António Costa chegou a ponderar jogar uma cartada de risco na reunião do Ecofin de quarta-feira. Estava tudo estudado, mas Costa optou por outra via: a estratégia, agora, é de negociar nos bastidores e esperar que a conjuntura europeia dê uma ajuda.
O primeiro-ministro tinha posto juristas a analisar a hipótese de invocar o Tratado de Lisboa e, por essa via, impedir uma decisão de aplicação de sanções, através de uma minoria de bloqueio. Se isso falhasse, estava também estudada a hipótese de um recurso para o Tribunal Europeu de Justiça.
Na terça-feira, acabou por não haver uma votação formal no Ecofin, mas Costa chegou a ponderar forçar a ida a votos. Nessa altura, tinha preparada a defesa jurídica de que as regras do Tratado de Lisboa permitiam evitar sanções só com uma minoria para as bloquear e que essas regras se sobrepunham às do Tratado Orçamental que prevê a aplicação de penalizações por voto de uma maioria.
As vantagens de não afrontar
A estratégia acabaria, porém, por ser diferente. Convencido de que o mais provável é um cenário de sanções zero, António Costa chegou à conclusão de que Portugal terá mais a ganhar em não entrar em confronto direto com Bruxelas.
Por isso, o primeiro passo será o da contestação formal da aplicação de sanções. O Governo vai invocar a descida assinalável do défice conseguida entre 2013 e 2015 – o período que foi analisado – e lembrar que para 2016 a previsão da própria Comissão Europeia é um défice de 2,7% – pela primeira vez abaixo dos 3% impostos pelo Tratado Orçamental.
Ao mesmo tempo, António Costa e Mário Centeno vão usar os bons números da execução orçamental – invocados também já por duas vezes pelo Presidente da República – para garantir que Portugal está no bom caminho. E vão continuar, ao longo do verão, em negociações de bastidores para assegurar que não será aplicada qualquer multa e que não serão congelados os fundos do Portugal 2020 (as sanções mais gravosas que estão previstas).
Enquanto isso, Costa tem a frente interna para se preocupar e, aí, a ordem tem sido para tranquilizar a esquerda, dando sinais de que não haverá passos atrás na política de reversão da austeridade.
Costa tranquiliza BE e PCP
«Cada vez tenho menos dúvidas de que, com a prossecução desta política europeia e com este Pacto [Orçamental], muito dificilmente a Europa virará a sua trajetória económica e encontrará um caminho robusto de crescimento económico», disse Costa esta semana em Setúbal, num tom que vai ao encontro das preocupações dos parceiros mais à esquerda, PCP e BE.
Nesse mesmo dia, era notícia que o Governo decidiu não enviar um esboço orçamental a Bruxelas antes de entregar o Orçamento de 2017 no Parlamento. A prática é comum nos países europeus e, por isso, BE e PCP não se mostraram muito impressionados com o anúncio, mas registaram o sinal dado pelo Executivo de que não haverá uma atitude submissa face à Comissão Europeia.
Os sinais dados por António Costa parecem estar a ser suficientes, pelo menos para já, para garantir alguma tranquilidade na ‘geringonça’. Dirigentes do BE e do PCP ouvidos pelo SOL garantem não ter motivos para acreditar que o primeiro-ministro vá ceder a pressões de Bruxelas para impor mais austeridade.
De resto, enquanto em Espanha Mariano Rajoy reagiu à notícia de sanções com o anúncio do aumento do imposto sobre as empresas – que já estava previsto no Programa de Estabilidade espanhol, mas que foi visto como um sinal favorável em Bruxelas –, por cá Costa voltou a reafirmar que não haverá plano B nem medidas adicionais.
Pressão será no OE-2017
A pressão passa, assim, para a discussão do Orçamento de 2017, que de resto já está a decorrer em reuniões preliminares com o BE, o PCP e o PEV.
Nesse ponto, BE e PCP esperam para ver, mas fontes das direções dos dois partidos vão adiantando não terem ainda motivos para acreditar que Costa não cumprirá os compromissos políticos que estão na base do apoio ao Governo.
De resto, tanto no PS como nos partidos mais à esquerda há a convicção de que a conjuntura europeia pode estar prestes a sofrer um grande abalo provocado pelo resgate iminente do Deutsche Bank (ver pág. 58). «Nessa altura, estarmos a discutir as décimas do défice de 2015 vai parecer irrisório», aponta um dirigente socialista. «Isso vai mudar tudo na Europa», concorda um dirigente comunista.
Sanções em setembro preocupam Costa
Na intervenção que fez, a abrir a reunião do Conselho de Estado de segunda-feira, António Costa transmitiu a sua convicção de que as sanções de Bruxelas a Portugal, por défice excessivo, serão «meramente simbólicas» – segundo apurou o SOL junto de fontes do Conselho.
O primeiro-ministro considerou que havia dois caminhos possíveis. E que aquele que preferia – mas não foi adotado pela Comissão Europeia – era o de manter o processo das sanções suspenso até ao final do ano e só o reativar (ou não) se o défice de 2016 ficasse acima (ou abaixo) dos 3%.
O outro caminho, explicou Costa aos conselheiros, era o de a Comissão e o Ecofin avançarem já com o processo de incumprimento e de sanções – como veio a suceder. E, ainda que se mostrasse «absolutamente confiante» de que não seriam aplicadas as principais sanções (multa até 0,2% do PIB ou a suspensão de fundos comunitários em 2017), o primeiro-ministro não escondeu a sua preocupação por o processo e a decisão final de Bruxelas se irem arrastar até setembro (pois em agosto as instituições europeias não funcionam) e isso poder criar um período de incerteza, junto dos mercados internacionais e dos investidores, que não é favorável à economia portuguesa e à imagem do país.