Ambiente e Economia: o Trade-Off Invertido

Já não será a economia a depredar o ambiente; será o ambiente a depredar a economia.

Nos últimos tempos temos assistido a um renascimento da relação dilemática entre Economia e Ambiente, embora em termos opostos ao que normalmente estávamos habituados. Na economia clássica, onde as externalidades não eram contabilizadas e os recursos naturais eram tomados como bens livres, a depredação ambiental não tinha qualquer limite, atenta a inexistência de uma apropriação defensiva dos ativos ambientais. Na sequência do Relatório Brundtland intitulado Nosso Futuro Comum, publicado em outubro de 1987, procedeu-se uma evolução da economia ambiental, concretizando-se o conceito de desenvolvimento sustentável. Este é um conceito de harmonização, conciliando a satisfação das necessidades da atual geração com a manutenção da liberdade das futuras gerações em fazer as suas opções, garantindo os recursos básicos (água, alimentos e energia a longo prazo), a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, o desenvolvimento de energia e tecnologias com uso de fontes renováveis.
Toda a arquitetura ambiental da União Europeia foi construída de acordo com este enquadramento básico em articulação com os Sustainable Development Goals (SDG´s), promovidos pelas Nações Unidas em 2015 e integrados na denominada Agenda 2030, e agora generalizadamente adotados. A mecânica deste modelo é linear: os custos sociais de qualquer ação humana devem ser internalizados nas cadeias de produção. Ocorrendo uma regressividade nos custos que onere desproporcionadamente agentes que os não podem sustentar, devem ser desenvolvidas políticas de apoio localizadas, assegurando a eliminação das assimetrias sociais ou territoriais. Poderemos criticar a (pouca) velocidade na integração destes novos valores na economia real, nomeadamente em tempos disruptivos (COVID, guerra, etc.), bem como a reduzida apetência dos países mais desenvolvidos em desenvolver programas de apoio às nações mais necessitadas. É igualmente criticável a assimetria nos esforços da Europa face aos Estados Unidos e à China. Os resultados económicos são claros. A Europa perdeu competitividade, e mais grave ainda, perdeu independência face a uma série de materiais críticos para a nova economia.
No dia 13 de novembro, a União Europeia chegou a um acordo provisório sobre um ato legislativo europeu sobre matérias-primas críticas. As matérias-primas críticas são materiais de elevada importância económica e que encerram um elevado risco de perturbações de aprovisionamento devido à concentração das suas fontes e à falta de sucedâneos de qualidade e a preços acessíveis. Estes materiais são considerados essenciais para a concretização do Pacto Ecológico Europeu, que tem como objetivo assegurar a neutralidade climática da EU até 2050 e para o programa REPowerEU, através do qual se pretende pôr fim à dependência europeia de combustíveis fósseis, aumentando a eficiência energética, diversificando o aprovisionamento e acelerando as transições para as energias limpas. Portugal posicionou-se muito bem para este desafio. Na base da cadeia das matérias-primas críticas está o lítio português, e as metas para a transição energética são bem mais audazes no nosso País. Mais do que um capricho, esta audácia permite atrair novos investimentos que tomam como referenciais primordiais precisamente o cumprimento dos SDG´s.
Qual é a particularidade destes novos projetos? Necessitam de ser desenvolvidos em largas parcelas de território. Minas de lítio, centros de dados, hidrogénio, grandes projetos fotovoltaicos e eólicos passaram a ser alvo de uma controvérsia avassaladora.
Qual a razão de tudo isto? Essencialmente a mesma política de proteção ambiental mas com uma base estrita territorial baseada na proteção da biodiversidade e dos ecossistemas.
Em Dezembro de 2022, em Montreal, aprovou-se a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (COP15), que tem como pressuposto proteger 30% do planeta durante esta década. Ora, o governo português aprovou uma Resolução do Conselho de Ministros na passada quinta-feira, a formalizar a adesão do nosso País a esse compromisso internacional. Ora, usando a nossa perspetiva napoleónica-formalista, assumimos imediatamente este mandamento como imperativo categórico, ou seja, como fim em si mesmo. E agora que foi formalmente rececionado, a sua legitimação é ainda mais ampliada. Ou seja, passámos, num ápice, do 8 para o 80. E é aqui que estão os riscos. Uma interpretação desregrada desta proteção de habitats e ecossistemas, baseadas em ações de investigação das estruturas do Estado em conjunto com ONG´s ambientais e universidades, levará inevitavelmente ao enclausuramento do território, ultrapassando os limites e as restrições do que consta no planeamento territorial. O risco e a incerteza aumentam. E, de facto, não está no mandamento destes investigadores e das estruturas administrativas sectoriais a realização de ponderações de balanço económico. Isso compete às instâncias governamentais que devem atuar na conciliação dos diversos interesses em presença. Se tal não for realizado, então assistiremos ao trade-off invertido. Já não será a economia a depredar o ambiente; será o ambiente a depredar a economia. Ambas as situações são terríveis em sede de Bem-Estar. De novo, necessitamos urgentemente de uma conciliação entre os valores em presença.
Para o bem de todos, há que ter bom senso. O sistema jurídico foi criado com esse pressuposto de ponderação. A certeza e a segurança são igualmente valores fundamentais. A chave para o desenvolvimento económico e para a proteção ambiental é a redução do risco. Não o aumentemos desnecessariamente.

Advogado e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa