Em busca das drogas legais

Um fertilizante de plantas e um anestesiante usado sobretudo com cavalos são as duas drogas que têm marcado os consumos na Europa. O controlo é difícil

nos anos 60 foi a marijuana. nos 70 e 80 chegou a cocaína, nos 90 começou a vaga de drogas sintéticas, como o ecstasy. hoje, todas estas continuam a existir, mas constantemente surgem novas drogas. muitas delas têm como princípios base substâncias legais, o que dificulta a detecção e proibição. incensos, ambientadores e até anestesias e fertilizantes, fazem parte das chamadas ‘legal highs’ (’pedradas legais’).

a mais recente é a mefedrona, ou miau miau, m-cat, mc, 4mmc, que começou a aparecer no mercado no final de 2009. é um fertilizante de plantas, facilmente adquirido na internet, a cerca de 10 ou 20 euros cada meio grama. é uma substância psicotrópica, comparável ao ecstasy e à cocaína, mas ainda mais potente. vende-se em forma de pó ou cristais e pode consumir-se por via oral ou inalada. a mefedrona causa euforia, perda de memória, suores, taquicardia e paranóia.

em inglaterra, o número de mortes provocadas pelo uso desta substância combinada com álcool ou outras drogas, já chegou às quatro dezenas, razão pela qual o país tomou acções punitivas.

segundo ana gallego, técnica do observatório europeu da droga e da toxicodependência (oedt), em julho deste ano, houve mesmo uma reunião para analisar os riscos desta substância. segundo o relatório que daqui resultou, «há provas emergentes de que a nova substância psicoactiva mefedrona está a ser usada na europa». o mesmo relatório destaca que «os efeitos na saúde continuam desconhecidos. não há ainda estudos sobre o potencial tóxico para o uso crónico da mefedrona».

a oedt concluiu mesmo que, «no pouco tempo em que está disponível no mercado, a mefedrona estabeleceu-se como substância procurada e alguns consumidores já a preferem às outras drogas mais estabelecidas. tem potencial para se difundir, podendo constituir uma ameaça para a saúde e a sociedade». recomenda, portanto, o controlo da substância.

meses antes, no último relatório anual do oedt, a mefedrona não era ainda referida. mas uma outra substância era: a ketamina. também conhecida como k, special k, super k, vitamina k, trata-se de um anestésico preferencialmente para uso veterinário, sobretudo com cavalos, mas que também pode ser usado com seres humanos em pequenas cirurgias.

foi produzida em 1965 pelos laboratórios parke & davis como anestésico e usada no vietname para diminuir a dor dos feridos. a partir dos anos 70 começou a surgir em festas. segundo o oedt, este consumo estará a descer, mas já o órgão internacional de controlo de estupefacientes, indica o oposto. isto apesar de o seu consumo continuar inferior ao de outras substâncias.

henrique moreira da cruz, veterinário especialista em equinos, explicou ao sol que a ketamina é «usada essencialmente para a indução da anestesia geral nos cavalos. o cavalo fica em estado de relaxamento muscular, perde os sentidos e cai no chão, meio a dormir. é uma anestesia dissociativa – por isso, quando usada em cirurgias com seres humanos, as pessoas dizem que se apercebem, mas não sentem dor».

o veterinário admite conhecer os efeitos alucinogénios da ketamina, mas ressalva que é uma substância «licenciada» para médicos e veterinários, e portanto de fácil acesso para estes. «a forma como depois é utilizada é da responsabilidade de cada profissional», diz, assumindo que, muitas vezes, o proprietário dos animais não tem o chamado livro de exploração – onde o veterinário deve tomar nota do uso das substâncias que adquiriu, de forma a controlar a compra e uso. quanto a preços, cada frasco de dez mililitros – a dose para anestesiar um cavalo – pode custar entre 30 a 40 euros. na internet são vários os sites onde se pode comprar. e não é preciso ser profissional.

a ketamina pode ser inalada, misturada em bebidas não alcoólicas, fumada ou injectada directamente num músculo. provoca o entorpecimento das extremidades do corpo, a ilusão da distorção do corpo, dificuldade em controlar movimentos e sentimentos, alucinações, experiências de separação entre corpo e mente, vómitos, diminuição da sensibilidade à dor. pode mesmo levar a experiências de quase morte, coma, pensamentos suicidas e perda de memória. em alguns países da europa já foi ilegalizada.

a ironia é que recentemente foi publicado um estudo na revista science que aponta novas propriedades para a ketamina. segundo o professor ronald duman, da universidade de yale, responsável pelo estudo, esta é «uma droga mágica – uma só dose pode retirar rapidamente as pessoas da depressão e durar de sete a dez dias». testes realizados no connecticut mental health centre concluíram que 70% dos doentes deprimidos que durante anos não reagiram a tratamentos melhoraram no espaço de horas.

raquel.carrilho@sol.pt