Afinal, há orçamento retificativo

Centeno jurou que não haveria em abril, em junho Costa já sugeria que não haveria «drama». Saiu «um retificativo que não é bem um retificativo» nas palavras do primeiro-ministro.

Vai haver um orçamento retificativo. É normal, tendo em conta os custos da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. O estranho foi o ministro Mário Centeno ter negado que esse retificativo viesse a existir, num momento em que já andava a negociar a recapitalização do banco público, como confirmou na conferência de imprensa de quarta-feira. «O plano de negócios foi inicialmente discutido em Bruxelas em abril, apresentado formalmente em Junho e aprovado menos de três meses depois»,disse o ministro que, na sua intervenção inicial, ocultou a necessidade de um orçamento retificativo. Só depois de uma pergunta de um jornalista, Centeno assume a necessidade de um orçamento suplementar, que jurava que não viria a acontecer numa altura em que já tinha o plano para a Caixa.

Foi em abril, no debate sobre o plano de estabilidade que Centeno afirmou que não haveria nenhum orçamento retificativo. «Também acho natural que sinta falta de rectificativos porque, de facto, toma-se-lhe o gosto… Tal não vai ser necessário neste ano orçamental», disse o ministro Mário Centeno em resposta ao deputado social-democrata Duarte Pacheco, no debate do plano de estabilidade na Assembleia da República, a 27 de abril.

Esta semana, a preocupação máxima do Governo foi mostrar que o orçamento retificativo não era… um orçamento retificativo. O primeiro-ministro fez o que pôde para tentar diminuir o impacto político da decisão. «Este orçamento retificativo não é um verdadeiro orçamento retificativo, é uma operação técnico-contabilística necessária para reforçar um capítulo do orçamento que nos permite a recapitalização da Caixa», disse à RTP.

Em junho, Costa ainda admitia que pudesse não existir retificativo, embora já introduzisse uma ‘nuance’. Se isso acontecesse, «não haveria drama». «Gostava que este fosse o primeiro ano dos últimos quatro ou cinco anos sem um orçamento rectificativo. Se houver, não tem drama nenhum. Acho é que não vai ser necessário», disse Costa. 

Socialistas também não queriam mudar lei

A tentativa do governo de alterar a lei bancária fez tremer a geringonça, mas também causou estragos no PS devido à forma como foi gerido o processo da Caixa Geral de Depósitos. «A gestão do dossiê da CGD vai entrar para os anais da história como uma das maiores trapalhadas, num cocktail de ingenuidade, incompetência e falta de noção de que não estamos sozinhos. Parece que estará a chegar ao fim a novela, com baixas e danos de credibilidade», escreveu, num artigo no jornal i, o socialista António Galamba.

O governo desistiu de alterar a lei. António Costa ficou isolado perante as reservas do Presidente da República, mas também do PCP e do Bloco de Esquerda. Dentro do PS também se ouviram vozes a contestar uma alteração à lei bancária para contornar o chumbo do BCE a oito novos administradores. O vice-presidente do grupo parlamentar do PS Carlos Pereira defendeu que «mudar a lei para acomodar administradores que não passaram no crivo do BCE não é sensato nem sequer me parece que assegure o essencial dos objetivos do governo», O deputado e líder do PS/Madeira acredita que o recuo do governo reforça «a credibilidade» do executivo. 

Sensatez foi também o que pediu o ex-deputado do PS Vital Moreira. «Não me parece politicamente sensato alterar as incompatibilidades previstas na lei, para possibilitar a renomeação de alguns dos nomes recusados pelo BCE», escreveu no seu blogue o constitucionalista. Vital Moreira defendeu que «as leis não devem ser alteradas por oportunismo conjuntural» e «a administração da Caixa não pode parecer um cartel de representantes de interesses empresariais”. Num artigo chamado «Trabalho de Casa», o ex-eurodeputado lamentou que não tenham faltado «desacertos» na renovação da administração da Caixa. «Decididamente, faltou trabalho de casa. O juízo do supervisor europeu, o BCE, só podia ser severo». 

Correia de Campos aconselha governo a «parar para pensar”

A preocupação de alguns socialistas vai para além dos episódios à volta do banco público. O ex-ministro Correia de Campos admite que «ao PS as coisas estiveram longe de correr bem” nos últimos tempos com «incêndios devastadores, para além das sequelas dos bónus de viagens e  a novela eterna da Caixa». O ex-ministro de Guterres e Sócrates, num artigo no Acção Socialista, acredita que «se os estragos não foram maiores tal deveu-se quase sempre aos deméritos da oposição que muito ajudou”. Mas isso «não basta», avisa Correia de Campos, que aconselha o governo a «parar para pensar. Analisar factos, reações e comportamentos. Ver o que correu mal e como tal se deve corrigir. Não é desdouro para ninguém. A política também se aprende. Um retiro de fim de semana faz a catarse e carrega baterias».

Centeno chamado ao parlamento 

As mudanças no banco público vão marcar o início do ano parlamentar. O CDS quer que Mário Centeno vá dar explicações sobre o plano de recapitalização da Caixa no dia 8 de Janeiro. «É preciso perceber como é que, por um lado, vai ser feita a recapitalização e quanto é o valor final e, por outro lado, em que é que consiste a reestruturação. É necessário saber como é que os funcionários da Caixa vão ser afetados», diz ao SOL a deputada Cecília Meireles. 

Já Passos Coelho acusa o ministro das Finanças de estar a esconder o jogo. «Não entendi nada do que o ministro das Finanças disse, porque ele não disse nada. Foi a segunda vez que falou sobre a Caixa Geral de Depósitos e não disse nada». A próxima sessão legislativa vai também ficar marcada pelo inquérito parlamentar à Caixa Geral de Depósitos.