Grupo Casais: “O meu papel como CEO é temporário. É um legado”

O grupo Casais está presente em 17 países, fatura 700 M.E. (67% fora do país) e emprega 5800 trabalhadores diretos (com indiretos serão 29 mil). Está a inovar com maior uso de madeira e da técnica off-site.

O grupo Casais está presente em 17 países, fatura 700 M.E. (67% fora do país) e emprega 5800 trabalhadores diretos (com indiretos serão 29 mil). Está a inovar com maior uso de madeira e da técnica off-site.

Qual é, neste momento, o principal fator diferenciador e distintivo da Casais?
António Carlos Rodrigues — Penso que todas as pessoas ou empresas se podem distinguir pela sua própria cultura. Quando nos comparamos com empresas similares, quer no mercado português, quer no mercado internacional, a nossa empresa sempre diversificou mercados, mas de alguma forma verticalizou aquilo que é a oferta de construção.
Para além da empresa de construção, nós temos uma série de outras empresas que trabalham não só para a nossa empresa construtora e para a imobiliária, como também para os nossos concorrentes, que muitas vezes também são parceiros.
Essa capacidade instalada de operação para entregar um componente ou entregar uma obra completa é um elemento bastante distintivo. O facto também de termos mão-de-obra própria, de termos meios e recursos próprios, faz com que nós tenhamos um contacto bastante mais cedo e mais próximo quer com o cliente, quer com o nosso fornecedor.
Por isso, lidamos com as dificuldades e os desafios, mas também com as oportunidades mais rápido do que um concorrente ou uma empresa que tem duas ou três layers de interface com outras empresas subcontratadas pelo meio. Criámos aqui um sistema muito mais sensível para uma reação mais rápida e também depois para implementar e operacionalizar mais rápido uma estratégia.

— Mas a vossa aposta em materiais é cada vez mais um misto de madeira com betão. Como e porque é que isso é feito? Permite acelerar imenso a montagem e a construção de edifícios?
ACR — Sim. A pré-fabricação já se faz há muito tempo e quando, às vezes, mostramos o trabalho pré-fabricado — prefiro não lhe chamar pré-fabricado porque tem uma conotação com algo que já se fazia nos anos 60 e até mais atrás e em outros países mais desenvolvidos do que o nosso — nós falamos normalmente em off-site, porque aquilo que fazemos na construção tradicional é tudo feito no local da própria obra, o que obriga a uma deslocação de todos os recursos como a mão-de-obra.
Por isso, deslocar a mão-de-obra ou contratar mão-de-obra local que não está eventualmente qualificada ou, pelo menos, não assimilou os nossos processos construtivos, ainda cria um maior desafio para podermos entregar com qualidade, com prazo.
O que nós temos estado a fazer é uma transição no próprio processo de execução das obras e daí que uso mais o termo off-site, porque parte do que estamos a fazer é off-site. Ainda não existe uma terminologia em Portugal que possa ser mais adequada àquilo que nós fazemos. O off-site acaba por ser aquela, neste momento, mais utilizada e difundida para caracterizar o que fazemos.
A nossa alteração também dos próprios materiais e processos vem de uma tomada de consciência do nosso setor no seu todo.
Quando juntamos a construção e o imobiliário, se nós olhamos em termos de posicionamento de peso na economia, nós só temos o setor financeiro, na verdade, à nossa frente.
O setor da construção, em termos de movimento de capital e impacto, é o segundo mais impactante. Se olhamos depois na perspetiva das emissões e da sustentabilidade, ou a falta dela, é o terceiro maior emissor de gases com efeito de estufa.
Quem é que está à nossa frente? Está o setor da mobilidade, que está a fazer um investimento massivo, já há muitos anos, para a transição do carro de combustão para o carro elétrico, e está o setor da energia, que também está a transitar de combustíveis fósseis para energias renováveis. Estes dois setores estão a fazer investimentos massivos há muito tempo e eu diria que nós, mas aí será por nossa própria ineficácia, vamos, de repente, ficar em primeiro lugar porque os outros vão se tornar mais eficientes e mais rápidos.
Eu não gostaria de estar numa posição ou de liderar e ter um grupo que fosse visto como o patinho feio de todos os setores contribuidores para a falta de sustentabilidade e o impacto na natureza.
Somos, de facto, um dos setores que mais extrai da natureza para fazer edifícios à escala humana — não conseguimos fazer como nos microchips, que cada vez se faz mais pequeno. No caso da construção, temos de fazer os edifícios à nossa escala e, por isso, a quantidade de materiais que nós extraímos é muito grande e todos os impactos vêm em consequência dessa extração.
O que começámos a fazer? Primeiro, tem que ver com a redução. Como é que nós podemos reduzir a quantidade de material que utilizamos? E o principal fator é a reutilização. Se nós, atualmente, fazemos edifícios que foram pensados para muitas décadas, mas, na verdade, temos visto que os nossos hábitos como família e como empresas estão a mudar a um ritmo estonteante, vemos que os edifícios rapidamente se tornam obsoletos.
A resposta para poder alterar o edifício significa demolir aquilo que estava feito e significa produzir resíduo e voltar a extrair novo produto para fazer uma reconfiguração, eventualmente, só do interior do edifício. Entendemos que, como indústria — acho que muitas vezes esquecemos que somos uma indústria —, quase que nos habituamos a ser uns meros executores de um projeto que alguém desenhou e esquecemos que nós próprios temos de trazer soluções para cima da mesa para que os nossos clientes, os nossos projetistas, possam desenhar, projetar, com as soluções que nós próprios concebemos para que eles tenham uma solução adequada à visão que pretendem depois incorporar no edifício.
Por isso é que nós dizemos que é um lego. Ou seja, nós estamos, pelo menos, a ter de reinventar o componente de lego para que ele seja facilmente reutilizável e possamos colocar cada um daqueles materiais de uma forma diferente em diferentes edifícios.

