Brian Klaas: “Portugal não pode tolerar qualquer nível de corrupção”

Brian Klaas entrevistou centenas de líderes corruptos para traçar o perfil de quem abusa do poder. O autor do livro ”Corruptíveis” esteve em Portugal, numa altura em que o país passa por um ”momento de teste”, com o recente escândalo de corrupção no Governo. “O poder é um íman para corruptos”, afirma.

“O poder corrompe ou atrai os corruptos?”. Foi este o mote do debate que trouxe Brian Klaas, cientista político americano e professor, a Lisboa, no dia 27 de novembro, para um encontro com lideranças, a convite da Revista Líder e no âmbito do projeto OFF THE RECORD. O autor do livro “Corruptíveis” entrevistou centenas de líderes corruptos e deixa algumas pistas de como os identificar.

O que é que torna uma pessoa corrupta? É o poder ou há alguma predisposição para a corrupção?
Brian Klaas – Existe basicamente uma interação entre personalidades individuais e sistemas. Algumas pessoas têm uma visão simplista que defende que pessoas más são corruptas. Outras têm uma visão totalmente oposta, que defende que sistemas corruptos produzem corrupção. Na verdade, é uma interação entre os dois. Há um excelente estudo que citei no meu livro, que, basicamente, mostra que em sistemas corruptos, as pessoas corruptas tendem a gravitar mais para o poder, enquanto em sistemas “limpos”, que não são corruptos, as pessoas com integridade tendem a gravitar mais para o poder. Ao mesmo tempo, pessoas que são psicopatas, por exemplo, querem sempre poder.
O que eu argumento no meu livro é que o poder corrompe as pessoas e torna-as piores, mas o maior problema é que o poder é um íman para indivíduos corruptos. Atrai pessoas que estão ali pelas razões erradas. A maioria das pessoas que vão para o poder não são apenas motivadas pelo serviço. São motivadas pela ganância pessoal ou pela ideia de ter poder sobre outras pessoas. É preciso desenhar todos os sistemas com isso em mente. Tem de se afastar as pessoas erradas, para garantir que pessoas orientadas para o serviço público possam liderar.


Numa entrevista recente referiu que “ter os políticos certos é a melhor forma de salvar a democracia”. Como é que podemos identificar quem são os políticos certos?
BK – Uma das questões que sugiro perguntar às pessoas que querem poder é: para que é que elas querem o poder? Para uma pessoa comum, o poder é um fardo. A maioria não quer ser muito poderosa porque é stressante, tem um enorme peso na vida pessoal e há jornalistas a questionar sobre tudo que fez no passado. Quando pensamos em políticos, eles não se sentem dessa forma; querem o poder por causa disso.
Uma pergunta muito boa é: o que é que, depois de alcançar, o faria desistir do poder? Se eu tivesse poder, eu desistiria do poder quando tivesse alcançado o meu objetivo, porque vejo o poder como algo instrumental. Uma pessoa que está ligada ao serviço, vê o poder como um meio para um fim e não como um fim em si. Para as pessoas com fome de poder, o poder é o objetivo.
Outra forma é ver como as pessoas se comportam em posições em que ninguém está a ver. Se em níveis de poder baixos, por exemplo, a pessoa tem um histórico limpo, isso é um bom sinal. Enquanto que, se existem referências pequenas de incumprimento de regras nos níveis baixos, isso é uma grande red flag, porque, quanto mais poder, maior a capacidade de violar leis e descumprir regras. Ter um histórico forte de integridade é bom e sugere que a pessoa será melhor quando estiver no poder.
Abraham Lincoln tinha uma coisa chamada “equipa de rivais”, em que, basicamente, escolheu os seus oponentes políticos para o Conselho de Ministros. Fez isso porque queria que lhe dessem uma visão alternativa e, as pessoas que têm realmente fome de poder, odeiam que discordem delas. Se a pessoa reage mal quando alguém a desafia, isso é um mau sinal, porque sugere não está aberta a pontos de vista alternativos e não se importa com o resultado final, só se importa com o próprio ego.
Os políticos são mestres em esconder a sua personalidade real dos eleitores. Nunca são eles mesmos quando estão em campanha. Mas, há várias red flags que podem ser identificadas e muitas perguntas que podem ser feitas.

