“A banca pôs comissões em tudo. Foi fácil ter estes resultados”, afirma CEO da Casa de Investimentos

A partir de Braga, esta empresa familiar do setor financeiro gere uma carteira de quase 300 milhões de euros.

A partir de Braga, esta empresa familiar do setor financeiro gere uma carteira de quase 300 milhões de euros. Emília Vieira, CEO da Casa de Investimentos, não poupa nas críticas à banca tradicional e às altas comissões.

Qual é a missão da Casa de Investimentos e como está o negócio?
Emília Vieira ─ A Casa de Investimentos é uma gestora de patrimónios, fundada em 2010, e tem como propósito gerir a poupança das pessoas, com segurança, com risco limitado e com um horizonte de investimento de longo prazo.
O propósito de criação foi aliar aquilo que é a gestão de valores à literacia financeira, ao conhecimento e à divulgação do conhecimento. A Casa nasce de um livro que me foi oferecido há 20 anos, quando eu trabalhava em Londres, no dia do meu aniversário. O livro chamava-se “Buffettology”, de Mary Buffett e David Clark, e era sobre como Buffet selecionava as empresas, como investia, os casos interessantes ao longo da sua história e partilhado por uma ex-nora.
Quando li o livro, achei que fazia sentido investir em empresas, em ações, porque as empresas é que criam riqueza. Nós olhamos para o que é hoje o mundo e para o conforto que temos, tudo isto é riqueza que se produz nos negócios, nas empresas. Portanto, fazia todo o sentido que a aposta deveria ser em gerir o dinheiro através de empresas.
Eu tinha trabalhado no Banco Português do Atlântico, trabalhei no sistema financeiro, dei aulas pelo mundo sobre finanças e sabia que não seria fácil porque este é um negócio, sobretudo, de confiança. Como tinha poupança acumulada, decidi que, tendo eu trabalhado e tendo uma paixão tão grande por mercados, fazia todo o sentido fazer com o dinheiro das pessoas aquilo que gostava que fizessem com o meu. Isso significaria, tal como na história que li no livro, que as ações seriam a classe de ativos que privilegiaríamos e, para isso, tinha de ser um compromisso com o longo prazo.

–Em termos de solidez financeira, estamos a falar de quase 4 milhões de capitais próprios?
EV ─ A Casa de Investimentos começa por gerir apenas patrimónios financeiros. Abrimos a Casa com um capital social de 500 mil euros, mas ao longo destes 13 anos e pouco, os resultados foram ficando e eu e a minha família nunca retirámos aos nossos acionistas qualquer valor dos lucros ao longo destes anos.
Portanto, fomos acumulando esses valores no capital social, que é hoje de 3 milhões e 350 mil euros e os capitais próprios são 3 milhões e 900. Esta é uma atividade com volatilidade, dependemos do comportamento dos mercados. Há que gerir a casa com grande margem de segurança.

– Neste início de março, os ativos sob gestão são de que ordem?
EV – Agora, com o fecho do mês de fevereiro, são 250 milhões de euros: 155 milhões em gestão de carteiras individuais, que podem ser de clientes particulares ou de empresas; 95,1 milhões de euros de ativos sob gestão são fundo PPR (Plano Poupança Reforma), que foi lançado no dia 1 de outubro de 2020 (tem três anos e pouco e, nesta altura, conta já com 95,1 milhões de euros de ativos sob gestão); e cerca de 6700 e qualquer coisa, com os fechos de fevereiro.

– Desde a fundação, em 2010, a performance da gestão individual é de 7,8%. O que é que isso significa?
EV ─ Os 7,8% são líquidos de todos os custos e das comissões de gestão. Tem que ver com a gestão de carteiras individuais, em que cada cliente pode ter patrimónios de 100 mil euros ou de 1 milhão ou 5 ou 10 milhões. E, naturalmente, com preçários um pouco diferentes. A comissão na gestão individual paga IVA e torna esta gestão um pouco mais cara.
Os clientes mexem no dinheiro quando pretendem usar e essa rentabilidade não é comparável se a geríssemos no fundo de investimento, em que há apenas um bolo, uma conta onde todos participam, que é muito mais eficiente e que tem uma estrutura de custos normalmente mais baixa, de que é exemplo o PPR.
Ao longo destes anos, enfrentámos muitos desafios e também cometemos alguns erros. Mesmo assim, temos de ficar satisfeitos com aquilo que fizemos porque, efetivamente, quando nos comparamos com aquilo que aconteceu no setor financeiro, em que houve uma destruição enorme de um stock de capital brutal em produtos estruturados e em ações cotadas, infelizmente.
As pessoas têm todas muito más experiências associadas às ações que tiveram e às empresas em que investiram. Nós sabemos o que foram os últimos anos no mercado português. Portanto, isto também faz com que o nosso crescimento seja mais lento.