— Isso tem permitido também estreitar os prazos de entrega de construção. Recentemente, em Espanha, inauguraram edifícios híbridos. Como são esses edifícios?
ACR — Ao fazer esta transição, optámos por fazer a incorporação de um biomaterial. A madeira é um material que, por natureza, quando cresce, armazena carbono. Em particular, na Península Ibérica, temos um problema. Eu diria que o nosso maior desafio climático para Portugal e Espanha são o efeito da seca e dos incêndios. E, por isso, já vivemos dramas relacionados com os incêndios.
A melhor forma de proteger essa madeira é armazená-la de uma forma definitiva, mais bem protegida.
Quando nós transferimos madeira, quando chega a um estado de maturidade na floresta já não capta mais carbono. Os nossos compromissos perante a União Europeia significam que temos de plantar muitas mais árvores do que aquelas que temos para dar lugar, na floresta, à plantação de novas árvores para que elas voltem a captar carbono.
Para isso, temos de cortar aquelas que já atingiram a maturidade. E a melhor forma e a mais eficiente de armazenar é numa cidade a que nós chamamos de floresta urbana, ou seja, uma cidade onde podemos criar, de alguma forma, um novo conceito, que é um conceito de armazenamento de carbono sob a forma de madeira. Daí nós termos adotado esta solução de juntar a madeira, que é um material endógeno que nós temos e precisamos de proteger e valorizar.
Cada vez mais pessoas saem do meio rural e do interior para as cidades e esse efeito de urbanização está a fazer com que nós continuemos a construir nas cidades. Ao construir nas cidades, também o imobiliário sobe de valor, pela lei da oferta e da procura. Se nós queremos, de alguma forma, transferir valor de volta para a floresta, nada melhor do que utilizar um material que nasceu na floresta e que passa a ter muito mais valor do que tem hoje.
Por isso é que não é tratada a floresta; não vemos ninguém a tratar a floresta como ela devia ser tratada. O que estamos a fazer é, no fundo, utilizar um biomaterial que tem este efeito de captura de carbono, incluindo os próprios processos que nós utilizamos que permitem a tal reutilização e industrialização. Ao estarmos a industrializar os vários componentes, estamos a introduzir a redução de prazo.
Pela primeira vez, a nossa indústria, que foi uma indústria sempre de execução do trabalho no local onde o edifício vai ser edificado, está a tornar possível que um edifício, que é maioritariamente desenvolvido em fábrica em Portugal, está a ser exportado e a ser assemblado, neste caso, em Espanha. Não é algo que estivéssemos habituados a ver no nosso setor porque podíamos exportar alguns materiais, mas não um edifício como estamos a fazer, com camiões a transportar todos os componentes e depois, no prazo de três semanas, vemos o edifício praticamente a surgir completo, faltando depois todo o interior… essa é a grande mudança que nós estamos a operar.

