motivação
será importante para portugal o presidente da comissão ser português?
em 2004 aceitei substituir durão barroso na chefia do governo porque considerei não dever impedir a possibilidade de um português ser presidente da comissão europeia. isso seria prejudicial para portugal.
se há momentos em que penso nisso, este é um destes. pela situação que portugal está a viver.
é certo que um presidente da comissão europeia não pode beneficiar nenhum país de modo indevido. tem de ser isento e imparcial – e se, do seu trabalho e do da sua equipa, resultarem vantagens para qualquer um dos estados-membros, será na sequência de decisões legitimamente tomadas no quadro da ue.
como facilmente se compreenderá, se em 2004 eu tivesse a certeza de que portugal e a europa iriam atravessar uma crise como a actual, não teria hesitado um segundo sequer a tomar a decisão.
acredito que os gregos gostassem que estivesse um grego na presidência da comissão ou que os irlandeses também preferissem um compatriota seu.
mas tem sido constatação quase unânime que, desde o deflagrar da crise, a comissão europeia perdeu peso para o binómio angela merkel-nicolas sarkozy.
manda a verdade dizer que durão barroso tem aparecido muito pouco – quase não se fazendo sentir, pelo menos em público, a importância das funções que exerce.
uns podem dizer que durão barroso, frio e prudente como é, não quer holofotes em cima num momento de crise tão profunda – tentando, mais uma vez, passar incólume ‘entre os pingos da chuva’.
outros garantirão que durão barroso tem trabalhado sobretudo nos corredores do poder – e que é nesse âmbito que mais proveitos pode conseguir para portugal.
pois admitamos que qualquer das hipóteses tem fundamento e que a segunda é a mais verdadeira.
a questão é esta: será importante para um país ter como presidente da comissão europeia um cidadão que dele seja originário – ou, pelo contrário, será indiferente?
em 2004, durão barroso e eu considerámos que era muito importante. outros, que na altura tiveram muitas dúvidas, vieram mais tarde a reconhecer essa importância.
se fosse um francês, um belga ou um finlandês a estar como presidente da comissão europeia, seria melhor, pior ou igual?
discrição
durão barroso devia fazer mais
não é só durão barroso que tem estado discreto. desde que herman van rompuy foi escolhido como presidente do conselho europeu, parece que ambos se anularam reciprocamente, pelo menos em termos de exposição pública.
mas esse é um novo cargo com papel e estatuto ainda por concretizar, para lá do enquadramento jurídico inicial. mas presidente da comissão europeia é diferente – e, por isso mesmo, durão barroso não quis aquele lugar e preferiu ficar no mesmo cargo, iniciando um segundo mandato.
não se pode pedir a durão barroso mais do que ele pode fazer. mas também não se deve exigir de menos. todos nos recordamos das suas palavras e das suas razões quando, a meio do seu mandato como primeiro-ministro, aceitou o repto dos que eram então seus pares.
em texto anterior fiz notar que durão barroso tinha dito, há cerca de mês e meio, que tudo estava pronto na europa para a ajuda externa a portugal. e que, três semanas mais tarde, veio dizer que não era nada bom portugal pedir ajuda externa.
calculo que não deve ser nada fácil ter de lidar com os frios ‘maastrichianos’ que continuam a conceber as soluções para as dificuldades financeiras e orçamentais de vários países europeus. mas também é bom que se diga que angela merkel não está numa situação política interna especialmente forte e que nicolas sarkozy está com uma posição muito debilitada na vida política do seu país.
dizia uma conhecida revista francesa, na passada semana, que actualmente não há nada que ele faça que caia bem.
ora, se foi tão enaltecida a proeza de durão barroso conseguir um segundo mandato à frente da comissão europeia, o significado político dessa vitória também é suposto ter-lhe trazido mais peso, mais poder, mais margem de manobra. especialmente numa situação de profunda crise, em que as comunidades aceitam de bom grado quem lhes indique o caminho e compreenderão pouco o silêncio em vez da palavra.
concertação
existe concertação entre os deputados europeus e o estado português?
aliás, numa altura como esta, cabe dizer que não devemos olhar só para durão barroso. com efeito, será legítimo estranhar o pouco que se tem sabido dos nossos deputados ao parlamento europeu.
antes de mais, importaria que os portugueses soubessem se existe alguma concertação, alguma estratégia, alguma convergência entre os nossos compatriotas que exercem cargos na união europeia e os mais altos responsáveis do estado português. imaginemos que existe algo. mas, se assim for, seria útil que os portugueses tivessem alguma ideia sobre isso.
os cidadãos do nosso país, nos dias de hoje, sentem-se compreensivelmente desprotegidos. numa altura em que tanto dependemos das decisões europeias, mais se sente a falta daqueles que foram escolhidos para nos representar nas instituições da união.
numa fase da nossa política interno em que estranhamos tantas omissões, várias indefinições e muitas hesitações, mais importante se torna o papel dos nossos representantes na união europeia.
já várias vezes, neste espaço, me referi à ausência de uma resposta nacional afirmativa e construtiva, em nome da dignidade nacional.
já várias vezes lembrei que não devemos ser sobretudo reactivos, mas antes proactivos.
é nas alturas mais complicadas que se revela mais a dimensão de um político.
é numa altura como esta que se espera o génio, que se exige rasgo, que se torna essencial, a quem tem a decisão, a capacidade de ver, de sentir, de intuir, de deduzir o que não está ao alcance do comum dos cidadãos.
decidir pela força da inércia, pelo costume da rotina, ou pelo óbvio da norma, é pouco em tempos como este. dos fortes reza a história.