Ana Pinho: “Os mecenas têm relação de interesse e amor com Serralves”

A Fundação Serralves é cada vez mais visitada por público estrangeiro e já é financiada por privados em dois terços. Ana Pinho conta como faz crescer 12 M euros nesta organização de excelência.

A Fundação Serralves é cada vez mais visitada por público estrangeiro e já é financiada por privados em dois terços. Ana Pinho conta como faz crescer 12M euros nesta organização de excelência.

O que diferencia a Fundação Serralves como um caso de excelência no panorama das organizações não empresariais, com enorme participação cultural no Norte e no país?
Ana Pinho — A Fundação Serralves teve a sorte, há muitos anos, quase há 35 anos (quando foi criada, em 1989), de ter havido vontade de um conjunto alargado de pessoas e de entidades, empresas públicas, privadas e o Estado, que decidiram usar este extraordinário local onde nós estamos (este parque histórico de 18 hectares) para aqui criar uma fundação virada para a contemporaneidade.
E já com o objetivo de construir aqui o primeiro museu de arte contemporânea em Portugal, o que aconteceu dez anos depois, em 1989, com a abertura ao público deste edifício onde estamos hoje, da autoria de Álvaro Siza. Diria que os princípios que lançaram a fundação foram uma base fundamental para o seu desenvolvimento porque houve vontade que esta fundação estivesse, com certeza, ao serviço de todos os portugueses e de Portugal, mas sempre com uma visão internacional. E isso foi altamente diferenciador, diria eu, na sua atuação ao longo dos anos.
Depois, a fundação passou por períodos diferentes e o que temos tentado fazer, para falar mais da fase em que estou à frente da fundação (desde 2016) é continuar essa estratégia, mas potenciando-a ainda mais. tentando ter cada vez mais presença internacional e no território nacional, alargando o âmbito daquilo que fazemos e das atividades que desenvolvemos, que não estão só centradas na arte contemporânea.
Há muitas atividades. Damos cada vez mais importância ao Parque de Serralves e àquilo que o Parque de Serralves faz ao nível da educação e sensibilização para a questão da necessidade de preservação do ambiente e para uma vida mais sustentável, ao desenvolvimento de vários programas que misturam ciência com arte e ambiente; também à criação da Casa do Cinema, em 2019, para tentar que haja cada vez mais proximidade de públicos; abrindo a fundação em várias alturas do ano através de grandes eventos que são abertos, gratuitos, porque isso é uma forma de aproximar o público e de trazer pessoas que de outra maneira não viriam cá e assim começam a vir.


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— E há cada vez mais estrangeiros, não apenas portugueses?
AP — Cada vez mais estrangeiros. E um envolvimento grande de cada vez mais fundadores, o que é fundamental porque esta fundação, ao contrário de muitas outras fundações culturais, tem um peso do Estado bastante mais reduzido.
É uma parceria muito bem sucedida entre o Estado e os privados, mas em que o Estado tem um peso na nossa exploração de cerca de um terço, ao contrário de outras fundações em que o Estado tem um peso de mais de 85 a 90%. Aqui, os privados têm contribuído muito ao longo dos anos, em especial nos últimos anos.


— Isso acontece ao abrigo do mecenato, mas os privados também esperam contrapartidas. Por exemplo, esperam que a fundação seja bem gerida…
AP — Sim, mas, pela minha experiência, nós temos um envolvimento muito grande de fundadores e de mecenas. Os fundadores entram aqui como “capital”, embora não haja capital na fundação.
As contribuições dos fundadores existem para nós comprarmos obras de arte, para fazermos investimentos, como fizemos ainda agora com a expansão do museu, a Casa do Cinema, o Treetop Walk, várias coisas.
Depois temos um mecenato anual que nos ajuda na nossa exploração. Portanto, é, de facto, por duas vias.


— Está a gerir um orçamento anual de que ordem?
AP — Temos, atualmente, um orçamento de cerca de 12 milhões de euros, com uma contribuição do Estado de 4,1 milhões e o resto são receitas próprias e mecenato.
A lei do mecenato para particulares não é propriamente atrativa em Portugal, mas as empresas podem majorar as suas contribuições e ter algum benefício fiscal com isso.
Claro que hoje elas cada vez estão mais atentas e, mesmo que não queiram, têm de fazer este tipo de apoios, este e outros, porque o ESG [práticas ambientais, sociais e de boa governança das empresas] é fundamental na gestão das empresas e os investidores nacionais e internacionais e os stakeholders dão muita importância a esse facto.
Mas é muito mais do que isso. É um conjunto de coisas. Acho que a relação dos mecenas e dos fundadores com Serralves é uma relação de interesse e de amor, ao mesmo tempo. Interesse é isso que já referi e é uma relação de amor muito grande com esta instituição porque veem aqui um projeto no qual se reveem, um projeto que é dinâmico e que tem um papel fundamental na cidade, na região, no país. As pessoas identificam-se com ele e querem fazer parte dele. Estão muito envolvidas e o facto de não termos um valor muito grande do Estado todos os anos cria, necessariamente, dinâmica e a necessidade de lutar por mais. E isso eu acho que é positivo.