— A propósito de Espanha, quanto à vossa dimensão internacional (talvez em Portugal não se tenha essa perceção), estão em 17 mercados?
ACR — Dezassete países. A nossa tradição internacional já vem desde a época da queda do muro de Berlim, em 1994. Foi quando iniciámos o nosso processo de internacionalização. Fomos para um país desenvolvido, onde aprendemos muito. De alguma forma, acabámos por usufruir dessa transferência de tecnologia, porque, naquela altura, o gap era maior entre aquilo que nós fazíamos cá e aquilo que já se fazia na Alemanha. Hoje não existe praticamente diferença.
Esse foi o nosso primeiro país, já lá vão 30 anos. Depois começaram os países de língua portuguesa. Atualmente, estamos em 17 países ou regiões, acima de tudo. Temos a região do Médio Oriente, a mais recente. Abrimos agora na Arábia Saudita, já estávamos no Catar, nos Emirados. Estamos nos países de língua portuguesa: Brasil, Moçambique, Angola. Já estivemos no Cabo Verde, mas hoje não temos operação corrente.
Estamos na Europa: Bélgica, Alemanha, França, Reino Unido, Holanda que é também instrumental em termos de atividade internacional porque é uma das holdings que nós temos para a atividade internacional. Gibraltar, um país, uma região autónoma pequena, mas muito representativa também para o grupo.
Adquirimos há uns anos uma empresa que tinha operação nos Estados Unidos, para equilibrar parte da nossa carteira, que estava excessivamente concentrada em países em vias de desenvolvimento, uma vez que a banca colocava sempre algumas questões sobre o risco.
Hoje, temos bastantes regiões que nos dão diversidade geográfica e de ciclos económicos. Um dos modus operandis para maior resiliência é contrariar um ciclo económico negativo numa determinada região ou num país com a movimentação dos nossos recursos e meios para outro país que esteja em contraciclo.
Felizmente, temos tido sempre… tirando alguma crise global, económica, como já surgiu no pós-2008, em que houve uma recessão de uma forma mais transversal. Mesmo quando olhamos para a Covid, esta teve efeitos diferenciados nos países. Tivemos países que pararam a atividade e tivemos países que aumentaram a atividade precisamente naquele período da Covid. Essa exposição a diferentes continentes, moedas e geografias dá-nos uma capacidade de resiliência importante porque o grupo hoje atingiu uma dimensão em que 70% da nossa atividade, desde 2012, é feita ao nível internacional e isso é algo que nunca mais vai ter retorno porque é impossível o nosso país conseguir comportar a dimensão que o grupo tem e, por isso, a atividade internacional é chave para o grupo.

— Isso implica também um desafio grande na gestão das pessoas porque, olhando para o total de colaboradores, dos vossos trabalhadores, já são menos os que estão em Portugal porque estão mais lá fora.
ACR — Sim, nós temos 5800 trabalhadores no grupo todo, diretos, ou seja, assalariados, a quem nós pagamos um salário todos os dias, e depois temos indiretos. Eu diria que multiplicamos por cinco porque como é uma atividade muito baseada em mão-de-obra, temos muitas empresas que dependem de nós e, por isso, as empresas que nós entendemos como parceiras são quase tratadas como nossos próprios colaboradores. Muitas das nossas dinâmicas de relação convidam, muitas vezes, os nossos parceiros a participarem também quase como nossos colaboradores.
Hoje, temos cerca de 1800 colaboradores em Portugal, a trabalhar em Portugal. Temos cerca de 1000 portugueses a trabalhar de forma expatriada nos nossos mercados. É uma tendência fruto também do declínio da atratividade no nosso setor, da quantidade de pessoas que se está a reformar e que se vai reformar nos próximos anos. O número de ativos na construção tem vindo a diminuir, ou as pessoas com interesse em se manterem têm vindo a diminuir na construção, vou-lhe chamar tradicional, porque acho que temos aqui um novo ciclo que é mais atrativo, é mais apelativo e que nos está a permitir criar uma atratividade e uma capacidade de incorporar um outro conjunto de profissionais para contrariar esse ciclo. Por outro lado, atingimos também uma dimensão em que o país deixou de ser solução para continuarmos a expatriar portugueses para o mundo. Nós hoje necessitamos de crescer em alguns mercados. Temos o caso do Brasil, que é um mercado de língua portuguesa, que tem uma capacidade também de formação local de quadros intermédios e superiores que para nós é importante para podermos, em determinado segmento de profissionais, também crescer naquele mercado e depois aproveitar esses profissionais para outros mercados.
Temos o caso dos países do Médio Oriente, que captam muito pessoas de língua inglesa. Por isso, os países anglo-saxónicos também têm algum peso na nossa atividade. O Gana, que há pouco não referi, mas que foi igualmente uma das últimas aberturas, é um país também de língua inglesa. Numa atividade que está muito sujeita a externalidades e a imprevistos, temos de ter uma capacidade de comunicação muito fluida com toda a cadeia de trabalho em obra. A língua é a melhor forma que temos para comunicar e evitar acidentes. E, por isso, em obra, apesar de hoje, do ponto de vista comercial, falarmos muito inglês, é uma língua mais internacional, naquilo que acontece em obra, na maior parte dos países, tirando os países anglo-saxónicos, fala-se português. Necessitamos de ter pessoas que falem a nossa língua para não correr um risco de falha na comunicação, quebra na cadeia de comunicação, que possa levar a um acidente e a uma morte.

