Comédia de enganos…

Quem tomar a realidade portuguesa por aquilo que lê em alguma imprensa poderá ser tentado a concluir que as instituições funcionam em perfeita normalidade, que a austeridade é receita definitivamente erradicada da paisagem, que a harmonia lubrifica as relações entre forças políticas dantes desavindas, enfim, que o país está confiante e distendido.

E, no entanto, quando se conhece o essencial do relatório final da terceira missão pós-programa de assistência percebe-se que a Comissão Europeia está preocupada com o delírio das reversões, o crédito mal parado da banca, a erosão da almofada financeira, o aumento do salário mínimo, e com o risco associado ao cumprimento das metas do défice. 

Por isso, recorda o compromisso do Governo com o Eurogrupo, de adotar as medidas suplementares que as contingências exigirem. Nada muito diferente do que Draghi disse no Conselho de Estado e que amofinou as esquerdas.

Mas se formos aos indicadores nacionais, desde o Banco de Portugal ao INE, não se nota assintonia: crescimento débil, com revisão do investimento em baixa, expectativas encolhidas no consumo privado, baixíssimas taxas de poupança das famílias, agravamento do desemprego, estagnação da confiança dos consumidores e deterioração da confiança na indústria transformadora.

Depois, a descapitalização no país: a falta de dinheiro não se resolve por artes mágicas, menos ainda quando se afastam os investidores estrangeiros. 

Esta ‘tempestade perfeita’ levou Graça Franco, uma jornalista e economista moderada , a escrever no site da Rádio Renascença, no primeiro de Abril – sem ser mentira… –, que «as notícias não são apenas más. São péssimas».

A sua avaliação não é diferente de outras, que ainda escapam à órbita do compadrio.

E espanta como António Costa corre para Atenas, de ‘Falcon’, e junta a Grécia e Portugal no mesmo saco, como se os dois países tivessem seguido um percurso idêntico, menosprezando os sacrifícios que os portugueses suportaram para fugirem ao abismo, enquanto os gregos continuaram alegremente a desbaratar o que não tinham, de resgate em resgate. E como deu o braço ao radicalismo de Tsipras, obrigado a um recuo humilhante em Bruxelas, depois de muita fanfarronice.

Se foi para ficar nas boas graças do Bloco de Esquerda, bem pode limpar as mãos à parede. E não é sério. 

O primeiro-ministro está radiante», escreveu António Barreto, irónico, na sua coluna no DN. O problema, como escreveu também, é que «o Estado não emagrece, perde a cabeça. E fica dependente». O imenso polvo que é hoje a máquina do Estado, criou um poço sem fundo. 

Porém, é na fileira do funcionalismo público – com estabilidade no emprego e remuneração média acima dos privados – que António Costa pesca à linha. Aposta no voto útil dessa legião, que aproveitando a fraqueza do Executivo ainda ameaça com ‘guerra aberta’ pela reposição das 35 horas semanais. 

Sejamos claros: o cenário de eleições antecipadas nunca saiu de cima da mesa, pesem os esforços presidenciais em sugerir o contrário. E Costa precisa dessa legitimação eleitoral para sair do estado precário.

Sabendo-o, os partidos–muleta do PS excitam-se nessa ‘dança de sombras’ com uma agenda política fraturante, desde as ‘barrigas de aluguer’ ao género no cartão do cidadão. É o que têm mais à mão. 

Para não lhes ficar atrás, a autarquia da Amadora, de maioria socialista, resolveu homenagear Hugo Chàvez, depois do primeiro-ministro cortar a fita na abertura de uma nova estação de Metro na Reboleira (e não houve uma boa alma que o alertasse para o ridículo?…). E atribuiu o nome de Chávez a uma rotunda da cidade. 

O gesto deverá ter ‘emocionado’ os milhares de emigrantes portugueses na Venezuela, que conheceram bem de perto o ditador e que sofrem na pele as malfeitorias do ‘herdeiro’ Maduro.

As esquerdas andam num desatino, entre inaugurações caricatas, reversões à pressa e a colocação de pessoal de confiança em postos-chave. Da administração central aos institutos públicos, os dirigentes de topo têm vindo a ser varridos, e substituídos por gente afeta às várias tribos. É a sede ao pote. 

Perante os avisos de Bruxelas e a exigência de mais medidas austeritárias, surgem os primeiros sinais de instabilidade na geringonça. Os ‘patrulheiros’ já voltaram ao serviço nas redes sociais para distrair os incautos. 
Quanto se esgotarem as reversões, o Governo fica sem programa e a geringonça sem sentido. 

António Costa há-de lembrar-se do Pasok, partido-irmão grego, com o qual não confraternizou e que sucumbiu ao Syriza. É o sonho do Bloco, agora que tem a faca e o queijo na mão, enquanto o PCP faz contas de cabeça… 

A comédia de enganos está em cena. E promete continuar. Não percam as próximas representações…