155%. Temos uma base muito significativa de mais de 30 mil empresas e criei no Ministério da Economia, logo no início, uma task force para uma política industrial de saúde, juntamente com o Ministério da Saúde, com os organismos públicos e sobretudo com as empresas, e dessa task force já saíram várias recomendações que vão ser muito importantes para termos um setor de ponta. Acredito profundamente que é um setor que cria produtos e serviços de alto valor acrescentado, que é tudo o que precisamos.


— Entre várias bandeiras, como a da economia do mar, o senhor ministro tem defendido as energias renováveis e energias como o hidrogénio e o lítio. O país deve continuar a apostar no hidrogénio e nas baterias de lítio?
ACS — Sim, acho que é fundamental. O que estamos a fazer é, no âmbito do Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, dar a todos os setores a capacidade para introduzirem inovação tecnológica, fazerem a transformação no chão de fábrica e serem altamente competitivos, mas não podemos esquecer as grandes características que o país tem e os ativos que tem. Temos hoje um cluster de energias renováveis que é muito competitivo como a energia eólica e a energia solar. Vamos lançar o primeiro leilão para termos os 10 gigawatts de energia eólica offshore. O nosso recurso de vento no offshore é muito apetecível, não só no mercado nacional, mas internacional, e há muitos interessados porque temos velocidades do vento na ordem dos 6-7 metros por segundo, potências de irradiação na ordem de 400 watts por metro quadrado, portanto, é um recurso muito apetecível.
Só que nós não queremos ter energias renováveis só para ter; queremos ter energias renováveis para usá-las, para atrair a nova geração de indústrias verdes, por exemplo, o aço verde. O aço é das indústrias mais poluentes do mundo, responsável por 8% das poluições de CO2, e as grandes companhias internacionais já estão à procura dos países em que há competitividade, em termos de energias renováveis, que possam utilizar e fabricar o aço.
Atrairmos um ou dois players mundiais será muito importante, e depois temos de atrair um ou dois grandes players mundiais na fabricação de baterias, porque o mundo vai ser movido a baterias. Tenho essa forte convicção de que vamos ter cada vez mais as baterias no centro de funcionamento da economia e há um estudo muito interessante da Agência Internacional de Energia que diz que, até 2040 precisamos, ao nível do planeta, de 10 mil gigawatts/hora em termos de capacidade de baterias; isto é, 50 vezes aquilo que temos hoje no mundo…


— Baterias de lítio…
ACS — As baterias para a mobilidade elétrica, para a mobilidade dos automóveis…


— Mas a matéria-prima é o quê?
ACS — A matéria-prima é o lítio. O país também tem, a esse nível, as maiores minas de lítio da Europa, pelo que queremos sediar também toda a cadeia de valor em Portugal e não cometer os erros do passado.
É fundamental o país industrializar-se porque a indústria ainda representa apenas 13% do PIB. Não há exemplos de países no mundo avançarem sem terem uma indústria forte e nós queremos atrair as novas gerações de indústrias verdes e as indústrias ligadas à mobilidade elétrica. É, por isso, que também estamos a atrair grandes fabricantes internacionais de veículos elétricos e, desde logo, a Stellantis tem uma agenda mobilizadora para fabricar o primeiro carro elétrico ligeiro em Portugal, em Mangualde.
Queremos atrair outros para o país estar no centro destas transformações. Se nós conseguirmos isso, a indústria vai ser absolutamente vital porque ela está no cerne da criação de valor, alavanca cadeias produtivas a jusante e a montante e depois produz conhecimento. E o conhecimento e o saber que a indústria produz disseminam-se por todo o sistema produtivo e é altamente estimulante, em termos do crescimento económico.