— Ainda há algum estigma em trabalhar no setor da construção. Sente isso?
ACR — Sim. A nossa atividade é para aprender uma arte da construção, pelo que só praticando. O ciclo de formação é bastante lento e tem de ser mesmo por exposição ao trabalho. Aquilo que tem acontecido, no fundo, é que são os outros setores que se têm tornado mais apelativos, porque são atividades que se podem fazer em trabalho remoto, em que existe aquele equilíbrio social, No caso da construção, é muito mais exigente do ponto de vista social, porque as pessoas estão expatriadas, nem todos têm a possibilidade de levar a família, e, por isso, esse afastamento acaba por ser penalizante. Hoje, o salário emocional ganhou muito mais expressão do que aquilo que tinha no passado, porque existem alternativas. Acho que não devia ser por não haver alternativas que nós conseguimos reter pessoas no setor, porque estas atividades são ao tempo, estamos sujeitos a trabalhar na intempérie, e cabe-nos a nós resolver esses fatores. E quando olhamos para esta industrialização, de facto, resolvemos vários fatores de atratividade. Passamos parte do trabalho para um ambiente controlado, onde é mais fácil fazer a formação, onde o trabalho e a produtividade aumentam, por isso, se a produtividade aumenta, eu consigo pagar melhores salários, conseguimos também uma maior igualdade de acesso em termos de género e até mesmo em termos de gestão de carreira profissional.
Temos um colaborador que já fez 52 anos na empresa, como trabalhador, obviamente, é alguém que há 52 anos começou a trabalhar, naquela altura era permitido, com 12 ou 13 anos. É uma pessoa que já não conseguia ter trabalho em obra, porque era demasiado exigente do ponto de vista físico, e hoje está a trabalhar nesta fábrica e é um encarregado, é um formador. Nós estamos a dar continuidade, porque as pessoas vivem mais tempo, conseguem entregar e sentem-se mais realizadas se continuarem a fazer uma atividade e nós conseguimos proporcionar-lhes uma continuidade no trabalho de uma forma muito mais compatível com a idade que têm, além de que se extrai muito valor do conhecimento que têm. Quem diz na diversidade em termos de idade, também do género: temos mais mulheres hoje na fábrica, são 50% da população que está, na maior parte, arredada do setor da construção, tirando alguns cargos de backoffice, e por isso no teatro do terreno, na execução da própria obra, raramente se vê o género feminino. Curiosamente, lá está, quando agora vamos para a nossa fábrica, vemos que já temos um equilíbrio, e com muita mais participação do género feminino. São pessoas que têm cuidado, gostam de fazer este trabalho de qualidade e de acabamento, e estão perto de casa. Quando juntamos a dinâmica familiar, que eu acho que também no homem se aplica, no caso da mulher ainda é mais, estamos a conseguir ter esse incremento na sustentabilidade social, que é algo que acho que estava arredado, quando falamos em construção civil tradicional.

