A Mariana e não só

Sem uma mudança radical de paradigma, não conseguiremos reter as nossas Marianas.

Uma jovem brilhante portuguesa, que conheço muito bem, detentora de uma licenciatura em Direito, de uma pós-graduação na mesma área e de pouco mais de 2 anos de experiência profissional no domínio da advocacia e da consultadoria jurídica, acabou de aceitar uma proposta para ir trabalhar a partir do próximo mês de Fevereiro numa pequena consultora no Luxemburgo, com um salário ilíquido de quatro mil euros. Para simplificar a compreensão e a própria elaboração deste texto, tratemos aqui a jovem em apreço pelo nome de Mariana.
Naturalmente, começa desde logo por impressionar o montante que uma pequena empresa luxemburguesa está disponível para pagar mensalmente a uma ainda inexperiente jovem estrangeira de 24 anos como a Mariana, apesar de ser certo que, no Luxemburgo, as empresas retribuem os seus recursos humanos com doze meses de salário em cada ano e não com catorze prestações salariais conforme sucede em Portugal.
Já sabemos, contudo, que os índices médios de produtividade no Luxemburgo são substancialmente superiores aos homólogos em Portugal. A diferença nas remunerações está obviamente explicada, em grande parte, nos muito diferentes níveis de produtividade de um e de outro país.
Se tivermos em conta que, actualmente, os custos em habitação e supermercado de Lisboa e Porto não diferem muito dos que é possível conseguir no Luxemburgo, poderemos concluir com alguma facilidade que para os jovens portugueses que queiram conquistar um mínimo de autonomia e independência será muito mais cómodo trabalhar e viver naquele país do que em Portugal.
Sem ferramentas de apoio, as empresas portuguesas dificilmente poderão competir com as luxemburguesas na luta pela obtenção de talento. Tal como as famílias e a própria sociedade portuguesa dificilmente poderão ajudar a mitigar a terrível evolução demográfica com que o país se confronta.
Seria então previsível que os governos portugueses estivessem empenhados em dotar o país de instrumentos susceptíveis de ajudar as suas empresas a lutarem pela atracção e retenção de talento e em simultâneo os trabalhadores portugueses a fixarem-se mais perto de casa.
Ora, não haverá mecanismo de atractividade mais poderoso do que o reforço da competitividade fiscal, a qual tem o potencial de gerar aumentos dos salários e de fazer crescer a produtividade. Sim, porque da mesma forma que é certo que os salários apenas poderão crescer em proporção com os aumentos de produtividade, não é menos verdade que rendimentos líquidos superiores induzirão uma maior produtividade na maioria das actividades empresariais.
Tendo em conta o exposto, as prioridades das políticas públicas deveriam incidir inevitavelmente na contenção dos impostos sobre o rendimento, os quais são, em Portugal, absolutamente desproporcionados e consubstanciam um verdadeiro garrote ao crescimento.
Poderíamos a esse respeito desenvolver uma série de argumentos óbvios e cada vez menos contestáveis em favor da descida das taxas efectivas de IRC, a qual estimularia um número crescente de empresas a pagarem mais impostos em Portugal, desincentivaria a prática de preços de transferência, atrairia mais investimento de maior valor acrescentado, potenciaria aumentos salariais e seria ainda capaz de fazer crescer a receita fiscal.
Fixêmo-nos, todavia, por hoje, na esfera dos impostos e contribuições que incidem sobre os salários, diferindo a questão do IRC para uma próxima oportunidade.
Ora, utilizando para o efeito o exemplo da Mariana, constata-se que o seu salário de 4.000 euros antes de impostos no Luxemburgo, corresponde nesse mesmo país a uma retribuição líquida de 3.200 euros.
Já em Portugal, um eventual salário ilíquido de 4.000 euros da Mariana, decorridos os 3 anos de vigência do IRS Jovem (que estão praticamente a acabar), transformar-se-ia numa remuneração de 2.440 euros depois de contribuições e impostos.
A diferença de tributação no caso aqui em apreço é assustadora: em Portugal a Mariana suportaria mais 750 euros por mês em impostos, a partir do seu quarto ano de actividade profissional.
Os regimes de benefícios transitórios para trabalhadores jovens ou regressados da emigração, sendo naturalmente interessantes e melhores do que nada, acabam por ser claramente insuficientes para que as empresas portuguesas possam competir com as do Luxemburgo ou de países similares, onde os impostos e demais encargos sobre os rendimentos salariais das classes médias são muito inferiores.
Não se ignora que os impostos que incidem sobre os rendimentos mais elevados no Luxemburgo, nos Países Baixos ou na Escandinávia são superiores aos que se praticam em Portugal para pessoas do mesmo segmento.
É, todavia, absolutamente absurdo que se catalogue como rico um trabalhador com um salário de quatro mil euros mensais. É chocante que se tribute em Portugal como rico um trabalhador que em outros países da União Europeia auferiria menos do que o salário médio.
Apenas será possível ser-se competitivo e consequente nesse âmbito se os impostos e outros encargos sobre os rendimentos salariais das classes médias beneficiarem de uma redução substancial e definitiva. Essa será a única forma de retermos os nossos talentos e ao mesmo tempo tentarmos fazer inverter a tendência demográfica que tanto constrange a sustentabilidade do país.
Salários líquidos mais elevados não só são muito mais sedutores e atractivos, como têm o potencial de fazer gerar aumentos de produtividade. Trabalhadores mais bem remunerados serão seguramente trabalhadores mais motivados. E dificilmente trabalhadores mais motivados deixarão de ser trabalhadores mais produtivos.
Precisamos de manter pessoas como a Mariana em Portugal, para enriquecermos as empresas, melhorarmos a sociedade e tornarmos mais sustentável o futuro do país.
Enquanto não houver uma mudança radical de paradigmas, não conseguiremos reter as nossas Marianas. E quem diz Marianas, diz também os Bernardos, as Luísas ou os Lourenços.

Vice-Presidente Executivo da AIMMAP e Membro da Comissão Executiva da CIP