O Ministério da Educação quer travar o ‘chumbo’ dos alunos e facilitar as passagens de anos escolares, acusam alguns professores e diretores de escolas.
Para isso está a aplicar medidas e a dar orientações oficiosas às escolas – semelhantes às que foram transmitidas durante o governo de José Sócrates – para que a retenção dos alunos seja o último dos recursos e que seja considerada “excecional”. Orientação que é aplicada, principalmente, nos anos escolares intermédios (2.º, 3.º, 5.º, 7.º e 8.º anos de escolaridade)
Resultado: há escolas onde os alunos transitam de ano escolar com sete notas negativas, como é o caso do agrupamento Poeta Joaquim Serra, no Montijo, já noticiado pelo “Público”. A passagem de ano escolar de alunos com mais de três notas negativas acontecia no ano letivo de 2008/2009, durante a tutela de Maria de Lurdes Rodrigues, quando foram noticiados vários casos de alunos que passaram de ano com nove notas negativas.
E agora o discurso repete-se. “O que é dito às escolas é que deve ser aumentado o sucesso escolar, a regra deve ser a transição nos anos escolares intermédios e só nos anos terminais (4.º, 6.º e 9.º anos) deve ser feita uma avaliação mais rigorosa”, garante ao i Paulo Guinote, especialista em Educação e professor do 2.º ciclo do Ensino Básico.
Segundo o professor, estas orientações foram transmitidas através de telefonemas e de reuniões de preparação para o ano letivo onde, inclusivamente, é “lembrado que a retenção dos alunos tem custos para o país e que o aluno não ganha nada com isso”.
Estas são orientações que, segundo Paulo Guinote, contrastam com as que foram dadas durante a tutela de Nuno Crato. O ex-ministro da Educação tinha como palavras de ordem a “exigência” e “rigor” e seguia a máxima “queremos que os alunos passem, mas passem sabendo”. E, durante a última tutela, garante Guinote, “a pressão desapareceu” porque as “escolas estavam mais à vontade para avaliarem” os alunos.
Sucesso Escolar Para tentar aumentar a taxa de transição dos alunos (passagem de ano escolar), o ministro Tiago Brandão Rodrigues criou, em abril, o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) que tem como objetivo, segundo o governo, o “combate ao insucesso escolar num quadro de valorização da igualdade de oportunidades e do aumento da eficiência e qualidade das instituições públicas”.
Com este programa, o Ministério da Educação impôs às escolas uma revisão das suas metas e regras de transição dos alunos para os próximos dois anos letivos.
José Verdasca – ex-diretor regional de Educação do Alentejo, durante a tutela de Maria de Lurdes Rodrigues (entre 2005 e 2011) – a quem cabe a coordenação do PNPSE foi claro nas orientações transmitidas às escolas. Cada um dos estabelecimentos de ensino tinha de definir quatro a cinco medidas que resultassem num “expectável”, lê-se no documento, “impacto nas taxas de sucesso face ao histórico de partida em cada um dos anos de escolaridade”. Verdasca deu mesmo exemplos: se a taxa média de sucesso de uma escola “num determinado ciclo de escolaridade é de 88%, o compromisso a dois anos será atingir uma taxa de sucesso de pelo menos 91% e a quatro anos de pelo menos 94%”.
Questionado pelo i, o Ministério da Educação assume que “a decisão de retenção ou aprovação compete a cada Conselho de Turma”, mas a tutela entende que “numa mesma turma, um aluno com apenas três negativas com desempenhos próximos dos 10% é necessariamente pior do que um aluno com seis níveis negativos de 44%” e que por isso “a decisão passa por uma opção globalizante e que tem em conta, sobretudo, o potencial de apoio e recuperação de cada aluno”.
O que diz a lei? Também a lei desenhada por Tiago Brandão Rodrigues vai no mesmo sentido de facilitar a passagem de ano escolar dos alunos. No artigo 21º do despacho normativo que regula os princípios da avaliação das aprendizagens dos alunos lê-se que “a decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional”. Norma que é reforçada pelo artigo 26-A do decreto-lei nº17/2016, que alinha as orientações da avaliação das aprendizagens com a política educativa inscrita no programa do governo. Aqui lê-se que “caso o aluno não desenvolva as aprendizagens definidas para um ano não terminal de ciclo (…) o professor titular de turma (…) pode, a título excecional, determinar a retenção do aluno no mesmo ano de escolaridade”.
Ao i as escolas reconhecem que a lei tal como está “dá a interpretação de facilitismo” e consideram que o caráter excecional dos ‘chumbos’ “não tinha de estar explícito na lei”, defende Filinto Lima, presidente Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Até porque, aplicada a lei como está “é enganar e é prejudicial para o aluno”, remata.
Já o presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE), Manuel Pereira, defende que a retenção deve ser de caráter “excecional” porque, acredita, “é condenar o aluno ao insucesso e um convite ao abandono escolar”.
Segundo uma estimativa do presidente do Conselho Nacional da Educação (CNE), David Justino, acabar com o ‘chumbo’ dos alunos permitia uma poupança de 600 milhões de euros.