Vanessa. Bjs, o grau zero do afeto na nova língua

Para mim, ‘bjs’ não é nada. Adeuzinho é melhor, mais simpático, mais doce. ‘Bjs’ é o grau zero da ternura. Mais vale um ‘até à próxima’. É a displicência. Quem quer mandar um beijo, manda.

Eu já me habituei. Desde que começaram os telemóveis e as sms que se popularizaram os ‘bjs’. Fui das últimas pessoas das minhas ‘relações’ a comprar um telemóvel – mentira, não o comprei. Foi o meu pai, desesperado com a minha vontade de permanecer no passado, que me ofereceu um Nokia giro, amarelo e contra todos os riscos – era daqueles que caía ao chão e não se partia que tendo em conta o histórico da minha vida o meu pai achou adequado. 

Quando, algum tempo depois de ter passado a utilizar o telemóvel para falar ao vivo, comecei também a escrever e a receber sms, comecei a receber ‘bjs’. Isto foi depois do ano 2000 – eu lembro-me perfeitamente que no ano 2000 não utilizava sms. Teve que ser depois disso. Ou seja, até ao ano 2000 devo ter sido uma criatura feliz a quem os amigos mandavam beijos – sonoros – e os conhecidos ‘cumprimentos’ ou o famoso ‘abraço’ (que curiosamente é um ato mais íntimo do que um beijo social, mas que a escrita o coloca como mais distante por mistérios da linguagem. Uma vez o Pedro Mexia escreveu sobre isso: como é possível que um abraço, que reservamos a pessoas raras das nossas vidas, se transforme depois de escrito numa despedida mais formal? Faltam-me os meus velhos semiólogos para torcerem as palavras do sentimento e colocá-las no seu lugar). 

Para mim, ‘bjs’ não é nada. Adeuzinho é melhor, mais simpático, mais doce. ‘Bjs’ é o grau zero da ternura. Mais vale um ‘até à próxima’. É a displicência. Quem quer mandar um beijo, manda. Hoje não se paga letra a letra, como aconteceu no tempo em que as sms estavam cheias de diminutivos por causa dos preços. Se a moda horrorosa dos kkkk passou, ficaram os ‘bjs’. Estou a escrever isto, mas só conto verdadeiramente aos meus amigos íntimos o quanto abjuro os ‘bjs’. Levo com eles, com os ‘bjs’, todos os dias sem me queixar. Não se pode fazer muito contra o ar do tempo. Tento não devolver os ‘bjs’. Ou devolvo beijos com todas as letras ou então nada.

Lembrei-me desta minha mania antiga contra os ‘bjs’ porque no outro dia estava na conversa com a Vanessa sobre novas formas de comunicação – e ela estava a ser eventualmente muito radical. 

– Vou deixar-me de conversas de ‘chat’. 

– Vanessa, isso é a sério? Mas o ‘chat’ dá imenso jeito. Qual é o problema do ‘chat’?

Eu resolvo imensos problemas através do ‘chat’. 

– É que o ‘chat’ é ora demasiado íntimo ora demasiado austero.

Mas isso era a vida: umas vezes, as coisas eram íntimas e doces; outras vezes austeras e frias. As estações sucediam-se. Em dezembro era sempre o Natal.

– Oh, Vanessa, a vida é isso. O ‘chat’ não é muito diferente da vida. Os altos e baixos, as zangas e reconciliações, etc. 

– Sim, mas no ‘chat’ os altos às vezes parecem baixos e os baixos parecem altos. E depois é uma grande confusão. Numa conversa ao vivo é mais fácil. Percebe-se o tom. O tom é fundamental. Já arranjei demasiadas chatices com gajos por causa dos ‘chats’.

A Vanessa estava a exagerar, claro. As sms tinham o mesmo problema de não se perceber o tom e no entanto ela não dizia que ia desistir das sms. 

– És muito exagerada Vanessa. Levas tudo a sério. 

Eu tinha acabado de dizer um grande disparate. A Vanessa não levava nada a sério. Estava apenas a ter uma dúvida existencial sobre a linguagem que daqui a 20 minutos estaria dissipada porque um gajo realmente giro atravessou o restaurante. 

Quem levava as coisas a sério era eu. De tal maneira a sério que ainda hoje não me conformo em receber ‘bjs’ e mesmo que agora esteja a passar à minha frente um homem verdadeiramente lindo vou continuar a malhar na mesma tecla.