À medida do lençol

A discussão que temos de ter é: como criar riqueza? Este é o maior desafio do país.

Cresci ouvir a minha mãe a dizer “Filho, esticam-se as pernas à medida do lençol!”. O povo que nasceu nos anos 40 aprendeu a consumir à medida que ganhava ou em função do que tinha poupado.

O país grita que temos uma carga fiscal brutal e, ao mesmo tempo, que é importante o “Estado” resolver o problema da habitação, do Serviço Nacional de Saúde, do Serviço Nacional de Educação, de erradicar a pobreza, da emigração dos jovens talentos formados nas Universidades, da transição energética (isto só para citar os tópicos mais habituais nas últimas semanas).

Ora, é preciso ter noção que não existe dinheiro público, o dinheiro que o Governo gasta foi tirado às famílias e às empresas. A frase não é minha, mas sim, de Margaret Thatcher. Os portugueses frequentemente falam do Estado como se fosse algo separado de si, uma espécie de Pai que tem de ajudar com dinheiro vindo não sabem bem de onde. Mas todos sempre a dizer que já pagam demasiados impostos e que não podem pagar mais. Os “outros”, sim esses, “os outros”, é que têm de pagar porque os “outros” podem pagar “eu é que não”. O Estado só tem o dinheiro que nós contribuintes pagamos. E os contribuintes não são apenas alguns. Somos todos. Pagamos imposto assim que acordamos de manhã e acendemos a luz, quando vamos tomar banho, quando comemos o que comprámos no supermercado, quando apanhamos o autocarro ou vamos de carro, quando fumamos um cigarro pelo caminho, quando bebemos uma cerveja ao almoço … Ainda não pagamos para respirar mas é melhor não dar ideias.

Cada português tem de ter a noção que sempre que pede mais Estado o que está a dizer é “Eu quero pagar mais impostos.” E é bom que pense “Eu quero pagar” e não “Os outros têm que pagar”. Sempre que o Governo gasta acima do que pagámos em impostos, a diferença é paga com dívida. Este foi o caminho escolhido por Portugal desde os anos 90 até que falimos (mais uma vez) com estrondo e tivemos de chamar a Troika com o resultado que conhecemos: aumento de impostos e corte de salários da função pública e pensões.

Para se ter uma ideia, verificando os dados na Pordata, em 1995 a carga fiscal era de 31,2% da riqueza criada, em 2013 saltou para 37%, e a estimativa para 2024 é de 38%. O peso da dívida na riqueza gerada era de 17,4% em 1974, 54,2% em 2000, 114,4% em 2011, 132,9% em 2014, 134,9% (no ano da pandemia) e estima-se que seja de 106,1% no final de 2023. Os portugueses têm de entender que a austeridade não se foi embora e vai continuar (agora chama-se “contas certas”). Para estar no Euro, o peso da dívida na riqueza deverá ser de 60%. O Governo já estimou que talvez se chegue a este valor em 2040. Serão 30 anos de “contas certas”. E não vale o argumento que esta carga fiscal é “da boa” porque são contribuições sociais.

O peso das contribuições sociais na riqueza criada em 1995 era de 9,9% e a previsão para 2023 é de 12,7%. Ou seja, a carga fiscal aumentou 6 pontos percentuais e as contribuições sociais representam menos de metade do aumento. “São mesmo impostos, Senhor!” Mas a classe política aproveita e explora a falta de literacia financeira do povo. Os impostos que mais têm contribuído para este aumento são os indiretos. Por um lado, são mais fáceis de “vender” ao eleitorado: os impostos sobre os combustíveis são para proteger o clima; os impostos sobre os produtos com açúcar, o tabaco ou o álcool são para proteger a saúde; os impostos sobre o imobiliário são para financiar a política de habitação e sobre os sacos plásticos é para proteger as tartarugas. Por outro lado, são também mais fáceis de esconder porque estão no preço que pagamos. Assim, o contribuinte diz que a culpa do preço da gasolina é da gasolineira e o preço dos sumos ou da cerveja é do merceeiro.

O nosso drama coletivo é que chegámos aqui e, em riqueza criada por cidadão, já fomos ultrapassados por vários países de Leste e estamos em vias de ser ultrapassados por mais. Estamos em 21º lugar em risco de cair para o 23º (a 4 lugares do último). Se este fosse o resultado da seleção nacional de futebol no ranking mundial, rolavam cabeças, desde o treinador ao Presidente da Federação. Rasgavam-se as vestes e falar-se-ia de vergonha nacional de forma incessante. Se colocássemos na classe política a exigência que colocamos no futebol, estaríamos no Top 10 e não no Bottom 10.

A discussão que temos de ter é: como criar riqueza? Este é, para mim, o maior desafio do país. Criar uma cultura coletiva de criar riqueza. Pessoas que deixem de ser trabalhadores para criar negócios. Negócios que possam crescer para competir primeiro à escala regional, depois nacional, europeia e mundial. Ao Governo cabe, acima de tudo, não atrapalhar quem o faz. Como? Levando semanas e não anos para emitir licenças, nomeadamente de construção; tendo um sistema de justiça que decide rapidamente sobre litígios e que rapidamente executa sentenças; reduzindo a tributação sobre os lucros, nomeadamente os distribuídos a quem cria o seu pequeno negócio; tendo uma administração pública que ajuda a cumprir. Mas o que andamos a ouvir em tempos de campanha? Mais despesa pública, mais impostos, mais Estado.

Sem riqueza, produziremos lençóis pequenos e teremos que encolher cada vez mais as pernas. Não sou eu que o digo, é palavra de mãe.

Fiscalista e co-fundador da consultora Ilya