Equinócios e Solstícios

Passados mais de cem dias sobre a entrada em vigor da lei que veio permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo (a lei 9/2010 de 31 de Maio), estranho que ainda não tenha sido feito nenhum balanço dos resultados conseguidos por esse diploma que visava pôr termo a tanta ‘opressão’.

estranheza

balanço à vol d’oiseau dos casamentos gay

passados mais de cem dias sobre a entrada em vigor da lei que veio permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo (a lei 9/2010 de 31 de maio), estranho que ainda não tenha sido feito nenhum balanço dos resultados conseguidos por esse diploma que visava pôr termo a tanta ‘opressão’.

fazem-se balanços por tudo e por nada – de trinta, sessenta, noventa, cem dias… é claro que, em matéria de balanços do governo ou de autarquias, há quem tenha direito a maior tolerância traduzida no facto de ser avaliado mais tarde.

neste caso, seriam de esperar notícias sobre a ‘corrida às conservatórias’. mas nada!

esta lei foi apresentada como sendo algo que vinha resolver a situação de muitos ‘oprimidos’.

disse-se que tal ruptura na organização social se justificava inteiramente para que se pudesse fazer justiça e garantir a igualdade para muitos cidadãos.

acreditem que procuro sempre pensar nestes temas fazendo um esforço de auto-avaliação. tento perceber se me cinjo apenas a princípios e valores, ou se há da minha parte algum tipo de preconceito.

também por isso, dei-me ao trabalho de fazer uma prospecção. procurei saber como têm os conservadores e os seus colaboradores suportado a avalanche de marcações dos que iriam ser ‘libertados’ pela nova lei.

só que, quando me começaram a chegar os números, tive de anular o trabalho feito. mesmo admitindo erro, era estranho: o programa informático devia estar avariado, porque me dava zero na maior parte das conservatórias.

recomecei. fui a lisboa e porto e fiquei também muito surpreendido: ou zero ou um, no máximo dois e quase sempre envolvendo cidadãos estrangeiros.

a título de exemplo: braga-0, paredes-0, gondomar-0, sintra-0, paços de ferreira-0, póvoa do varzim-0, amadora-0, maia-1 (portugueses, de 21 e 18 anos), felgueiras-0, amarante-0, vila nova de famalicão-0, paredes-0, queluz-0, cascais -2 (francesa/portuguesa e angolano/brasileiro), lousada-0, faro-2 (brasileiro/argentino e duas brasileiras), loures-0, lisboa, da 1.ª à 10.ª conservatória-1 (dois portugueses), porto, na 1.ª conservatória-2 (um português e um brasileiro e dois portugueses), na 2.ª conservatória-0, na 3.ª conservatória-1 (dois portugueses), na 4.ª – 2 (dois portugueses e duas portuguesas), coimbra-0, figueira da foz-0.

julgo que não devem ser feitos, para já, comentários sobre estes números. é uma constatação sobre a qual cada um fará os seus juízos. o levantamento não foi exaustivo, mas penso ser elucidativo quanto à dimensão da realidade que a referida lei veio tratar.


tristeza

era a ‘nova direita’. era quase genial. ninguém percebia bem qual a constelação de valores que o inspirava, mas tinha-se destacado no combate pela ordem nos subúrbios de paris.

depois, depois, vieram acontecimentos, vários, na sua vida pessoal e política. marcou um estilo muito próprio, também na comunicação. chamou para perto de si figuras da ‘esquerda’ mais marcada – e aí, mais uma vez, foi considerado fantástico. dizia- se que não havia já quase ‘esquerda’ e vaticinavam-se vitórias rotundas.

por mim, disse sempre aos meus amigos, e escrevi-o, que não apreciava o género. quando o dizia, olhavam para mim surpreendidos e até desiludidos. notava que, quando conversavam sobre o ‘novo herói’, procuravam não o fazer ao pé de mim. cada vez mais me convenço de que não me enganei. e, atenção, escreve estas palavras quem já se enganou várias vezes a avaliar pessoas, nomeadamente amigos muito próximos.

só que nunca gostei de exibicionismos com o exercício da força. por vezes, é necessária. mas não se deve procurar popularidade fácil à custa disso. principalmente quando a força é exercida sobre quem é fraco, por parte de quem gosta, igualmente, de exibir que é íntimo de poderosos. recordo-me, a propósito, das primeiras férias depois da eleição.

cada povo escolhe o seu presidente. mas, se somos ‘todos europa’, mais temos o direito de nos indignarmos com atitudes que não são coerentes com a história do país da revolução das luzes, da liberdade, da modernidade.


baixeza

violência verbal em espanha

tive ocasião de ouvir esta semana uma sessão de perguntas ao governo, nas cortes de espanha. não se imagina o conteúdo das intervenções.

da bancada do pp para a do governo choviam as acusações de corrupção – e, mais, de encobrimento da dita por parte do ministro do interior, ali presente. este retribuía, afirmando que, se tivesse de nomear alguém para coordenar a investigação sobre corrupção no pp, teria de ser um super-coordenador – dada a dimensão daquela triste realidade nas hostes do maior partido de oposição do país vizinho.

antes, já o terceiro vice-presidente do governo, manuel chaves (que foi, durante quase 20 anos, presidente da junta da andaluzia), tinha também ouvido das ‘boas’.

sem dúvida que os casos de corrupção (ou de suspeita desse crime) em espanha têm sido, infelizmente, em número significativo. mas aquela maneira de falar, de se dirigirem uns aos outros, de dizerem publicamente o pior que se pode dizer de uma pessoa é impressionante.

é também por isso que a extrema-direita não pára de subir em resultados eleitorais, como ainda há uma semana aconteceu na suécia, o país de olof palme.

o ministro do interior de espanha, pérez rubalcaba, depois de ouvir a acusação de que tinha passado a vida a esconder casos de corrupção no seu partido, o psoe, virou-se para o presidente do congresso e desabafou que já não sabia mais o que era possível ouvir-se naquela sede.

e, independentemente de juízos sobre a pessoa e a personalidade política em concreto, tenho de lhe dar razão. quando as democracias atingem aquele nível, aliado a uma profunda crise económica e social, os cidadãos afastam-se mesmo.

por vezes, em portugal, pensamos que somos os piores da europa ocidental. não é verdade. apesar de tudo (e descontando alguns deslizes) ainda não se perdeu a compostura institucional. já é alguma coisa.

pedro santana lopes