Quis o destino que o conclave comunista coincidisse com dois acontecimentos assinalados em tons diferentes pelos nossos media: o desaparecimento de Fidel de Castro, que permaneceu meio século no poder, e a anunciada abdicação de José Eduardo dos Santos, há quase 40 anos rei e senhor de Angola. Ambos marxistas-leninistas, ambos dinásticos, com sucessores designados.
Porém, raros foram os analistas que recordaram a cumplicidade de Castro com o MPLA e o envio expedito de tropas cubanas para ‘normalizar’ a situação em Luanda – e noutros pontos estratégicos do país recém-chegado à independência.
O retrato mais negro e genuíno do despotismo de Castro é, contudo, o seu legado em Cuba, a ilha que subjugou, fechada ao mundo, sujeita a uma violenta repressão – que fez escola noutras paragens da América latina -, com numerosas vítimas e famílias forçadas ao exílio.
Foi esta ditadura, a que alguns tolos insistem em chamar ‘romântica’ – ou em negar com desfaçatez, como fez António Filipe, membro do comité central do PCP -, que a bancada parlamentar do PS homenageou, assinando de cruz dois votos de pesar pela morte do tirano, um próprio e outro do PCP. A mesma bancada que fez orelhas moucas e ignorou o simbolismo do 25 de Novembro, que restituiu a liberdade aos portugueses. Lamentável.
Amansado mas não ‘domesticado’ – Jerónimo de Sousa dixit -, é este o PCP que finge não perceber as asneiras do Governo em cuja órbita gravita, conseguindo, em contrapartida, mais funcionários públicos excedentários, mais professores contratados sem alunos e o controlo no Metro e noutras transportadoras, ‘revertidas’ para o circuito público para desgraça do contribuinte.
Quando o Congresso do PCP aplaudiu, de pé, a memória de Fidel de Castro, confirmou a sua verdadeira natureza e o entendimento que tem da democracia, ao apagar da ardósia a asfixia permanente das liberdades em Cuba ou, mesmo, a eliminação física dos adversários, um traço distintivo no histórico de ‘El comandante’.
Quando Jerónimo tratou Cuba, no seu discurso empolgado, por «ilha da liberdade», estamos conversados. Só podia estar a gozar connosco – ou a liturgia cegou-o.
Mas houve mais neste Congresso em que o PCP saiu da casca, já a tirar proveito de ser muleta do Governo, enquanto se prepara para comemorar o centenário da revolução bolchevique de 1917, com a qual continua a identificar-se.
Jerónimo tinha dado o mote para a renegociação da dívida e a saída do euro. O ex-secretário geral, Carlos Carvalhas, sacudiu por momentos a sua irrelevância política amparando o sucessor nesse desígnio. Foi a reposição de um filme conhecido.
Nada de novo, afinal, no discurso oficial dos comunistas. Já em 2015 o partido inscrevia no programa eleitoral que «a melhor solução seria a dissolução da União Económica e Monetária», preconizando que Portugal teria de acautelar a «libertação da submissão ao euro».
Foi com este PCP que o PS se aliou há um ano, para não sucumbir ao desaire eleitoral.
António Costa muda de máscara consoante o corso, uma versatilidade política que agrada ao PCP e ao Bloco. Enquanto o caldo não se entornar – e esteve perto com o sarilho da Caixa – a ‘geringonça’ continuará na estrada, atafulhada de gente, em fila, para conseguir emprego no Estado.
O PCP e o Bloco pugnam, agora abertamente, para que Portugal se exclua da União Europeia e do euro. O mundo mudou, mas eles não. Cavalgam as fragilidades socialistas para imporem o seu credo, mesmo que isso custe o empobrecimento súbito e dramático do país, à sombra de uma narrativa pseudo-patrioteira de recuperação da soberania monetária.
À cautela, e a coberto da retórica inflamada contra os ricos, o PCP acumula fortuna patrimonial, isenta de IMI.
Um trabalho do Expresso revelou que o saldo orçamental do PCP, desde o último Congresso, foi de 1 261 006,97 euros. O pretexto para estes ganhos consolidados foi a chamada independência financeira, como objetivo político e estratégico do partido.
O PCP é o sobrevivente de uma geração ideológica onde pontificaram vários partidos-irmãos, entretanto varridos de cena na Europa. Juntamente com o Bloco, resistia como partido de protesto, nas margens do sistema. António Costa deu-lhes uma boleia oportunista e eles agarraram-na.
O Governo repete a fórmula e o marketing de Sócrates. A propaganda está na rua para disfarçar o óbvio. Com papas e bolos…