Este País tem de ser para velhos

Abordar o envelhecimento de forma proativa, celebrar ser idoso e querer lá chegar.

Durante décadas, a humanidade despendeu enormes recursos, esforço, trabalho e energia para viver durante mais anos.
Valorizámos as condições externas (melhoria das condições socioeconómicas, condições sanitárias, climatização), do conhecimento (científico, nutricional, médico) e da prestação de cuidados (saúde e social) para viver mais.
E quando, como sociedade, atingimos esse objetivo e conseguimos viver para lá dos 80 anos, olhamos para essa conquista como um problema. E porquê? Porque não estamos preparados enquanto indivíduos, enquanto sociedade, enquanto planeta, para o sucesso que conseguimos alcançar.
A solução não é certamente prescindir dessa conquista. A atitude certa é olhar para ela, como um desafio, para o Portugal de Hoje e para o Portugal de Amanhã.
Qual é a base do “problema”? A sociedade contemporânea teve um incremento sem precedentes na esperança média de vida como um reflexo inequívoco do progresso científico e tecnológico. Contudo, os sistemas sociais, de saúde e económicos tradicionais quando desafiados por esta transição demográfica, revelaram-se incapazes de proporcionar respostas adequadas às necessidades da crescente população idosa.
A população idosa tem mais comorbidades e necessita de cuidados de saúde mais complexos e onerosos, está reformada, depende da segurança social e não contribui já para o mercado de trabalho, tem menos capacidade física e cognitiva o que diminui a autonomia nas atividades diárias e aumenta a dependência de terceiros. Em Portugal, constitui um grupo que, de uma forma geral, tem menor escolaridade e baixo rendimento; frequentemente o idoso sente que perdeu o propósito, isolando-se e apresentando dificuldade acrescida no auto-cuidado e autonomia.
Este elencar de factos obriga a refletir, como indivíduos e como sociedade, se lutámos tanto para ganhar 30 anos de vida no último século, como é que não estamos empenhados a responder a estes desafios.
É necessário transformar a narrativa e abordar o envelhecimento com uma perspetiva positiva e proativa, ficar orgulhosos das conquistas, celebrar ser idoso e querer lá chegar. Para isso é necessário desenvolver estruturas e modelos (social, económico e de saúde) que se adaptem à nova realidade da pirâmide demográfica atual e futura, e maximizar o potencial das pessoas idosas e a sua contribuição na sociedade. A perspetiva, deve ser focada nas oportunidades e não na dependência.
Esta visão inspira a conceção e implementação de soluções estruturais e inovadoras, capazes de enfrentar os desafios que se colocam a uma população idosa em mudança e em expansão.
A adoção e implementação de soluções inovadoras exige uma abordagem integrada que abarque reformulações nos paradigmas dos cuidados de saúde, e dos sistemas económico e social.
No contexto da saúde, torna-se imperativo redesenhar os modelos de cuidados de saúde para acomodar as especificidades das condições geriátricas, realçando a relevância de cuidados a longo prazo e a gestão de patologias crónicas. De facto, os idosos de hoje são diferentes dos idosos do passado e também certamente dos idosos do futuro.
A digitalização com implementação de processos clínicos interoperáveis, a telemedicina, monitorização de risco e deteção precoce de doenças, adaptação de casas que permitam a alta precoce e residir durante mais tempo em casa, possibilidade de socializar e de fazer compras online, novas formas de residências comunitárias e com apoio para pessoas com baixa autonomia, reabilitação mais acessível, melhor integração dos serviços de saúde e dos cuidados “sociais”, apoio aos cuidadores informais, maior envolvimento dos municípios e das comunidades, utilização de cuidados hospitalares diferenciados para situações agudas e maior investimento no bem estar e qualidade de vida nos últimos anos de vida.
No âmbito económico, é fundamental repensar os modelos para assegurar que os idosos desfrutem de recursos financeiros adequados, de forma a garantir uma subsistência condigna e a manutenção da sua autonomia. Mas também reconhecer que o mercado da economia “cinzenta” (silver economy) é um mercado em expansão. Que é necessário que a sociedade saiba aproveitar os idosos que podem manter vida profissional ativa, com adaptações se necessário, e que este grupo ainda que reformado, constitui um potencial utilizador e cliente de produtos, que pode estimular de forma impactante a economia.
A nível social, impõe-se a promoção de uma cultura que dignifique a experiência e a vivência dos idosos, assim como o investimento em investigação e políticas de desenvolvimento que garantam que o envelhecimento seja sinónimo de dignidade, propósito e contribuição continuada para a sociedade.
O envelhecimento é um fenómeno intrínseco à trajetória humana, mas difere de individuo para individuo, porque está sujeito a múltiplos determinantes fisiológicos e ambientais. Deverá ser entendido e acolhido como um processo, caracterizado por complexidade e diversidade.
A capacidade de envelhecer de forma ativa e saudável pode ser estimulada por hábitos de vida saudáveis que incluem a prática regular de exercício físico, uma alimentação equilibrada e a promoção de relações sociais robustas. A relevância da saúde mental na terceira idade é tão premente quanto a da saúde física, e ambas devem ser objeto de cuidados e intervenções adequadas.
Cabe-nos, assim, um enorme desafio de manter e alargar a resposta à população idosa e criar novos modelos de prestação de cuidados adequados às próximas gerações de idosos, que terão um perfil, condições e necessidades muito distintas das atuais.
Paralelamente, temos a obrigação de pensar de forma sustentada para que, quer o sistema de saúde quer o sistema de apoio social, possam continuar a apoiar as populações mais jovens e mais idosas, promovendo a universalidade de acesso à saúde e à segurança social. Viver mais não significa necessariamente viver melhor. É preciso não só acrescentar mais anos à vida, mas sim mais vida aos anos que vivemos.

Diretora da NOVA Medical School