“Penso que o Dr. Pedro Siza Vieira tomou a decisão correta porque a EFACEC estava a ser penalizada”

ANTÓNIO COSTA E SILVA

Ministro da Economia


— Neste início de semana, no Parlamento, questionaram-no sobre a nacionalização da EFACEC que já absorveu apoios de 400 milhões de euros. Se estivesse no papel do seu antecessor e naquele contexto, tomaria a mesma decisão?
ACS —A EFACEC é uma grande empresa nacional, é uma empresa tecnológica, tem 72 anos, é responsável por mais de 100 patentes, é um dos grandes emblemas da engenharia portuguesa. Se olhar para os transformadores de potência, que é um aparelho que a EFACEC produz, eles compõem todo o anel de distribuição de energia elétrica em Paris e estão presentes na rede de Nova Iorque. A EFACEC está presente nas redes de transporte de grandes cidades europeias, desde Dublin a Odense, a

Bergen e está em Argel, por exemplo, onde todo o sistema da cidade é baseado em tecnologias da EFACEC.
E o que é aqui importante? O Dr. Pedro Siza Vieira tomou a decisão que tomou na altura e tomou a decisão correta porque a EFACEC estava a ser penalizada, não por erros dos trabalhadores ou erros da equipa de gestão, mas pelo colapso da estrutura acionista. E se não se fizesse nada, perdíamos uma empresa que emprega 2 mil pessoas e é uma montra tecnológica da engenharia portuguesa e cria valor.
É evidente que o Estado, neste período, esteve muito condicionado porque não podíamos entrar no âmbito das ajudas estatais; tínhamos de respeitar o artigo 107 do Tratado de Funcionamento da União Europeia e por isso é que estivemos sempre em interação com a DG-Comp e a DG-Comp aprovou toda esta transação; recebemos várias propostas.
A proposta que foi selecionada é a proposta que dá maior retorno para o Estado. Dá um retorno de dois dígitos, desde que a empresa consiga criar valor. E a Mutares, que é o novo acionista, uma empresa que tem vocação industrial, tem um portfólio de 32 empresas, trabalha exatamente no setor do automóvel e de mobilidade, na engenharia e tecnologias, bens e serviços, apresentou um plano de negócios, com base no qual fizemos o teste do operador de mercado, que é exigido pelas regras europeias, e o pronunciamento final da DG-Comp é muito claro.
Qualquer operador de mercado teria tomado a solução que o Estado português tomou e a DG-Comp considerou um processo aberto, transparente e respeitando todas as regras europeias. Por isso é que eu digo que a solução dá-nos conforto.
Em relação aos investimentos, os 200 milhões de euros que o Estado colocou (cerca de 10 milhões por mês neste período e não podia colocar mais, o Estado não podia fazer tudo aquilo que um acionista normal faz porque estava condicionado por estas regras europeias), a EFACEC, por estar a operar, pagou ao Estado cerca de 100 milhões através dos impostos, das contribuições para a Segurança Social, do IRS dos trabalhadores e foi capaz de pagar cerca de 443 milhões de euros a todas as 2800 empresas que trabalham para a EFACEC, ou seja, fornecedores.
Portanto, manteve-se em atividade, foi capaz de, no mercado nacional e internacional, continuar a ganhar projetos de cerca de 845 milhões de euros. Ainda recentemente ganhou um grande projeto em Espanha para a modernização da rede elétrica espanhola, incluindo as Ilhas Baleares, de 25 milhões de euros. Ganhou um grande projeto para a modernização da rede elétrica francesa e, portanto…

— Portanto, acredita que o Estado vai reaver o dinheiro que investiu? Sim ou não?
ACS — Em relação ao dinheiro que investiu agora para a reestruturação financeira da empresa, que são cerca de 160 milhões de euros, o Estado fez este esforço de 160 milhões de euros, os operadores privados fizeram esforços, os bancos, os obrigacionistas, a própria Mutares e o trade finance que foi montado agora para esta operação envolve cerca de 204 milhões de euros. Não podemos esquecer que os acionistas anteriores perderam mais de 300 milhões de euros. Toda a gente fez aqui um esforço combinado para manter a empresa porque acreditamos profundamente que a empresa vai criar valor, vai regressar àquilo que foi no passado e, eventualmente, ampliar as suas vendas.
Agora vai utilizar todo o portfólio que a Mutares tem para promover a rede de carregamento elétrico através da Lapeyre e da Arriva; vai promover em tudo o que é centrais de biomassa, através da Guascor, que é uma empresa que produz motores para centrais, motores a gás para centrais de biomassa; vai através da Toshiba para tudo o que são as utilities elétricas e potenciar a venda de transformadores. Portanto, é um caminho que me parece sólido.