–Enfrentou alguns momentos em que as pessoas tiveram receio de estar a colocar o dinheiro numa casa que é mais pequena, sobretudo, face à banca tradicional?
EV ─ Claro que sim. Aliás, desde o início. Não tínhamos um histórico e a confiança é essencial nos negócios, principalmente no setor financeiro.
Estamos num país em que se ataca muito a criação de riqueza, em que se ganha pouco, em que se pagam muitos impostos e em que poupar, de facto, é muito difícil. Por isso, aquilo que as pessoas conseguem poupar, não querem perder. Para nós, era essencial mostrar uma filosofia transparente, clara, de criação de riqueza testada pelo tempo.

– Warren Buffet é a sua grande referência?
EV ─ Sem dúvida, Warren Buffett e Charlie Munger são referências extraordinárias, sobretudo porque criaram imensa riqueza para os acionistas da Berkshire. Aquilo que me importa a mim, como gestora de dinheiro, não é a riqueza que crio para a Casa; é a riqueza que vou criar para as pessoas.
Não fazemos tudo bem, mas, ao longo do tempo, investimos numa classe de ativos cujo plano de jogo está extraordinariamente a nosso favor e que é espelhado no livro de Elroy Dimson, O Triunfo dos Otimistas. Sou otimista relativamente aos negócios e vi há pouco tempo uma entrevista de Buffett em que ele dizia que hoje o cidadão médio americano vive melhor do que vivia o Rockefeller, que foi o homem mais rico do mundo. Ou seja, vivemos melhor por causa do progresso, por aquilo que o engenho humano foi capaz de fazer, de inventar, de produzir. Conseguindo mais, também haverá mais rentabilidade.

– Essa rentabilidade, no vosso caso, vem, sobretudo, através das ações. Mas ainda há uma aversão ao risco nas ações, em Portugal?
EV ─ Claro que há! Somos o resultado das experiências que temos. As pessoas perderam, foram enganadas, não entendem, não têm conhecimento. Eu também não fui ensinada para investir em ações. Tive a sorte de, depois, seguir um caminho que me permitiu ver que as ações são a melhor classe de ativos.
A verdade é que nós educamos os filhos para serem um bocadinho conservadores, para não arriscar. Se as pessoas não têm conhecimento, vão-se retrair, vão ter medo. Vão preferir ter o seu dinheiro no tal depósito a prazo que perde dinheiro para a inflação ou no certificado da aforro que julgam seguro. Um depósito é um empréstimo ao balanço de um banco. Um certificado de aforro é um empréstimo ao Estado. Uma obrigação é um empréstimo à empresa ou ao Estado que emite.
E o que é uma ação? Uma ação é uma fatia de um negócio. Se nós tivermos essa fatia do negócio, naturalmente, vamos ter mais riqueza. Só que isto não acontece de um dia para o outro. O nosso propósito é criar aqui uma legião de investidores em valor que querem ter uma vida melhor e que não querem andar de mão estendida à Segurança Social.

– A Casa de Investimentos tem quantos clientes e quantos trabalhadores, de momento?
EV – Neste momento, temos cerca de 7 mil clientes e somos 20 trabalhadores. Nós queremos sempre atrair os melhores. A nossa cultura de melhoria contínua exige que se trabalhe com os melhores. São pessoas extremamente inteligentes, que trabalharam em grandes instituições, que andaram pelo mundo e que percebem que esta é a filosofia certa.
Desde a fundação que, primeiro, estão os nossos clientes e a sua rentabilidade; depois pagar devidamente aos colaboradores; e os acionistas ficam com aquilo que sobrar.
A minha família, que representa os acionistas da Casa, não tem pressa; nós olhamos para isto a 30, 40, 50 anos. O que nós queremos é criar uma casa que perdure no tempo e que mostre às pessoas que podem ser donas do seu destino.
O que fazemos pode ser apresentado de forma simples. Não é fácil de fazer, mas é simples. É comprar ativos excecionais, quando eles se transacionam a preços sensatos, manter e esquecer este ruído de mercado.
As pessoas obviamente não têm esta capacidade de avaliar empresas, mas se perceberem que há uma filosofia certa e que é necessário investir a 5, 10, 30 anos… No último ano, o Fundo PPR foi o melhor fundo em Portugal e ganhou 33,9%. Portanto, tudo isto faz com que se crie um círculo virtuoso e tem feito o fine tuning desta gestão.

