“O futuro do PPM passa por uma nova liderança”

A até aqui vice-presidente do PPM, Aline Hall de Beuvink, demitiu-se do cargo e quer impugnar o congresso que se realizou neste domingo nos Açores. Fala em processo doentio de rotativismo e diz que o partido é ‘uma verdadeira anedota’.

No Congresso disse que falava pela última vez como vicepresidente do PPM. O que a levou a demitir-se do cargo?

Os problemas já começaram há muito tempo, mas eram verbalizados por mim e por poucos que se encontravam nos órgãos, mas como estávamos em minoria não tínhamos voz. E, pior, havia um órgão onde poderíamos realmente reclamar que era a Comissão Política Nacional, mas os encontros têm sido realizados nos Açores.

Porquê nos Açores?

A desculpa de Paulo Estêvão [líder do PPM nos Açores] para que os últimos três Congressos tenham sido realizados nos Açores é porque o partido tem crescido no arquipélago. Mas, para isso, bastava um, poderíamos intercalar. No entanto, o partido não existe só nos Açores, não é um partido regional, é suposto ser um partido nacional. Mas isso também tem a ver com questões de estratégia e o problema é que não há estratégia no partido. Paulo Estêvão e Gonçalo da Câmara Pereira fazem questão que se façam os Congressos nos Açores porque têm a possibilidade de controlar quem vai e quem não vai, quem aparece, quem não aparece, daí não se fazer uma divulgação massiva da informação de quando é o Congresso.

É estratégico?

É claro que é estratégico, é claro que é propositado, por alguma razão o congresso só tinha 33 pessoas e só três eram do continente, uma delas o Gonçalo. da Câmara Pereira.

Devido aos custos elevados?

Sabe-se que se vai realizar um Congresso um mês antes e acha que tem muitos hotéis no Corvo? E quanto custa uma viagem? No mínimo 600 euros. Aliás, para uma viagem é mais do que um salário mínimo. Os monárquicos não são ricos, não nadamos em dinheiro. E, mesmo que nadássemos, não é assim que se fazem as coisas. É para não ouvir a oposição?

É para não ouvir as vozes críticas. Como diz Paulo Estêvão, é para blindar os estatutos, blindar de tal maneira para que ninguém seja oposição e para conseguirem continuar a controlar e manter o poder nas mãos. E depois dizem: ‘Ah! Qualquer pessoa pode ir aos Açores’, com certeza. Adoro os Açores, mas se calhar gosto de ir de férias ou mesmo que vá em trabalho marco com alguma antecedência.

Já revelou que quer impugnar o Congresso…

Com certeza, ter 33 pessoas não é expressivo. São três Congressos consecutivos eletivos nos Açores. Já chega! Pelo amor de Deus! É que nem intercalam, quando temos deputados em Braga, em Guimarães, no Porto e Lisboa. Existe partido no resto do país e também temos um militante muito ativo na Madeira. Por que é que tem de ser sempre nos Açores? É sempre nos Açores, porque Paulo Estêvão apoia sempre Gonçalo da Câmara Pereira.

Daí muitos falarem de uma direção autista e antidemocrática?

São completamente totalitários. Se fizessem um Congresso no continente dava a possibilidade de todos expressarem, porque as pessoas que estão nas ilhas podem participar online, mas as que estão no continente não. Isto, além de discriminatório, é obviamente para controlar a expressão e os discursos.

Também diz da última direção, 2/3 dos membros abandonaram o partido…

É verdade. Só para ter uma noção, os órgãos eram compostos por 30 pessoas e 2/3 dessas pessoas pediram demissão. Aliás, até 2020, tivemos 12 pessoas a pedir demissão, mas a atual direção nunca se quis pronunciar sobre isso.

A coligação para as eleições legislativas foi a gota de água?

Com certeza, sempre que Gonçalo da Câmara Pereira abria a boca era uma desgraça. Muitos militantes sentiram-se envergonhados e humilhados. Mas a culpa não foi de Luís Montenegro ou de Nuno Melo, o problema é que chegámos ao ponto do ridículo.