— Outra empresa dita estratégica é a TAP. Na pandemia, o Governo decidiu nacionalizar e agora decide privatizar. Então, afinal, a TAP é estratégica ou já não é?
ACS — A TAP é um dossiê que não está sob a minha gestão. A minha grande preocupação com a TAP tem que ver com a conectividade aérea. Todos os estudos sobre a economia portuguesa mostram que a conectividade aérea é uma das variáveis que condiciona fortemente o desempenho da economia.
Portanto, nós temos de ter uma TAP forte, temos de ter o hub de Lisboa e não podemos esquecer também as outras regiões do país porque isso condiciona a economia ; e não é só turismo, é tudo o resto. Temos uma economia que está vibrante, tem muitas ligações internacionais, nós conseguimos inserir-nos nos radares internacionais e a Web Summit também contribuiu muito para isso, sobretudo ao nível das empresas tecnológicas.
É outra transformação significativa na nossa economia. Temos cada vez mais empresas tecnológicas e elas, quando nascem, nascem como empresas globais, com toda uma conectividade no planeta inteiro e precisamos das ligações aéreas. Espero que esse processo chegue a bom porto.

— Se o défice público, este ano, for de zero ou até se houver superavit e se a dívida pública também baixar para cerca de 100% do PIB, como se prevê, haveria margem para baixar impostos dos vários agentes económicos, designadamente das empresas?
ACS — Sim, isso é um debate que temos tido em múltiplas áreas. Temos de ser equilibrados relativamente aos impostos. Sou das pessoas que acreditam que se tivermos impostos equilibrados, libertamos o potencial produtivo da economia, desde logo o potencial produtivo das empresas e, portanto, o país vai ter de fazer um caminho nessa direção.
A opção que tomámos este ano foi, sobretudo, a redução transversal do IRS para as pessoas. Temos também a redução seletiva do IRC para as empresas que investem em inovação e desenvolvimento tecnológico. Vamos continuar a fazer o caminho porque o país tem de ter uma economia pujante para ter também umas finanças públicas pujantes.
A economia é absolutamente decisiva e nós nunca, por nunca, podemos subalternizar a economia ou desprezar a economia e desprezar a capacidade produtiva do país porque é a partir daí que tudo se gera.
Discutimos muito, no nosso país, a questão da distribuição da riqueza, mas discutimos pouco a geração da riqueza. A geração da riqueza está umbilicalmente ligada a impostos que sejam equilibrados e está ligada à capacidade de inovação, conhecimento, qualificação das pessoas, umento da produtividade e competitividade. Nós temos de fazer esse caminho para termos uma economia cada vez mais robusta.

— Temos de crescer mais e ter também empresas com maior escala. Se o senhor ministro tivesse o poder de acabar com alguns dos muitos custos de contexto que são conhecidos em Portugal, quais escolheria: burocracia, corrupção ou a elevada carga fiscal?
ACS — Sim, esses claramente, mas na burocracia já estamos a fazer alguns esforços. Há uma task force no seio do governo para acelerar o licenciamento e já há várias resoluções do Conselho de Ministros que aprovaram, sobretudo na parte industrial, para equipamentos pesados e para outras áreas como no urbanismo.
O licenciamento é absolutamente importante porque nós não podemos ter as empresas que apresentam os seus projetos a estar anos e anos à espera de uma resposta e temos de ser muito mais eficientes.
Acredito que, se conseguirmos digitalizar a administração pública, trazer uma nova geração de trabalhadores para a administração pública que sejam capazes de desenvolver esses processos e de olhar para toda a cadeia de decisão e, sobretudo, adotarmos aquilo que está previsto na revisão do código administrativo desde 2015 (que são as conferências deliberativas) e não esperar que cada organismo faça o seu parecer e depois todos se refugiam atrás do parecer que emitiram e ninguém decide… Não podemos operar assim e não nos podemos transformar numa sociedade da indecisão a todos os níveis. É necessário decidir, é necessário atuar e é necessário simplificar todos os processos.


