Diabetes: uma questão de saúde pública

1,1 milhões de portugueses carregam esta doença, mas há 40% não diagnosticados.

A diabetes afeta mais de um milhão de portugueses. Encontra-se no top 10 das causas de morte no nosso país e é causa de elevada morbilidade e mortalidade prematura. Não raras vezes é uma doença silenciosa, mas muito complexa que está na origem de muitas complicações de saúde.
Os números falam por si em termos de padecimento. Um terço dos diabéticos desenvolve retinopatia diabética e um terço desenvolve doenças cardiovasculares. Quatro quintos das doenças renais terminais ocorrem em pessoas que sofrem de diabetes de tipo 2, associada a hipertensão. É, ainda, causa de mortalidade prematura e incapacidade, na decorrência de cegueira, amputações ou insuficiência cardíaca.
Todavia os números também falam por si em termos de prevalência da doença. Aproximadamente 10% da população mundial (537 milhões de pessoas) vive com diabetes e, na Europa, mais de 33 milhões de pessoas sofrem desta doença, prevendo-se que aumente para 38 milhões em 2030.
Em Portugal, o retrato também não é animador. No presente ano, o Observatório Nacional da Diabetes divulgou a última avaliação efetuada aos dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde e o balanço é preocupante: o número de pessoas com a doença aumentou 20%, em sete anos e, em termos de prevalência, Portugal integra o top 3 da Europa. Atualmente, 1,1 milhões de portugueses carregam para a vida esta doença, mas a proporção de pessoas não diagnosticadas encontra-se na ordem dos 40%. De facto, a diabetes evolui muitas vezes de forma silenciosa e só se descobre a doença casualmente, quando se faz um exame de rotina ou, na pior das hipóteses, na decorrência de alguma complicação relacionada.
Acresce, ainda, que a diabetes afeta de forma desigual diferentes grupos socioeconómicos e que os fatores socioeconómicos determinam a sua incidência na vida das pessoas. Lugares e comunidades envelhecidas, com baixa escolaridade, desemprego elevado, baixos rendimentos, más condições da habitação, fraca disponibilidade de infraestruturas que incentivem a adoção de estilos de vida saudáveis e com dificuldades de acesso aos cuidados de saúde transformam-se em ambientes vulneráveis, determinantes para a incidência da diabetes.
Esta é, pois, uma doença crónica de proporção epidémica, constituindo-se como um possível obstáculo à concretização do objetivo de desenvolvimento sustentável 3.4, da Organização das Nações Unidas (ONU), de até 2030 se reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis através da prevenção e tratamento, bem como promover a saúde mental e o bem-estar.
Este mês, no dia 14, assinalou-se o “Dia Mundial da Diabetes”, sendo sem dúvida alguma um bom mote para refletirmos as estratégias de ação, até porque estamos perante um dos maiores desafios da saúde pública nacional e mundial.
Este ano, assim como nos dois últimos, a ONU estabeleceu como tema o acesso aos cuidados, pretendendo alertar para a necessidade de ser garantido o acesso a mais e melhores cuidados de saúde a indivíduos com diabetes. Mas, o foco da campanha deste ano é atrasar ou prevenir a diabetes tipo 2 e as complicações relacionadas, com o mote “Conheça o seu risco, conheça a sua resposta”. Um claro olhar na prevenção.
De facto, o número crescente de indivíduos com diabetes está nitidamente associado a uma insuficiente prevenção dos fatores de risco subjacentes a esta doença. Mais de 95 % dos diabéticos sofrem de diabetes de tipo 2, com fatores de risco como um peso corporal acima de um nível saudável, consumo de tabaco, falta de exercício físico e alimentação pouco saudável. Todos fatores de risco evitáveis!
Neste problema de saúde a palavra que me ocorre é: evitar. Evitar algumas formas de diabetes, como é o caso da diabetes tipo 2 e da diabetes durante a gravidez, assim como evitar as complicações relacionadas com a diabetes e outras consequências desta doença.
E como o evitar? A resposta é simples. Apostando na prevenção dos fatores de risco.
Mas, como apostar nesta prevenção? Através de políticas que tenham em conta os fatores de risco da doença relativamente aos quais é possível agir, tais como a promoção de uma vida ativa e sem tabaco e do acesso a alimentos saudáveis, bem como políticas que tenham em conta os fatores ambientais, culturais e socioeconómicos da saúde e a promoção do diagnóstico e da intervenção precoces.
De uma forma simples, mas não simplista e redutora, podemos dizer com clareza que esta é uma doença essencialmente nutricional, que em muito se pode prevenir, e que quando instalada tem como base de tratamento a alimentação.
Claro que o tratamento desta doença tem que consistir numa abordagem multidisciplinar, individualizada e centrada no doente. As equipas de profissionais de saúde desempenham um papel essencial na educação destes doentes, para auxiliar na adaptação à doença, à terapêutica e, ainda, à vigilância da glicemia.
Contudo, é importante lembrar e reforçar: a terapêutica desta doença pode necessitar de ser medicamentosa, mas nunca poderá deixar de ser nutricional.
A nossa sociedade é claramente dicotómica: assistimos a um número crescente de indivíduos com diabetes quando na realidade algumas das situações que evoluíram para patologia poderiam ter sido evitadas, se a prevenção da doença e a promoção da saúde através da alimentação fosse mais eficaz.
Podemos inferir que os contextos de vivência do indivíduo podem influenciar os padrões de incidência, prevalência e mortalidade da diabetes, com consequências para o sistema de saúde, segurança social e qualidade de vida.
Aqui importa sublinhar o papel essencial de um ambiente alimentar saudável intensificando ações que garantam que os alimentos mais saudáveis e sustentáveis sejam também os mais acessíveis do ponto de vista físico e dos custos.
Há um conjunto de ações que os países têm que implementar e Portugal tem vindo a dar passos nesse sentido, mas não está a ser suficiente, são precisos passos mais firmes e mais seguros pois a realidade demonstra-nos que algo está a falhar. Há vários anos que consideramos a diabetes um problema prioritário, tendo inclusive um plano nacional para travar o seu crescimento, mas efetivamente não estamos a conseguir atingir esse objetivo.
Diria que sendo esta uma doença considerada um problema de saúde pública, que envolve vários setores da sociedade e que o seu crescimento se encontra relacionado com a combinação de um conjunto de fatores que devem ser imperiosamente avaliados, urge um pacto nacional que envolva a prevenção, a gestão e a melhoria dos tratamentos da diabetes, mas em que a prevenção não seja considerada o mínimo do máximo.
A diabetes está instalada, a ganhar proporções, não podemos apenas reagir, temos de agir com uma estratégia mais robusta e concertada, mas também com a consciência de que os nossos comportamentos individuais e coletivos influenciarão a mudança, ajudando na desaceleração da doença no país.

Ex-Bastonária da Ordem dos Nutricionistas