Teve a oportunidade de entrevistar centenas de líderes corruptos para escrever o seu recente livro “Corruptíveis”. Que traços de personalidade é que tinham em comum?
BK – Esse é o paradoxo, quase todos eram muito carismáticos. Isso acontece porque as pessoas que são poderosas são charmosas. Até mesmo as que entrevistei e que fizeram coisas horríveis, que mataram ou torturaram pessoas, eram muito carismáticas. Bem, nem sempre, algumas delas eram psicopatas a um nível em que se tornava muito desagradável e estranho. Mas, a maioria é boa em fazer com que as pessoas gostem delas, porque isso é parte do poder.
O paradoxo do poder é que as pessoas que são boas em conseguir o poder, que são os políticos, não são as mesmas pessoas que seriam boas a governar. E esse é o problema da democracia. Eu ainda acredito completamente na democracia e que é a melhor forma de governo. O problema é que os eleitores precisam de avaliar as pessoas e todas as suas escolhas são superficialmente encantadoras.
Esse foi o principal traço comum, além do fato de que o poder e o ego são muito importantes para todos eles. A pior coisa que eu poderia ter feito durante a entrevista era sugerir que eu nunca tinha ouvido falar deles, ou que não eram importantes.
Nem todos os políticos são assim. Há muitas pessoas em lugares de poder que realmente querem fazer coisas boas, mas, é mais seguro assumir o pior e desenhar um sistema nesse sentido, do que assumir as melhores motivações e acabar prejudicado. A corrupção é um problema sistémico e é por isso que a reforma dos sistemas é tão importante.

Portugal está neste momento envolvido num escândalo de corrupção que conduziu à demissão do primeiro-ministro e à dissolução do Governo. Que conselho daria?
BK – Diria que este é um momento de teste para Portugal, onde a pergunta é se querem ser uma sociedade que tolera qualquer nível de corrupção. Se a resposta é não, então o que têm de fazer é estabelecer um parâmetro que passe a mensagem aos políticos de que há zero tolerância para corrupção. Isso não afeta apenas o momento político atual, mas condiciona quem se torna político no futuro. É óbvio que é preciso haver evidências. Se não houve nenhum crime, tudo bem, mas se houve, então as consequências precisam de ser duras. Ninguém quer que volte a acontecer o mesmo em dois, três ou quatro anos e isso tente a ser recorrente quando há consequências fracas para a corrupção.
Uma das coisas que aconteceram com o ex-presidente Donald Trump nos EUA é que, como ele violou tantas regras, as pessoas que se tornaram candidatas ao partido republicano são sistematicamente mais corruptas, porque olham para a política como uma forma de enriquecer, quebrar regras, etc.

Que medidas podemos adotar em Portugal e noutros países para evitar mais casos de corrupção?
BK – Deixo algumas recomendações no meu livro. Os jornalistas podem ser envolvidos nisto. Aconteceu uma coisa brilhante em Inglaterra, que eu sugeri e eles, efetivamente, fizeram-no. Um conjunto de jornalistas criaram uma empresa falsa, entraram em contacto com vários ministros do Governo e sugeriram pagar 10 mil libras para terem uma reunião com o primeiro-ministro. Não é a coisa mais corrupta do mundo, não é ilegal, mas é como um tráfico de influência. O que aconteceu foi que eles apanharam três ou quatro ministros em câmera, que concordaram em fazer isso. Agora, a questão não é que esses três ministros tenham sido derrubados, é que sempre que um ministro do governo recebe uma chamada ou um e-mail de uma empresa, vai-se perguntar se é uma empresa falsa. Vão-se comportar melhor, porque se preocupam com o risco.
Se for algo como os contratos de lítio, em que há uma série de contratantes e, ocasionalmente, há um jornalista a fazer-se passar por um contratante para conseguir um suborno e publica a história na primeira página, isso “limpa” o sistema quase do dia para a noite, porque os deixa paranóicos. Os políticos devem ter um medo saudável de serem apanhados se se envolverem com corrupção. Isso é apenas parte da democracia.