– Esse tem sido também o seu propósito: haver um incentivo maior à literacia financeira, que ainda falha muito em Portugal?
EV ─ Muitíssimo. Nós continuamos a classificar-nos muito mal. Saíram dados no ano passado e, de facto, choca-me que só temos atrás de nós a Roménia.
O que me deixa perplexa é como é que, no dia 21 de dezembro, foi proposta na Assembleia da República a educação financeira e ela foi chumbada pelo PS, pelo BE e o PCP absteve-se…
Usar cartões de crédito custou, em média, nos últimos dez anos, 17,1% às pessoas. Aqueles que parecem que defendem o povo e o cidadão, afinal não, porque deixam-nos na fragilidade de ficar nas mãos de negócios que vivem disto. Existem empresas que cobram abusivamente e que têm comissões escondidas em todo lado.
Eu preferia viver num país em que as pessoas não precisam de andar de mão estendida à Segurança Social porque hoje nós vemos as reformas médias pagas em Portugal, no ano passado, foram de 573 ou 583 euros. Como é que se vive com isso quando se tem uma conta maior em medicamentos e quando se começa a ter dependência de terceiros?

– Como é que olha para os resultados que têm sido apresentados pela banca portuguesa?
EV – No espírito de total franqueza, é bom que as empresas sejam rentáveis. Neste país parece que há uma perseguição aos negócios que são rentáveis, e não devia ser.
O facto de termos uma instituição como a Caixa Geral de Depósitos detida pelo Estado faz todo sentido que a Caixa também siga o caminho e seja das primeiras a ajustar as taxas de juros dos depósitos a prazo.
Nós temos cerca de 180 mil milhões de euros em depósitos a prazo. Foi fácil à banca fazer lucros incríveis, no ano passado!
Primeiro, nos anos em que as taxas estiveram muito baixas, obviamente é horrível fazer um negócio bancário. É muito difícil, mas a banca pôs comissões em tudo, trouxe comissionamento para tudo e que agora manteve… E, no ano passado, o que é que aconteceu?
Várias vezes foi noticiado, inclusive pela DECO, que a nossa banca era a que estava a pagar os impostos mais baixos e o Estado foi ajudar ao baixar o juro na emissão dos certificados de aforro porque estava a sair muito dinheiro dos depósitos da banca.
Mas, afinal, qual é o papel do Estado?! É fazer com a que os seus cidadãos tenham um tratamento justo ou é ajudar estes negócios?
Sou muito mais a favor de negócios justos, em que se adiciona muito valor ao outro lado. A banca adicionou muito valor às pessoas? Acho que não! Acho que ficou com uma fatia maior do que aquilo que devia porque pagou muito pouco.
Já há estimativa de que os juros caiam durante o verão. Ora, a banca já está a antecipar e a baixar as taxas dos depósitos de prazo. É importante ensinar às pessoas que, às tantas, nos depósitos a prazo e nos depósitos à ordem, deve estar aquilo que é almofada líquida para o curto prazo.
Mas, nos outros ativos, na parte que puder estar parada 5,10, 20 anos, devem investir em ações a longo prazo, devem fazer o seu PPR,porque tem uma fiscalidade extraordinária. A fiscalidade é a redução de mais-valias de 28% para 8% na reforma e isso é uma coisa que me preocupa muito.
Preocupa-me a forma como as pessoas podem viver quando se reformarem porque nós hoje estamos a ver a miséria das reformas, mas vai ser pior. Temos a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e a União Europeia a dizerem que, dentro de 20 anos, a Segurança Social poderá pagar 43 a 45% daquilo que é o último salário. Isso é terrível.
Já é um desafio tão grande envelhecer a todos os níveis, perdemos capacidades, estamos a olhar para o fim da nossa vida… É importante dar qualidade de vida às pessoas.

À minha maneira

Quem é Emília Vieira?
EV ─ Gosto imenso de trabalhar, gosto muito de mercados financeiros e aquilo que quero é fazer o melhor pelo dinheiro das pessoas, da mesma maneira que giro o meu.
Sou a cliente número um do fundo e acho que toda a gente devia ter acesso a um negócio justo, ter melhores rentabilidades, ser tratada com correção, com justiça, com transparência, para perceber bem o que paga, quando entrega o seu dinheiro, que custos tem, etc.
A minha maneira é esta. É fazer a coisa certa como gostava que fizessem comigo. Aliás, acho que é mesmo um grande princípio de vida. Se não fizermos aos outros o que não gostávamos que nos fizessem a nós, não tenho dúvida de que seríamos sempre muito mais corretos com toda a gente. E, na verdade, o que eu gostava era de poder deixar uma marca. Grande parte do que fiz na vida foi dar aulas. Adoro ensinar.

