Compra da TVI. Operação Marquês descobre novas provas do plano de Sócrates

Sete anos depois do caso Face Oculta, a equipa da Operação Marquês tenta agora esclarecer o alegado plano de Sócrates para controlar a TVI. Plano terá sido batizado como ‘Projeto Aljubarrota’

A equipa que investiga a Operação Marquês descobriu novas provas que revelam que o plano de José Sócrates para a compra da TVI pela PT – que veio a ser descoberto no processo Face Oculta, em 2009 – começou em 2008 e previa envolver o Grupo Lena, investidores angolanos e o Taguspark.

Segundo o i apurou, isso mesmo se depreende de documentos apreendidos em buscas efetuadas ao banco Haitong (antigo BESI) e à PT.

Nas buscas àquele banco de investimento, realizadas em julho passado, os investigadores encontraram um bloco de notas de uma funcionária com os apontamentos de duas reuniões que revelam o primeiro plano para a compra da estação. Já na PT foram reunidas notas pessoais do então administrador Rui Pedro Soares – amigo do então primeiro-ministro e considerado o seu pivô para a execução de todo o plano – e ainda anotações de membros do seu staff.

“Projeto Aljubarrota” Segundo o i apurou, a equipa liderada pelo procurador da República Rosário Teixeira, que coordena a investigação a Sócrates, considera que esse é mais um dossiê que prova a antiga e profunda ligação entre o ex-primeiro-ministro e o Grupo Lena que lhe permitiu receber grande parte da fortuna acumulada nos últimos anos.

Segundo as notas pessoais apreendidas a Rui Pedro Soares e ao seu staff, a estratégia para a compra da TVI foi batizada com um nome de código: “Projeto Aljubarrota”. O gestor pretendia assim resguardar o mais possível a PT e Sócrates, evitando que os seus nomes surgissem envolvidos diretamente no negócio.

De acordo com o “Projeto Aljubarrota”, estava previsto que a compra da TVI – que os espanhóis da Prisa tinham então à venda – seria feita através do Taguspark (o parque tecnológico de Oeiras, do qual a PT era sócia) em parceria com o Grupo Lena e eventuais investidores angolanos. Cada um entraria com um terço do capital necessário.

Recorde-se que, à época, o Estado ainda era acionista da PT, detendo a chamada golden share (ação dourada), que lhe conferia uma posição qualificada, podendo aprovar ou vetar decisões e iniciativas de negócio do grupo. Para evitar o risco de exposição pública, Rui Pedro Soares e demais intervenientes tomaram as devidas precauções, ficando consignado na primeira reunião o seguinte alerta: “Por detrás do Taguspark, a PT não pode aparecer.”

Operação assessorada pelo BESI Toda a operação seria assessorada pelo BESI (banco de investimento então do grupo BES, atual Haitong), liderado por José Maria Ricciardi – e por isso é que os vários contactos de Rui Pedro Soares com os seus interlocutores neste banco foram também apreendidos.

Catarina Guerra, a funcionária do BESI a quem as anotações foram apreendidas, foi ouvida pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no dia 23 de setembro, tendo confirmado as reuniões então realizadas. Confrontada com essas notas, assumiu tratar-se da sua letra e recordou as reuniões mantidas com Rui Pedro Soares sobre a “eventual aquisição da Media Capital por parte de um consórcio que integrava o Taguspark, o Grupo Lena e outros investidores”.

As mesmas anotações fazem referência a uma “última reunião” em que se falou da necessidade de “seleção de uma empresa de comunicação em Espanha” e que, nesse momento, “o cliente é a PLMJ” (a sociedade de advogados que trabalhava com o Taguspark). A “minuta do acordo confidencial” estava a cargo de “Américo Thomati” (presidente do Taguspark), a representação da PT era feita por Rui Pedro Soares e discutiu-se a criação de um “consórcio: criação entre as partes para criação de um veículo caso a proposta seja aceite pela Prisa”. Ainda segundo as notas daquela funcionária, na reunião não havia ainda decisões quanto ao financiamento: “Financiamento ainda não discutido.”

De Aljubarrota ao Face Oculta O negócio não chegou a concretizar-se tal como tinha sido delineado no chamado plano “Aljubarrota”. A estratégia, porém, manteve-se: promover uma mudança de acionistas da TVI de forma a controlar a estação, então dirigida pela dupla José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes, e cuja informação constituía uma dor de cabeça permanente para o governo de José Sócrates. Isso mesmo seria apanhado em flagrante um ano depois, em 2009, no âmbito da investigação do processo Face Oculta: pelo conteúdo de conversas telefónicas intercetadas por acaso a um dos suspeitos no processo, Armando Vara, que amiúde falava com José Sócrates.

Os investigadores aperceberam-se de que estava em curso um plano de compra da TVI diretamente pela PT. O tempo escasseava: estava-se em junho de 2009, quando faltavam apenas três meses para as eleições legislativas de 27 de setembro seguinte, em que Sócrates ia tentar manter a maioria absoluta. Nesse mesmo mês, era o próprio Rui Soares, também sob escuta, quem, num diálogo com Paulo Penedos, admitia que a tentativa de aquisição da TVI se arrastava desde 2008: “Já disse ao Sócrates que andamos nisto há dez meses!”

Na altura, o procurador coordenador da investigação, João Marques Vidal, bem como o juiz de instrução António Gomes, do Tribunal de Aveiro, consideraram flagrantes os indícios de que estava em curso um crime de atentado contra o Estado de direito, através da manipulação dos meios de comunicação social. E, recorde-se, defenderam um inquérito ao mais alto nível, que por lei teria de ser feito pelo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, por estar em curso um “plano” com o então primeiro-ministro à cabeça para controlar a TVI e outros media – isto a três meses das eleições legislativas e com “prejuízo” para a PT.

O desfecho desse capítulo do processo Face Oculta é conhecido: Noronha Nascimento entendeu que as escutas não poderiam ser usadas, pois eram provas “nulas” (por terem sido recolhidas noutro inquérito) – pelo que mandou destruir todas as gravações com as escutas telefónicas em que Sócrates era interveniente. E Pinto Monteiro entendeu, além do mais, que as conversas em causa não tinham a relevância criminal que os magistrados de Aveiro defendiam. Sete anos depois, uma nova equipa de investigação tenta lançar uma nova luz sobre esse famoso “plano”.