— Quantas pessoas é que gere?
AP — Temos 90 e muitos trabalhadores e depois temos várias áreas externalizadas, como segurança, limpeza… trabalhamos também com prestadores de serviço. Há alguns curadores externos que trabalham connosco ao nível de edição de catálogos e trabalhamos com os próprios artistas nos grandes eventos.


— No Sucesso.pt, analisamos empresas, mas estamos agora numa fundação de arte contemporânea. Muitas vezes não se tem a noção do peso do intangível, da cultura e da arte, na economia. Como é que consegue medir isso?
AP — Há muitas coisas que não se conseguem medir, mas outras sim. Nós conseguimos medir isso no número de pessoas que cá vêm todos os anos e são mais de um milhão e cem mil pessoas, um valor bastante elevado, mesmo ao nível internacional.
Conseguimos medir isso nas pessoas que também frequentam os nossos programas de serviço educativo, nomeadamente as crianças e os jovens. É absolutamente fundamental para o desenvolvimento deles e para a criação de cidadãos futuros; prepará-los, dar-lhes esta injeção de arte, de cultura, sensibilização para o ambiente e para o planeta em que nós vivemos. Não desenvolvemos só a área da arte contemporânea, mas também a arquitetura, o cinema, a paisagem, o ambiente…
Há uma área importante que é a reflexão em geral sobre os temas críticos da nossa sociedade e o seu futuro. Fazemos muitas conferência e essa participação cada vez mais entusiasmada do público, tanto no nosso público geral como em eventos específicos, mostra-nos que isso é uma medida do impacto que temos e do lastro que temos na sociedade.
Temos três grandes eventos por ano que é o Serralves em Festa, a Festa do Outono e o Bioblitz, que é um grande evento de educação ambiental. Nós potenciamos muito nos últimos anos, até através de parcerias com os media, para comunicar o que estamos a fazer. Por exemplo, o Serralvez em Festa, que este ano teve quase 300 mil pessoas num fim de semana, foi quase o dobro do que tivemos em 2015. O Bioblitz passou de 3 mil pessoas para 56 mil este ano porque nós alargámos o evento, que era só realizado durante um dia e depois passou a uma semana inteira, durante os dias escolares, de segunda a sexta, em exclusivo para as escolas. A Festa do Outono também tinha, em 2015, cerca de 20 mil pessoas e agora, a última edição, teve 95 mil. Este tipo de eventos é fundamental por ser uma forma de nós chamarmos pessoas.


— E procura demonstrar que a cultura não é elitista?
AP — Aquilo que temos feito nos últimos anos, e que este Conselho tem tentado fazer, é, precisamente, abrir esta Fundação. Isso é o motivo pelo qual se tem conseguido, nos últimos anos, fazer aqui um percurso com muito mais envolvimento de pessoas, de todo o género.
Isso é em várias vertentes. Nos grandes eventos, tentar abri-los muito mais, por forma a que as pessoas que não viriam cá passem a ser público regular. Depois, mesmo ao nível de áreas de atuação (estávamos muito centrados no museu e na atividade da arte contemporânea), temos alargado, cada vez mais, o âmbito da atividade. Criámos a Casa de Cinema, que abriu ao público em 2019 e construímos o Treetop Walk, também em 2019, que permite potenciar muito mais os programas de educação ambiental.
Mesmo em relação à atividade em si, do museu, voltámos a ter as grandes exposições no parque, que trazem muito mais público. Temos procurado ter sempre uma programação equilibrada, que, a todo o tempo, tenha exposições ou iniciativas que chamem pessoas, o público em geral não especializado, à Fundação, e ter exposições mais experimentais, mais dirigidas a especialistas (que o grande público também vê) porque vem cá atraído por outra coisa. Essas exposições são fundamentais e achamos que devemos mostrá-las, que as devemos dar a conhecer.
Fizemos um esforço muito grande em potenciar as exposições que fazemos fora de portas — não só exposições, também outras iniciativas, e não só do museu, mas do parque e da Casa de Cinema — levando a nossa coleção, em grande parte a coleção de arte contemporânea de Serralves, ao país inteiro.
Temos feito cerca de 25 exposições por ano fora de portas desde 2016. Isso é uma ferramenta muito útil para comunicar a Serralves. Normalmente, fazemos essas exposições com as autarquias nossas fundadoras e isso leva a que haja relações de sentido inverso porque, entretanto, vêm cá as escolas dessas autarquias e elas próprias, as autarquias, também participam dos nossos grandes eventos, trazendo atividades e programas.


