O vazio do aeroporto de Beja

Foi em abril de 2011 que descolou o primeiro voo do novíssimo Aeroporto de Beja, hoje vazio de passageiros e carga.

Cinco anos depois, um investimento de 33 milhões definha nas pistas às moscas, sem aviões nem aparente futuro, graças à vertigem do então primeiro-ministro José Sócrates e da sua corte – incluídos os autarcas comunistas da cidade -, que rejubilaram com a infraestrutura.

Mesmo sem a coligação de esquerdas no poder, já o PS e o PCP davam o braço à utopia, que levou ao desbaratamento de dinheiros públicos, e que continua a animar o presidente da autarquia alentejana, para quem o “potencial” do aeroporto tem “estado a ser desperdiçado”.

Dizer isto é tão caricato como Vasco Lourenço afirmar, eufórico que “valeu a pena” regressar à sessão solene do 25 de Abril no Parlamento, como se anteriormente o hemiciclo estivesse assombrado e mergulhado nas piores trevas.

Este ‘tempo novo’ deve ser a ‘habilidade’ de António Costa que tanto encanta Luís Marques Mendes e um putativo candidato a líder do PSD, que o trata por ‘príncipe’, entre outras tolices. Mas adiante.

Com a ligeireza do costume, as convicções do autarca alentejano não diferem muito do épico editorial do Avante! quando saudava, à época, “o desbloqueamento das obras do aeroporto de Beja”, considerando “o avanço deste projeto, sem mais demoras, com todas as suas valências, uma importante vitória da luta do povo alentejano contra o ‘fatalismo’”.

O ‘fatalismo’, pelos vistos, não mudou de cor, apesar do rombo que o erário público sofreu por causa de um equipamento rendido a conveniências irrealistas.

Instalou-se um verdadeiro ‘elefante branco’, cuja existência se procura justificar de forma canhestra, como fez a ANA, atribuindo o malogro a uma série de desgraças, menos à imprevisão e à manipulação das estimativas.

Com todos os grandes responsáveis em recolhido silêncio, presume-se que, se houve alguém que ganhou com o negócio, não foi o Alentejo. E tenta-se tapar o sol com a peneira.

A impunidade, neste caso, não é muito diferente daquela que se observa a olho nu em autoestradas quase desertas, construídas em regime de parcerias público-privadas, com base em previsões de tráfego absurdas, cujo risco foi assumido pelo Estado, ou seja, pelos contribuintes.

São contratos leoninos, blindados, endereçando o prejuízo sempre ao mesmo destinatário.

“A impunidade é, entre nós, uma regra de comportamento. Um modo de vida”, escreveu António Barreto no DN. E tem razão.

É essa impunidade que se reflete, também, neste aeroporto sem gente, onde o estacionamento de uma aeronave da SATA por 10 dias foi motivo de júbilo para a ANA, a ponto de merecer comunicado.

Mais meia dúzia de aviões estacionados, de companhias de low-cost ou charters, e os responsáveis da ANA já ficam felizes.

O que se passa em Beja é mau demais para um encolher de ombros.

Nos primeiros três anos de ‘operação’, o aeroporto recebeu 6.624 passageiros (média de 6 pessoas por dia…) e realizou 245 movimentos de aeronaves, sendo a maioria de operações charter não regulares. A ANA recusou-se a disponibilizar os números referentes aos anos seguintes, tal a sua irrelevância.

Não obstante, a empresa ainda defende que o aeroporto de Beja é um “importante ativo da rede de transportes” do Alentejo, e que “reúne todas as condições para se constituir como uma infraestrutura fundamental para o desenvolvimento de toda a região”. Só podem estar a brincar connosco.

A quem quererá a ANA agradar, quando o próprio presidente da Câmara de Beja admitiu ao Público que “a cidade não tem camas hoteleiras em número suficiente para alojar os passageiros de um único avião”?

Fica-se perplexo. E não menos quando se consulta um documento esquecido, datado de 2006, com o pomposo título de ‘Orientações Estratégicas para o Sistema Aeroportuário Português (OESAP)’, no qual se teorizava sobre o ‘gradual’ desenvolvimento do aeroporto de Beja.

Nesse documento, previa-se que, em 2015, a nova unidade aeroportuária poderia receber um milhão de passageiros. Viu-se.

Por essa altura, o Governo ( de maioria socialista) era liderado – como se disse – por José Sócrates, acompanhado por António Costa, como ministro de Estado (e seu número dois), e por Mário Lino, com a pasta das Obras Públicas. O milhão de passageiros evaporou-se e a responsabilidade também.

Mudam-se os tempos, mudam-se as promessas. António Costa não pode ignorar este fracasso, porque estava no centro da decisão. Mas cala-se e engrossa a voz com um discurso anti-austeridade.

Ora, foram projetos ruinosos como o de Beja que conduziram o país ao descalabro de 2011 e ao resgate que Costa quer iludir. A ‘vitória do povo alentejano’ deu nisto. Num baile de máscaras. Descrispado… até ver.