As rotas marítimas entre a China e a Europa

Um dos grandes receios de sucessivas lideranças da R. P. China é o chamado “Dilema de Malaca”.

A dependência da China do comércio marítimo é enorme – 90% de todo o comércio externo chinês, incluindo 80% das suas importações de petróleo e 66% das de GNL, mas também carregamentos de contentores e carga a granel. A larga maioria deste comércio externo utiliza a principal rota marítima atual entre o Extremo Oriente e a Europa – cerca de 25% a 30% de todo o comércio marítimo global passa pelo Estreito de Malaca – que vai dos portos da China (e Japão, Coreia do Sul, Vietname) até Roterdão/Istambul/Atenas-Pireu/Trieste, passando pelo Estreito de Malaca, no Oceano Índico, o Mar Vermelho, o Canal de Suez, o Mar Mediterrâneo.

A rota marítima do BRI chinês

A China e as empresas chinesas – na última década sob os auspícios da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) – investiram na infraestrutura ao longo desta rota marítima. Em primeiro lugar, em portos de profundidade relevantes – alguns novos (ex: Gwadar, no Paquistão; Ream, no Cambodja), alguns portos já em operação (por exemplo, Hambantota, no Sri Lanka; Atenas-Pireu, Grécia), mas também na concessão para operação de relevantes portos de águas profundas já existentes (ex: Hambantota, no Sri Lanka; Atenas-Pireu, na Grécia) – bem como em novos pólos logísticos e corredores de acesso ao interior dos países. mas também em novos hubs logísticos e corredores de acesso ao interior de vários países.

Em 2022, a UE exportou 230 mil milhões de euros (mM€) de mercadorias para a China e importou mercadorias no valor de 627 mM€. De 2018 a 2022, o superávite comercial da China com a UE aumentou de 154,7 para 396 mM€, impulsionado principalmente por um forte aumento das importações da UE (+83 %) provindas da China.

A China é o principal parceiro comercial da Europa no que respeita às importações de bens, dos quais uma parte substancial transita por portos da UE, em especial portos marítimos. Esta é uma das razões pelas quais empresas chinesas – em especial a China COSCO Shipping Corp e a China Merchants Port Holdings – têm vindo a tomar posições acionistas relevantes em concessionárias de portos estratégicos na Europa, em especial na Alemanha (na holding do porto de Hamburgo, no porto seco multimodal em Duisburg), Bélgica (Zeebrugge, um terminal de contentores em Antuérpia), Espanha (principais terminais em Valência e em Bilbau), França (Montoir, Dunkirk, Le Havre e Fos), Grécia (Pireu, Salónica), Itália (Vado Ligure, Nápoles (vendido, entretanto), Palermo, Malta (Marsaloxlokk), Países Baixos (terminais Euromax e Delta, em Roterdão; terminais em Venlo, Amsterdão e Moerdijk), Polónia (Gdynia) e Suécia (Estocolmo).

De acordo com um estudo da Universidade de Antuérpia, a rota marítima via Trieste reduz drasticamente os custos de transporte. Tomando como destino Munique, o estudo mostra que o transporte de Xangai via Trieste leva 33 dias, enquanto a rota via Roterdão ou Hamburgo demora 43 dias. De Hong Kong, a rota sul reduz o transporte para Munique de 37 para 28 dias. A redução do tempo de transporte, significa não apenas maior eficiência na relação custo-benefício do transporte marítimo, mas também uma redução das emissões de CO2, uma vez que o transporte marítimo é uma grande e crescente fonte de emissões de gases com efeito de estufa.

O “Dilema de Malaca”

O bom funcionamento da presente rota marítima “principal”, via Oceano Índico e Canal do Suez, em qualquer das suas variantes, está dependente da segurança da mesma. Um dos grandes receios de sucessivas lideranças da R. P. China é o chamado Dilema de Malaca”, o medo de que, em caso de sério conflito com outras potências, máxime os EUA (e também a Índia), seja imposto um bloqueio naval em relação a produtos provenientes de ou com destino à China, passando pelo Estreito de Malaca. Este “Dilema de Malaca” tem sido objeto de especial análise em cenários de eventual guerra em Taiwan.

Os recentes ataques de rebeldes Huthis na entrada do Mar Vermelho vêm reforçar os receios chineses de que, mais tarde ou mais cedo, tal possa ser replicado [por grupos fundamentalistas islâmicos] no Estreito de Malaca.

Para mitigar este receio, a China tem procurado diminuir a sua dependência (sobretudo a energética) do Estreito de Malaca, desde logo através de novos corredores terrestres: (i) os corredores ferroviários da Eurásia; (ii) o Corredor Económico China-Paquistão; (iii) gasodutos e oleodutos (Central Asia–China Gas Pipeline) de vários países da Ásia Central (Cazaquistão, Turquemenistão, Uzbequistão); (iv) gasodutos da Rússia (o Power of Siberia I; o Power of Siberia II (em projeto)); (v) o oleoduto de petróleo bruto Sibéria Oriental-Oceano Pacífico (ESPO); (vi) os oleodutos e gasodutos trans-birmaneses para a China (entre o porto de Sitwe, em Mianmar, e Kunming, em Yunnan, China); (vii) um gasoduto (em projeto) do Irão, através do Paquistão, até Xinjiang, na China; (viii) um oleoduto (em projeto) de Gwadar, no Paquistão, até Xinjiang, na China; (ix) o gasoduto Goureh-Jask, no Irão, até ao porto de Bandar-e-Jask.

Existem ainda relevantes rotas marítimas alternativas, umas existentes – os Estreitos de Sunda e de Lombok / Makassar – outras a criar: (i) um canal navegável, na parte tailandesa da Península da Malásia, entre o Pacífico e o Índico (o Canal Kra); (ii) a rota trans-Pacífico via canal do Panamá; e (iii) as rotas do Ártico.

Tudo indica que a dependência do comércio internacional da China do transporte por via marítima continuará muito elevada durante as próximas décadas. Razão pela qual revisitaremos o tema.