— Partilham a vossa riqueza cultural pelo país. E internacionalmente, qual é a estratégia?
AP — Temos também tentado abrir a fundação no sentido de ter muito mais presença internacional, fazendo várias iniciativas internacionais e levando exposições nossas a vários locais e atrair cada vez mais pessoas à volta de Serralves. Isso tem acontecido de uma forma muito explícita. Nos últimos anos, desde 2016, em sete anos, entraram cerca de 150 novos fundadores, conseguindo mais de 50% das entradas de um período de 34 anos. Isso é uma força muito grande. A entrada de fundadores não é só importante pelo apoio económico-financeiro que isso significa, mas também pelo envolvimento das pessoas e pela dinâmica que isso cria.
Tem sido fundamental na nossa estratégia e tem-nos permitido fazer cada vez mais, incluindo a nova ala do Museu de Serralves que acabámos de abrir e que está precisamente dedicada à coleção e à arquitetura, uma área que faz parte da nossa missão e que temos de desenvolver mais.
Na área da coleção também nos fazia alguma espécie que anualmente adquiríssemos obras de arte, um valor substancial, e que depois ficassem guardadas. Passou a fazer parte da estratégia de Serralves que a coleção esteja sempre exposta. Antigamente, não tínhamos um espaço específico para a coleção; ela estava exposta, às vezes, em exposições maiores, outras vezes nas mais reduzidas, aqui em Serralves. O programa de itinerâncias permitiu precisamente mostrar mais a coleção e levá-la a todo o país, aos locais onde as pessoas vivem, desde Caminha a Faro, desde Lisboa ao Porto a Mirandela e à Guarda e a Ponta Delgada.
Portanto, temos autarquias fundadoras de todo o país, Portugal Continental e Ilhas, e estamos a desenvolver muito este programa precisamente para levar a arte contemporânea — a maior parte destas exposições são a partir da coleção da arte contemporânea, embora também algumas sejam sobre cinema e sobre ambiente —, junto das pessoas porque assim estamos a cumprir de uma forma muito mais completa a nossa missão. A coleção agora está sempre exposta, até porque temos uma nova ala que nos permite fazê-lo em permanência.


— Recentemente, com uma justíssima homenagem ao arquiteto Álvaro Siza Vieira…
AP — Exatamente. Decidimos porque ele é o autor deste museu, do projeto inicial, da Casa Manoel de Oliveira, das obras de qualificação da Casa de Serralves…
Acho que Serralves é o local no mundo onde há mais edifícios Siza e, por isso, esta nova ala (que é um projeto belíssimo do Álvaro Siza, executado num tempo curtíssimo, um ano e pouco) levou-nos a querer homenageá-lo no ano em que ele faz 90 anos, dando o nome dele à nova ala, embora, na verdade, também a antiga e os outros edifícios tenham sido concebidos por ele.

À minha maneira

Quem é a Ana Pinho e qual é o seu estilo de gestão e de liderança?
AP — Tenho 55 anos, quase 56, sou casada, tenho um filho e uma ligação muito forte à minha família próxima. Tenho a sorte de ter tido, e de ter ainda, um pai e uma mãe absolutamente extraordinários e que têm um peso enorme naquilo que sou ainda hoje e de quem eu estou muito próxima… também o meu irmão, a minha irmã, enfim, toda a minha família, somos todos muito próximos. Sou uma pessoa muito entusiasmada por fazer acontecer e por novos projetos. É isso que tenho tentado fazer e tenho tentado envolver as pessoas nisso mesmo.
Aqui em Serralves, temos conseguido, nos últimos anos, fazer muita coisa. Fomos fazendo ano a ano e o parque, hoje em dia, está completamente requalificado. A todas as novas estruturas que foram abrindo acrescente-se o envolvimento fora de portas, as grandes exposições que voltaram a acontecer, o enorme envolvimento de públicos, a presença de artistas e investigadores portugueses e internacionais e o grande envolvimento dos fundadores e mecenas à volta da Fundação.

— A pergunta é no sentido de saber se gosta de incluir e ouvir…

AP — Sim, ouço muito, sempre. Não acho nada que as ideias tenham de vir apenas de nós ou das nossas pessoas mais próximas. Devemos estar sempre atentos e aprendermos muito com os outros.
Sem dúvida que acredito ser fundamental estar sempre aberta às ideias dos outros, dos que nos estão próximos na equipa e também de outras pessoas, de fora, que nos trazem ideias que são interessantes e que temos de desenvolver.

