Os cortes salariais não são o que parecem, explica Centeno a Bruxelas

Centeno, que já mantinha esta discussão com Vítor Gaspar quando estava no Banco de Portugal, defende que a política de cortes de ordenados é errada e não ajuda a ter ganhos de produtividade no setor público.

Os cortes salariais não são o que parecem, explica Centeno a Bruxelas

Um dos pontos mais longos do relatório técnico que acompanha a carta enviada por Mário Centeno à Comissão Europeia é sobre os cortes salariais. No texto que serve para mostrar a Bruxelas que o Governo está no caminho certo para controlar o défice, o ministro das Finanças explica por que é que a despesa da reversão dos cortes na Função Pública não é o que parece e considera que a medida aplicada por Vítor Gaspar foi “economicamente ineficiente”. Mais: Centeno diz que até há uma almofada orçamental “extra” gerada pelo facto de os custos da reversão ficarem abaixo do que estava previsto.

Centeno começa por dizer que debate em torno dos cortes de salários na Administração Pública estão cheios de “equívocos”, pelo que tenta desmontar os argumentos de quem acha que devolver os cortes salariais vai pôr em risco as boas contas públicas e as metas do défice.

“Primeiro que tudo, a eliminação gradual dos cortes salariais vai acontecer ao longo de três anos”, reforça o ministro das Finanças, lembrando que é preciso não ignorar que a reversão começou em 2015 quando o Governo de Passos Coelho devolveu 20% do que tinha sido cortado.

Ou seja, os 80% do que foi cortado em 2010 será agora gradualmente ao longo de 2016, pelo que o valor global da reposição só terá efeitos orçamentais em 2017.

Centeno frisa, de resto, que não era opção não devolver os cortes feitos porque isso resultou de uma decisão do Tribunal Constitucional que “deixou claro” que “os cortes salariais seriam sempre uma medida temporária”.

A almofada extra de Centeno

A questão é que ao devolver o que foi cortado o Estado não vai, segundo Mário Centeno, gastar tanto como gastava em 2009 com a Função Pública.

Porquê? Porque, como explica o ministro, “o emprego público caiu perto de 10%, duas vezes mais do que o valor definido pelo Programa de Ajustamento. Ou seja, como há menos funcionários públicos, “os custos salariais em 2017 ficarão abaixo dos de 2009”.

O ministro das Finanças frisa ainda que a reposição faz com que os funcionários públicos recebam salários nominais aos níveis de 2009, sendo que “não há progressões na carreira ou promoções na Administração Pública desde 2006”.

Por outro lado, muitos dos que têm saído da Função Pública por reforma ou rescisão amigável estão em muitos casos no topo da carreira, tendo entrado novos funcionários públicos – apesar das fortes restrições à contratação – que estão ainda em níveis salariais de entrada, “o que também contribui para uma redução dos custos salariais” no Estado.

Tudo somado, as estimativas mais recentes do Governo apontam para que o custo de reposição salarial seja 97 milhões de euros abaixo do que tinha sido inicialmente previsto. Um número que Centeno admite que constitui “uma almofada orçamental extra”.

Centeno, que já mantinha esta discussão com Vítor Gaspar quando estava no Banco de Portugal, defende que a política de cortes de ordenados é errada e não ajuda a ter ganhos de produtividade no setor público.

“Nenhuma política de recursos humanos pode produzir resultados económicos eficientes se não tiver mecanismos de incentivo”, defende Mário Centeno, lembrando que a Administração Pública tem perdido capacidade de atrair os melhores pelo facto de as carreiras estarem congeladas desde 2006.

Centeno concluiu, por isso, que a política de redução salarial conduzida por Gaspar foi “economicamente ineficiente” e diz que os cortes orçamentais se devem concentrar “nos consumos intermédios” e não nos ordenados dos funcionários públicos.