Está a aberta a época dos alertas de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins a António Costa. Os líderes comunista e bloquista já avisaram que não vão passar cheques em branco ao PS no que toca ao próximo Orçamento do Estado (OE).
O primeiro-ministro vai ter de arranjar maneira de encaixar as exigência dos parceiros de coligação no OE para 2017, a bem da permanência da maioria de esquerda no poder. A tarefa não deve ser fácil, já que muitas têm custos que vão tornar mais difíceis as contas para cumprir as metas estabelecidas por Bruxelas. Ninguém espera uma crise à esquerda, mas nem por isso serão simples as negociações para a aprovação do Orçamento.
Ao longo das últimas semanas, PCP e BE têm vindo a apresentar as condições para aprovar o documento e Jerónimo de Sousa não perdeu a oportunidade de, no encerramento da 40.ª Festa do Avante!, este domingo, voltar a enumerar as medidas que considera “indispensáveis” para que os comunistas deem luz verde ao OE.
Salários e pensões Lutar “contra a precariedade” no trabalho, o “aumento dos salários” – nomeadamente do salário mínimo para os 600 euros – e o “descongelamento das carreiras” na função pública são medidas que surgem à cabeça das reivindicações comunistas.
Mas no capítulo das pensões, Jerónimo de Sousa faz uma exigência ainda mais concreta. O PCP reclama o “aumento efetivo das reformas e pensões”, pedindo uma subida “não inferior a dez euros por mês” (ver pág. 22-23), que pode ser problemática pelos custos que acarreta.
Precariedade e subida de vencimentos são pontos em que PCP e BE estão em perfeita sintonia. Já no Fórum Socialista 2016, no final do mês passado, Catarina Martins falava num combate à precariedade e no aumento do salário mínimo. Este domingo, na Feira Nacional da Cebola em Rio Maior, a coordenadora do BE recordou o “compromisso com recuperação de rendimentos” assumido para o apoio ao Governo de Costa.
Isso implica o fim de todos os “cortes salariais” e de “todos os cortes de pensões também em 2017”. “A sobretaxa que já acabou para 90% tem de acabar para todos os portugueses e é preciso voltar a haver progressividade nos escalões do IRS para proteger quem vive do seu trabalho”, exige a bloquista.
As “injustiças no sistema fiscal” preocupam também Jerónimo de Sousa, que quer combater os “privilégios dos grupos económicos” e reforçar a tributação do património mobiliário para poder aliviar “os impostos sobre os trabalhadores e o povo”.
Investimento público Jerónimo de Sousa defende uma política que “promova e reforce o investimento público orientado para o crescimento e emprego, com políticas que defendam a agricultura, as pescas e a indústria”, pedindo ao mesmo tempo o reforço do “crédito e apoios públicos” a micro, pequenas e médias empresas.
Outras medidas que o líder comunista quer ver contempladas no Orçamento de 2017 passam pelo “aumento do número de médicos, enfermeiros e assistentes no SNS”, a “gratuitidade dos manuais escolares na escola pública” e por um reforço das prestações sociais, nomeadamente com o descongelamento do Indexante dos Apoios Sociais (IAS).
Exigências semelhantes na saúde, educação e segurança social foram também já reclamadas por Catarina Martins no Fórum Socialista 2016, onde a líder bloquista foi exigir a atualização do IAS, o fim dos contratos de associação pagos aos colégios e a revisão das parcerias públicas com hospitais privados. Medidas que impliquem o fim dos contratos com os privados podem, contudo, ser difíceis de aprovar, tendo em conta as questões jurídicas que levantam, mas também os sinais que já vieram de Belém sobre as dúvidas em relação a esta matéria.
OE e pressão da Europa Uma coisa que o secretário-geral do PCP tem sublinhado é que a “solução política” de hoje não é suficiente. Por outras palavras, Jerónimo defende a necessidade de o PS “romper com constrangimentos externos” que vêm de Bruxelas para que essas exigências não se tornem num “grave bloqueio à resposta aos problemas do país”. O comunista sabe que da Europa continuarão a vir “pressões e chantagens sobre o Orçamento do Estado para 2017”, mas sabe também que o PS nunca deu sinais de querer romper os compromissos europeus, pelo que advinha uma negociação complicada.
Também Catarina Martins, numa entrevista ao “Público”, deixou claro que a pressão da Europa promete tornar tudo mais difícil. “Toda a chantagem está a ser feita para condicionar o Orçamento. A política da União Europeia mantém-se, quer manter processos de privatizações, baixar custos de trabalho”, afirmou a bloquista. Recorde-se que a coordenadora do BE chegou mesmo a falar num referendo à Europa, caso Bruxelas tivesse avançado com sanções ao país pelo incumprimento do défice.
No que toca ao OE para 2017, Jerónimo não se cansa de repetir que só depois de conhecer o conteúdo do documento é que os comunista decidirão se vão ou não apoiá-lo. “O nosso compromisso é examinar a proposta, abertos que estamos a propor e encontrar soluções”, explicou ainda no domingo o líder comunista. Aguardam-se cenas dos próximos episódios.