Sim, conseguimos

Qual terá sido, nos seus mandatos, a maior adversidade ou o maior obstáculo que encontrou e como é que superou?

AP — Há várias coisas, mas, se pensar na fundação em si, julgo que, como todas as fundações culturais, a Serralves foi muitíssimo afetada, como toda a área da cultura, foi muito afetada, durante a Covid. Todas as instituições o foram. Fomos simplesmente obrigados a encerrar ao público por dois períodos, durante meses em períodos diferentes, e tivemos que nos reinventar de um momento para o outro e aguentar.
Se calhar muitas pessoas não têm noção, fomos das poucas instituições culturais no mundo que conseguiu manter a atividade. Nós não cortámos exposições, não cortámos atividades e isso foi algo muito único, mesmo ao nível internacional.
O que fizemos foi manter as exposições, adiando o fecho das que estavam programadas sem cortar nada. Isso obrigou-nos a um esforço muito grande porque, de repente, perdemos uma fatia importante do nosso financiamento que são as receitas das entradas, dos eventos e outras.
Os privados tiveram até um contributo superior e conseguimos manter tudo, fazendo também um exercício muitíssimo forte de contenção de custos, mas, sobretudo, acho que devemos estar orgulhosos em Serralves por não termos reduzido.
A maior parte das instituições, e grandes instituições, começaram a fazer só exposições da coleção, por exemplo, dos museus e nós não fizemos isso.
Mantivemos o que estava programado e conseguimos passar por este período, de forma bastante positiva.

Portugal 2043: “Devemos estar ainda mais abertos”

Na rubrica “Portugal 2043”, o desafio é imaginar o país dentro de 20 anos, não apenas como presidente desta fundação, mas também como cidadã. O que gostaria que acontecesse para termos um país bem melhor, quando celebrarmos 900 anos como Estado-nação mais antigo da Europa, com fronteiras definidas?
AP — Gosto muito de abertura e acho que nós devíamos estar ainda mais abertos.
Gostaria de ver o país, mantendo as suas características culturais (que são interessantíssimas e fundamentais para aquilo que somos), mais aberto, tanto na ida de portugueses para fora como na vinda de estrangeiros para Portugal. Mais aberto à diferença, a saber aceitar as coisas e a conviver com a diferença, porque todos ganhamos e evoluímos mais com isso.
Definitivamente, gostaria que fôssemos um país com maior crescimento económico e com salários mais altos. Seria fundamental para nós, na área económica, conseguirmos evoluir. Temos outros países que conseguiram fazê-lo, que estavam há alguns anos como nós e que hoje estão (por exemplo, a Irlanda) muito acima de Portugal.
Gostaria muito que isso acontecesse, que as pessoas pudessem viver melhor, e que houvesse um desenvolvimento mais harmonioso do território, com o interior a ser cada vez mais povoado, em vez de ficar mais deserto. Isso implica que haja visão de longo prazo no desenvolvimento de infraestruturas e na capacitação de territórios. Julgo que isso é fundamental para a nossa posição daqui a 20 anos.
Gostava que fôssemos e vivêssemos todos mais felizes. Ainda na área económica, temos de pensar nos setores em que temos vantagens competitivas. Vou dar o exemplo do setor do turismo, fundamental, na minha opinião, para o desenvolvimento do país. Temos condições únicas em muitas coisas para que esse seja um setor importante e, por isso temos de, evidentemente, ter cuidado com a vida das cidades e das populações.
Temos de deixar que esse setor possa continuar a desenvolver-se. É um setor específico ao qual Serralves está ligada, não sendo o único. É um setor que tem futuro e que poderá continuar a trazer riqueza ao país.
É evidente que temos de continuar a desenvolver as nossas instituições de ensino, as nossas universidades, e também a investir em cultura porque o dinheiro que o Estado dá à cultura não é um gasto, é um investimento.
Nós não dizemos os gastos na educação, mas dizemos o gasto na cultura. O subsídio à cultura não é subsídio nenhum; é um investimento porque ela é fundamental para o desenvolvimento das pessoas, para a criação de cidadãos responsáveis e mais informados no futuro, mais abertos à diferença e à criatividade. Espero que esse investimento aconteça também.

Nota da Direção: A Fundação Serralves é analisada pelo “Sucesso.pt”, tal como a NovaSBE e a SEDES já foram, pela excelência da sua organização e notável contributo para uma sociedade civil mais forte. O Portugal Amanhã continuará essa missão.