— Quando olhamos para os números e para o volume de negócios do grupo, tem havido naturalmente um crescimento. Quais são os números atuais e o que prevê que possa acontecer, sabendo o cenário de incerteza que temos pela frente, ao nível nacional e internacional?
ACR — O grupo tem a fatura de forma agregada de cerca de 700 milhões; 67% deste valor é fora de Portugal e a tendência é que continuemos a crescer no mercado internacional.
Temos três áreas de negócio. Qualquer empresa, com a nossa génese, sempre teve algum investimento imobiliário, mas isso não é o nosso core. A maior parte das vezes fazemos até mais em parceria com os nossos clientes ou promotores, e, por isso, os nossos principais clientes são os promotores.
Há uma coisa que para nós é crítica. Se olharmos para a faturação, há sempre algum impacto de uma época ou um ano em que se nota alguma redução para depois retomar em termos de volume de faturação.
Uma coisa em que temos de estar sempre a crescer é no nível de conhecimento e no nosso ativo, que são as nossas pessoas. Por isso, independentemente de eu não poder traduzir os recursos que temos em faturação num determinado ano, para nós é crítico reter esse conhecimento. Se fizermos um hospital em Portugal, mas não temos mais hospitais para fazer durante os próximos 10 anos, tenho de conseguir reter aquelas pessoas que souberam fazer um hospital, para amanhã fazer um hospital em Angola e a seguir no Gana. Há-de voltar a altura em que eu preciso daquele ativo e daquelas pessoas com o conhecimento em fazer hospitais, para fazer outra vez em Portugal. É o que está a acontecer.
Nós fizemos durante muitos anos hospitais em Portugal e durante um período deixou de se fazer. Estivemos e fizemos em Angola dois ou três, estamos agora em curso para fazer mais outro, entrámos no Gana para fazer precisamente dois hospitais, e esse ciclo de conhecimento não se perdeu. Hoje, estamos na expectativa de voltar a fazer aqui em Portugal, porque nunca perdemos esse ativo.
Não tratamos esta contratação de recursos como “mercenários”, em que contratamos o recurso quando precisamos e descartamos quando não precisamos. Na nossa área é muito importante este fio condutor do conhecimento. A quantidade de conhecimento que nós geramos durante a execução de uma obra é imensa e esse é um dos nossos maiores ativos.
Eu diria que o nosso marketing é mais interno. Há quem conheça o nosso marketing externo, mas o nosso interno é muito maior do que aquilo que até é o externo. Nós investimos muito nesta comunicação intraempresas, intrapessoas, para garantir que a aprendizagem de uma geografia pode ser aproveitada noutra geografia.
Acho que isso é o que faz também a grande diferença do nosso grupo para outras empresas do nosso setor.

À minha maneira

Quem é o António Carlos Rodrigues e qual é o seu estilo de gestão e liderança?
ACR — Sou um membro da terceira geração. Esta é uma empresa familiar e, de alguma forma, o meu papel é temporário. O meu avô foi o fundador, os meus tios e a minha mãe também impulsionaram a empresa e levaram-na para a atividade internacional. Hoje, eu, os meus primos e outros membros da família, já nos tornámos uma estrutura perfeitamente profissionalizada.
Não temos só uma gestão de topo, que pode ter uma visão, uma perspetiva do que é que quer que este grupo seja no futuro, temos também uma camada, nos vários patamares, no middle management e depois no nível operacional, muito rico. A riqueza desse estrato vem do facto de termos operários, de podermos formá-los e dar-lhes a oportunidade de carreira para que possam subir para gestores e depois para administradores.
A consistência e a capacidade de implementar aquilo que visionámos reside também nesse papel. O meu é o de transportar a tocha mais um par de anos e deixar a empresa melhor do que aquilo que encontrei, porque é um legado. Há aqui também uma responsabilidade grande perante a sociedade e foi isso que nos levou a constituir a Fundação Mestre Casais. Estamos a partilhar isto com a sociedade, nomeadamente, o que estamos a fazer em termos das alterações climáticas, da sustentabilidade, de muitas destas transformações. O meu estilo é muito de envolver as pessoas numa visão, de identificar um propósito que seja suficiente para que as pessoas se mobilizem.