No seu discurso ao Congresso diz que o partido é uma verdadeira anedota…

A nível nacional, é. Basta ver o que se diz na comunicação social nos últimos meses. O partido tem sido enxovalhado na pessoa do presidente. É muito triste dizer isso, porque temos várias bandeiras, como o ambiente, o património, a cultura e a nossa história. Há várias áreas em que tivemos grandes pensadores, não é só Ribeiro Telles.

Houve um aproveitamento por parte do PSD e do CDS para utilizarem a sigla da AD?

Não só, porque eles não tinham a ideia desta inatividade por parte do presidente do PPM e, como não tínhamos o tempo de antena que os partidos da Assembleia da Republica têm, o presidente do PSD e do CDS têm um conhecimento do PPM não ao nível político, mas mais ao nível pessoal, do facto de ser uma pessoa simpática, muito afável. Como muitos dizem, é uma excelente pessoa para ir beber uns copos, mas não conhecem verdadeiramente o trabalho político dele e não conhecem a sua faceta de orador, que também não a tem. O que o PSD e o CDS conhecem do partido é aquilo que faz mais ao nível político nos Açores e também aquilo que fiz, modesta à parte, até 2021 na Assembleia Municipal de Lisboa, em que até o próprio vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa dizia que o PPM era a maior oposição na Assembleia. É esse tipo de trabalho político que o PSD e o CDS conheciam. Não conheciam a natureza de declarações que o presidente do PPM faz nos programas da manhã.

Também recusou integrar coligação pré-eleitoral com PSD e CDS e considerou Luís Montenegro e Nuno Melo como líderes fracos.

Digo com toda a sinceridade que hoje a maioria dos militantes do PPM não consideram Luís Montenegro ou Nuno Melo como líderes fracos, mas sim o seu próprio líder.

Como vê a ideia de entendimentos com o Chega que, segundo Luís Montenegro, era uma linha vermelha?

Em 2019 fiz uma declaração pública antes de um conselho nacional a dizer que recusava qualquer coligação com André Ventura. Muitos dos militantes ficaram horrorizados com esta postura e ainda o partido não estava formalizado.

Mas está afastado das europeias…

Não está afastado, está nas listas de suplentes, mas também aí houve uma escolha nominal.

O futuro do partido passa por uma mudança de liderança?

Completamente, se Gonçalo da Câmara Pereira deixasse de ser presidente do partido teríamos toda a possibilidade de crescimento.

Com este pedido de Congresso extraordinário poderão aparecer listas alternativas para a liderança?

Com certeza, temos várias pessoas no partido para assumirem essa alternativa. Estou a dar cara por este movimento, mas não o estou a fazer para ser presidente do partido. Estou a fazê-lo porque estou um bocadinho saturada por o nome do partido ser alvo de chacota ao nível nacional, quando sei que há pessoas extremamente válidas que trabalham imenso para o partido e que o podem levar o mais longe. O que para mim não é saudável é o partido ter sempre uma lista única em todos os Congressos. Isto não tem nada a ver com consensos, porque não há consensos. Há várias vozes que não gostam da liderança atual. Não há nada mais democrático do que irmos para um Congresso e fazer a democracia funcionar, em que várias vozes podem dizer o que pensam e depois ir a votos.

Está disponível para para liderar uma dessas listas?

Não pensei nisso ainda. A minha profissão é ser professora universitária, não é ser política. Gosto do trabalho político, mas acho que a liderança de um partido retira tempo na vida de uma pessoa para outras atividades e noutros campos. Neste momento, não estou a pensar nisso, mas posso apoiar outras pessoas que acho válidas, desde que apresentem politicas concretas, atualizadas e que olhem para a frente.

Não havendo alternativa, o PPM corre o risco de desaparecer?

Digo isso muitas vezes, o maior mistério da política portuguesa é o Partido Popular Monárquico ainda existir e vai conseguir chegar aos 50 anos de existência. Não sei é se vai existir de forma prática e que seja útil como já foi. Neste momento, a não ser nos Açores, não está a ser muito útil.