— Em 2043, dentro de 20 anos, Portugal irá celebrar 900 anos como Estado-Nação mais antigo da Europa com fronteiras definidas (excepto Olivença). Como imagina o país dentro de 20 anos?
ACS — É uma excelente pergunta. Tive a oportunidade de agradecer ao presidente da Câmara Municipal de Guimarães que me convidou este ano para estar com ele na celebração da Batalha de São Mamede. De facto, quando estamos em frente ao castelo de Guimarães, ali naquele terreno onde começou a história do país, sentimos que temos o legado de gerações e gerações que desenvolveram o país, lutaram, resistiram e chegaram até aqui. Temos a obrigação de respeitar o legado e ampliá-lo para o futuro.
Para 2043, vejo um país com uma economia muito mais avançada e mais resiliente, com todas estas transformações que estão a começar em múltiplos setores, com a adoção desta nova onda de tecnologias digitais. A McKinsey tem um estudo muito interessante que diz que esta nova onda de tecnologias digitais pode ter um efeito na economia dez vezes mais rápido do que a revolução industrial e a uma escala 300 vezes maior. É uma transformação exponencial de que estamos aqui a falar…


— E Portugal tem de saber aproveitar essa transformação…
ACS — Exatamente. Acredito profundamente que a inteligência artificial e as máquinas que aprendem vão ser absolutamente cruciais e vão ter um efeito na produtividade porque a inteligência artificial generativa e os seus modelos de linguagem podem propiciar a automatização de muitas das tarefas rotineiras e assistir os trabalhadores em múltiplas funções para aumentarem a sua produtividade e concentrarem-se no que fazem.
Os quick gains, os ganhos que estão no curto horizonte, da aplicação destas técnicas de inteligência artificial são da ordem de 4,4 biliões de dólares no mercado mundial.
Espero que Portugal catalise isso e ver um país que já tenha sido capaz de desenvolver toda a sua dimensão marítima. Estamos a instalar um centro de biotecnologias marinhas em Matosinhos nos antigos terrenos da refinaria da Galp e esse centro nessa altura pode ser pujante. A economia mundial do mar vale, hoje, 100 mil milhões de dólares, mas vai duplicar o seu valor até o fim desta década e nós podemos capitalizar entre 5 e 7% desse valor.
Todos os setores que estamos também a tentar desenvolver como o das ciências da saúde, da fabricação de medicamentos, todo o setor da aeronáutica e do espaço. Recordo o nosso grande centro de investigação que é o CEiiA, onde, com toda a tecnologia e engenharia portuguesa no âmbito do projeto da Embraer, foi construído o KC390, a primeira aeronave construída integralmente no país, de dimensão média. Portanto, isto é um mercado que também podemos explorar…
Há múltiplas outras áreas, incluindo o setor primário, a agricultura, que se está a reinventar, e o setor terciário, com o comércio e os serviços. Este governo é, provavelmente nos últimos 20 anos, o que fez o maior investimento no comércio e serviços com os bairros digitais e as incubadoras digitais que vão mudar a fisionomia do comércio em todas as regiões do país. Temos muitos projetos em desenvolvimento com grande adesão quer das empresas, das autarquias e das regiões.

Nota da Redação: a entrevista ao ministro da Economia e do Mar foi feita dia 6, antes da notícia das buscas ao gabinete do primeiro-ministro (e de outros membros do Governo) e do anúncio da demissão de António Costa (início da tarde de terça-feira, dia 7). Pela relevância do conteúdo, inclusive sobre questões energéticas (lítio para baterias e hidrogénio), decidimos publicar aquela que poderá ser a última entrevista de António Costa Silva enquanto ministro da Economia.