E ensina também os seus dois filhos?
EV – Ensino e, obviamente, motivo-os sempre para o conhecimento.
Nós procuramos a melhor forma de comunicar, de descomplicar coisas que a indústria gosta de complicar, porque a complicar escondem-se comissões.
Recentemente, tivemos a nossa Assembleia anual onde apresentei com transparência como estão os nossos dados. Temos 64% de clientes homens, 36% de mulheres e 9% dos clientes têm menos de 18 anos. Depois, procuramos sempre contratar pessoas de grande qualidade,íntegras, com bom caráter, motivadas para o conhecimento. Estamos muito menos preocupados se sabem tudo quando chegam.

Sim, conseguimos

Qual foi a maior adversidade que encontrou em termos profissionais e pessoais?
EV ─ Nós nascemos numa adversidade. Tivemos a grande crise financeira (2008-2009), o mercado acionista ou o principal índice de ações mundiais (S&P) caiu 56% e nós estávamos a começar. Nos primeiros anos, bati à porta, consegui falar e fazer reuniões com pessoas, que até achavam interessante, mas com muito medo, com muito receio. Na verdade, neste país é sempre muito difícil empreender.

A crise de 2008-2009 foi então o período mais difícil?
EV ─ Foi o pior e nós começámos a 15 de novembro de 2010. Depois tivemos a crise da dívida soberana na Europa. Era uma grande oportunidade para as pessoas investirem… Mas, mais uma vez, criou-se uma grande desconfiança. Depois tivemos a falência dos bancos. O sistema financeiro em Portugal falhou todo porque precisou de ajuda do Estado e alguns desapareceram mesmo, como o BES (Banco Espírito Santo), em 2014. Portanto, tudo isto foi um período muito difícil. E a seguir, mais tarde, a crise da COVID.
Porquê então uma instituição tão pequena e em Braga? Isto metia medo às pessoas…

Portugal 2043: “Quem se reformar em 20 anos vai ter muito menos”

Qual é a sua visão para o país a 20 anos?
EV – Temos, de facto, cada vez mais as pessoas com melhor formação, mas estamos a pagar a formação para elas saírem de Portugal. Estamos a ver um país que, em termos da demografia, está numa situação muito difícil de inverter.
Não há políticas de longo prazo, os nossos políticos não conseguem pensar a 10 anos e deviam poder pensar a 50.
Estão a pensar no trabalho deles, se vão ter emprego, se têm emprego para os rapazes todos do partido e não estão preocupados em olhar a longo prazo.
Se daqui a 20 anos as pessoas, como está previsto, se reformarem com 43% do último salário, estamos a dizer às pessoas: “olhe, se ficar cá e trabalhar cá vai continuar a ser pobre”.
É difícil poupar com os salários que temos, sobretudo com os impostos sobre o trabalho. E, de facto, há aqui uma mentalidade de criar subsídios e pobres.
Trata-se as pessoas com muito pouca dignidade. Quando parece que é dar esmolas que se vai resolver, não vai resolver coisa nenhuma; só vai criar dependência e nós só podemos dar aquilo que distribuímos. Se alguém der demais, porque andam a prometer tudo nas campanhas, depois claro que alguém vai ter de tirar e esse é que vai ficar com o ónus.
Olho para o país com bastante apreensão, sobretudo porque temos uma classe política que não pensa a longo prazo e é importante que a classe política e que os empresários criem estratégias e visões de longo prazo.
É importante reter as pessoas boas! Não se faz coisas boas com pessoas más. Nós temos de ter os melhores.
Como é que se chumba a proposta de educação financeira? Isto é desistir, isto é querer ter gente miserável, isto é patrocinar o que é mau. Tenho muita pena.
Temos iliteracia em muitas áreas, na saúde, na política e em tudo. Senão, com certeza que teríamos outro tipo de governantes e para isto é preciso ser exigente. Nós temos de ensinar as pessoas porque assim as pessoas são mais exigentes.
É preciso motivar quem é bom. Temos gente com imensa qualidade. Quando vão estudar para fora, há muitas histórias de gente com grande qualidade e que se destaca fora. Porque não nos destacamos cá? Porque precisamos das pessoas certas, precisamos de empresários, de empresas que privilegiem o conhecimento e esta grande capacidade de muitos jovens que saem das universidades.
Nós temos dois por cento dos nossos clientes do fundo que estão pelo mundo e são muitos destes jovens. Quando há alguma interação com eles, vemos que têm salários muito superiores aos que estão cá. Não acreditam no país e era importante que acreditassem porque senão isto não é para novos, nem para velhos.
Um dia não está cá ninguém para pagar a reforma a quem fica. E era bom que houvesse alguma simpatia entre gerações.
Hoje é a geração mais velha que devia ser simpática com quem está a pagar reformas e não com os políticos que andam aí a tentar distribuir miséria. Devia ser com estes que estão hoje a pagar, porque estão a pagar muito e vão ter muito menos do que têm.
Quem se reformar em Portugal daqui a 20 anos vai ter muito menos e hoje está a pagar para isso.