Sim, conseguimos

Qual é que terá sido a maior adversidade e como é que foi superado esse obstáculo?
ACR — Tornei-me CEO em 2008, num bom ano e com bons desafios pela frente. O grupo teve diversas situações de incobráveis e de falências de projetos que estavam identificados como de interesse nacional e isso colocou uma fatura bastante elevada e pesada sobre o grupo. Nessa altura, passámos para um quarto daquilo que era a nossa atividade em Portugal. De uma forma muito simplificada, viemos dos 200 milhões para 50. É incomportável para qualquer empresa fazer esse ajuste em três anos, mas foi também aquilo que de melhor nos aconteceu, porque tdeu-nos impulso para abraçar e impulsionar a atividade internacional. De 2011 para 2012, fizemos uma transição completa e passámos de 70% nacional e de 30% internacional para mais do que que duplicar a atividade internacional e inverter esta escala.
Diria que a Casais é quase uma nação. Estar na Casais, independentemente do país, é estar numa empresa que tem a mesma forma de estar e os mesmos valores. Palavras como a inovação e a sustentabilidade já fazem parte da nossa história há 65 anos.

Portugal 2043: “Ter um papel dentro da Europa com mais futuro”

O propósito deste projeto é pensar o país a 20 anos. Como é que, como empresário e gestor, mas também como cidadão, imagina que esteja Portugal dentro de 20 anos?
ACR — Acho que Portugal tem uma capacidade de singrar.
A saída da Inglaterra da União Europeia despertou algumas luzes sobre o que é que tem de ser a Europa; estes conflitos e estes problemas energéticos, vieram reforçar mais a visão de que a Europa tem de trabalhar como uma única entidade. Nesse contexto, Portugal tem muito mais para dar e fazer muito mais.
A Europa pretende ser mais industrializada e acho que só Portugal e Espanha é que têm estas condições. Nós temos energia mais barata porque conseguimos ter renováveis que os nossos vizinhos nórdicos não conseguem ter; temos mais horas de sol, e, por isso, maior capacidade de produção fotovoltaica; temos uma costa que nos permite também o eólico, portanto, energia.
Temos também o efeito de uma integração cultural com os países lusófonos e os espanhóis com o mundo hispânico. São pessoas de cultura mais similar do que acontece, por exemplo, com os turcos na Alemanha ou com os argelinos em França. Precisamos de demografia e, para isso, precisamos de importar pessoas. Os números da Segurança Social nunca estiveram tão bons. Hoje, podemos usufruir ou esperar ter quem pague as nossas reformas. Nunca tivemos tantas pessoas no ativo como temos hoje, apesar de a nossa natalidade e demografia natural estarem a decrescer.
Sse juntarmos só estes fatores conseguimos ter aqui uma visão e um papel dentro da Europa com muito mais futuro. O que é que nós necessitamos? De algumas infraestruturas, por exemplo, a ferrovia é essencial. Não podemos aspirar a ter um papel na indústria, se não tivermos uma capacidade de receber e escoar matéria-prima a um custo mais sustentável. O transporte rodoviário não é sustentável quando comparado com o ferroviário, em termos de escala de entrada e de penetração dos nossos produtos e das nossas fábricas no interior da Europa.
Precisamos também de uma infraestrutura aeroportuária porque somos um país periférico, onde só os nossos vizinhos espanhóis é que vêm de carro e tudo o resto vem de avião. Se não tivermos uma porta de entrada e saída também não podemos esperar que haja uma fluidez para tirar partido destes fatores económicos.
O que eu visiono é, no fundo, que haja aqui, independentemente de todos estes episódios, um maior pacto de regime e uma maior consciência das nossas várias fações políticas em relação àquilo que não são projetos de um mero mandato, mas sim de décadas e que precisam de ser decididos e implementados. Alguém vai ter de transportar essa tocha da implementação, independentemente de poder não ser o mesmo partido ou a mesma fação que lhe deu início na origem.
Temos de ter aqui esta visão, o país merece, a nossa população merece. Temos 2 milhões de pessoas expatriadas e, quando falo com qualquer expatriado, todos eles têm vontade de voltar ao seu país, mas não encontram desafios à altura daquilo que eles próprios também aprenderam e que se capacitaram lá fora. Por isso, é nosso dever criar essas oportunidades e temos todas as condições para criar essas oportunidades.
Precisamos desse pacto de regime para conseguir fazer essas infraestruturas e tirar proveito dos fatores naturais, que já os temos, num conjunto de coisas que só nos cabe a nós deliberar e não a terceiros.