O Atlântico e o futuro da política externa portuguesa

Devemos aproveitar a nossa vocação global, aproveitando a língua, a cultura e a geografia

Tendo as suas fronteiras terrestes definidas desde o início do século XII, Portugal formulou ao longo dos tempos a sua política externa tendo por base um ponto importante, diria central: a posição geográfica. Deste pressuposto verificou-se a existência de pilares constantes, os quais sobrepuseram-se na maior parte das vezes às mudanças ou disrupções existentes na política interna: o atlântico, a europa e o espaço lusófono. O grande objetivo foi sempre um: garantir a independência e segurança nacionais.


Há quase duas décadas, Adriano Moreira argumentava que a política externa portuguesa era marcada por uma dependência estrutural em relação a fatores exógenos, que se tinham vindo a alterar historicamente, referindo que Portugal enfrentava o desafio de vir a tornar-se num «Estado exíguo no sistema internacional». Não creio que tenhamos chegado a esse ponto.
Todavia, no atual contexto sistémico, os riscos e os desafios são enormes, particularmente, quanto ao pilar atlântico. Para Portugal, de facto, a atlanticidade foi sinónimo de afirmação da nossa soberania nacional, de desenvolvimento económico, de afirmação geoestratégica e equilíbrio político, não só durante o Estado Novo, mas também no período pós-1976. Por outro lado, o país apoiou-se na importância concedida pela potência marítima dominante – outrora o Reino Unido, presentemente os Estados Unidos da América (EUA). A valorização das ilhas atlânticas serviu de pêndulo desta relação.


Ora, com maior evidência no pós-11 de setembro, é hoje patente que Portugal entrou numa espiral que pode levar à exiguidade atlântica. Por várias razões. Em primeiro lugar, do ponto de vista bilateral, porque a Espanha tomou a dianteira como interlocutor ibérico. Consequentemente, a relação do nosso país com os EUA piorou na última década e meia. A subvalorização estratégica do território português criou fissuras e desfasamentos – para não dizer desorientações – num dado adquirido após 1945: a inserção do país fazia-se na base da ligação geoestratégica com a potência marítima dominante. Esta descompensação deixou-nos de um ponto de vista diplomático numa situação muito frágil, que ainda hoje não foi devidamente recuperada. Por outro lado, no plano multilateral da NATO, temos tido uma atitude periclitante no que concerne ao plano nacional para atingir a meta de 2% do PIB na área da defesa.


Em segundo lugar, Portugal teve falta de ambição na delineação da sua visão estratégica para o Atlântico, não o valorizando como um todo: norte e sul. Posto isto, o que é que o país pode fazer? Desde logo, é da mais elementar importância transformar os Açores num hub de afirmação nacional sustentado num tridente: espaço, segurança e oceanos. No espaço, porque pode estar aqui a chave para o desenvolvimento de um cluster tecnológico, científico e empresarial em todas áreas relacionadas com a indústria aeroespacial. Nos oceanos, porque a extensão da Plataforma Continental pode transformar Portugal num player relevante na exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais. De um ponto de vista securitário, porque é vital afirmarmo-nos como um ator de referência, em particular, no âmbito da segurança marítima e na exploração dos oceanos. Por fim, devemos cumprir sem reservas, nem subterfúgios, o compromisso dos 2% para com a NATO.


Neste contexto, é imperativo recuperar os laços de cooperação e amizade com Washington, enquanto afirmamos, no seio da União Europeia, aquilo que deve ser uma aposta inequívoca, e sem hesitações, na relação transatlântica. Neste ponto necessitamos de ser firmes e claros. Os EUA fazem parte da nossa identidade civilizacional. Uma identidade democrática, pacífica, plural e de partilha histórico-cultural. Independentemente das configurações sistémicas que possam estar no horizonte, o nosso futuro geoestratégico tem de ser alicerçado nesta relação umbilical. Posteriormente, é necessário construir um novo conceito baseado na democracia e na pluralidade conferidas pela cultura portuguesa no mundo ibérico e lusófono, através da CPLP. Este deve ter como baluarte a cooperação com todo o espaço da lusofonia, delineando, porém, um triângulo estratégico com o Brasil e Angola, unificando todo o Atlântico em termos económicos e de segurança. E, sim, com ponderação e ensejo, devemos ambicionar liderar o processo.


Em suma, é necessária uma maior assertividade interna para que consigamos posicionarmo-nos externamente com coerência e responsabilidade evitando marginalizações no plano bilateral e multilateral. Devemos afirmar a nossa vocação global – apesar de sermos um Estado pequeno e periférico na hierarquia internacional – aproveitando a nossa língua e cultura como verdadeiros marcos de soft power, realçando, naturalmente, a posição geográfica de interseção e inserção múltipla entre a Europa e a América, tendo o Atlântico com vértice potenciador desta dinâmica.

PhD IEP- Universidade Católica Portuguesa